Congresso tem ‘bancada das bets’ e parlamentares já agem para legalizar cassinos e bingos

Grupo de deputados e senadores conseguiu vitórias para as bets durante regulamentação proposta pelo governo Lula. Procurados, políticos dizem que regulamentação evita danos e permite cobrança de impostos

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BRASÍLIA – Nos últimos anos, as empresas de apostas e entidades do setor de jogos de azar se organizaram para garantir seus interesses no Congresso. As bets conseguiram várias vitórias na tramitação do projeto do governo Lula (PT) que regulamentou as apostas online. Agora, o lobby dos jogos quer votar no Senado a legalização de bingos, cassinos e do jogo do bicho.

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O Estadão identificou 12 deputados e senadores que defendem os interesses da jogatina no Congresso, formando uma espécie de “bancada das bets”. O grupo é diverso e inclui congressistas de todos os credos ideológicos. Vai desde Ciro Nogueira (PP-PI) até Rogério Carvalho (PT-SE). Todos os parlamentares citados nesta reportagem foram procurados. Uma parte diz atuar para controlar os efeitos negativos das apostas e para fazer o setor pagar tributos; a outra, preferiu não se manifestar.

Como mostrado pelo Estadão, mais de 300 empresas de bets movimentaram entre R$ 60 bilhões e R$100 bilhões em apostas no Brasil no ano passado, quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeções da Strategy& Brasil, consultoria estratégica da PwC. Do total movimentado, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões deixam de ser gastos com bens e serviços (ou investidos em alguma aplicação), diz o diretor da consultoria, Mauro Toledo. Em casos mais drásticos, os gastos com apostas levaram ao endividamento dos jogadores.

O plenário da Câmara: Casa alterou projeto do governo Lula para legalizar o 'Tigrinho' e outras apostas online Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Para identificar os principais nomes da “bancada das bets”, a reportagem do Estadão analisou a tramitação dos projetos relacionados ao tema, as agendas de reuniões de autoridades no Ministério da Fazenda que trabalham com as apostas esportivas e conversou com congressistas contrários à legalização dos jogos. O grupo pró-jogos é formado por cinco deputados e sete senadores, de PT, PL, União, PSD, PP, PSDB, Podemos, PV e PSB.

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No início deste mês, a Polícia Civil de Pernambuco deflagrou a operação Integration, para apurar o possível envolvimento de bets e casas de câmbio com a lavagem de dinheiro. As investigações resultaram na prisão preventiva da influenciadora digital Deolane Bezerra, já solta, e na decretação da prisão, depois revogada, do cantor Nivaldo Batista Lima, o Gusttavo Lima. As bets também viraram alvo de críticas por levar brasileiros de baixa renda à penúria financeira – relatório do Banco Central divulgado esta semana mostrou que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões com as bets somente em agosto.

As bets são legais no Brasil desde 2018, quando o governo de Michel Temer (MDB) enviou ao Congresso uma medida provisória sobre loterias. O tema deveria ser regulamentado em até dois anos, ou seja, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Mas o capitão reformado do Exército não o fez – a regulamentação acabou sendo feita no ano passado, já na gestão Lula. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) viu no tema uma possibilidade de aumentar a arrecadação do governo.

A “bancada das bets” trabalhou durante a tramitação do projeto de lei enviado por Haddad ao Congresso. Garantiram assim diversas vitórias às bets, como aumento de prazos e redução de tributos. Também foi na Câmara dos Deputados que o projeto passou a permitir os chamados “jogos on-line”, categoria da qual faz parte o “jogo do Tigrinho”. O projeto original do governo tratava apenas das apostas esportivas, e não deste tipo de “cassino virtual”.

Um dos principais nomes da bancada, o deputado Adolfo Viana (PSDB-BA), foi o relator do projeto de Haddad na Câmara. Garantiu, em seu relatório, a redução da contribuição das bets para a Previdência, dos 10% iniciais para apenas 2%. “Hoje não se trata de liberar ou não liberar os jogos on-line no território nacional. Trata-se de termos a responsabilidade de regulamentar essa atividade, que acontece em todo o território nacional”, disse ele na votação do projeto na Câmara, em dezembro passado.

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O relator da regulamentação das bets na Câmara, Adolfo Viana (PSDB-BA)  Foto: Marina Ramos / Câmara dos Deputados

Dois ministérios comandados pelo Centrão, Turismo e Esportes, saíram beneficiados na distribuição dos lucros das bets determinada pelo Congresso. Ambos ficarão com 4% do total arrecadado pelas empresas. Do total arrecadado, 82% ficam para as empresas, e só 1,82% vai para a educação.

Vários senadores apresentaram emendas para aumentar o prazo das concessões das empresas – a atividade depende de autorização do Ministério da Fazenda. Soraya Thronicke (Podemos-MS), Nelsinho Trad (PSD-MS) e Rogério Carvalho (PT-SE) sugeriram que a validade da licença subisse de 3 para 5 anos. Carvalho é uma das vozes dentro do PT em prol dos jogos, enquanto outros integrantes do partido de Lula torcem o nariz para a atividade. “Esta modalidade (cassinos e bingos) pode gerar emprego e mobilizar setores da economia, então por que não pode ser regulamentada?”, disse ele ao defender a legalização dos jogos de azar durante sessão na CCJ do Senado.

Apontado por colegas como um dos principais defensores das bets, João Carlos Bacelar Batista, do PV da Bahia, propôs algumas emendas para beneficiar as empresas – como a que incluiu os jogos de videogame (os “e-sports”) no rol daqueles nos quais se poderia apostar. Já Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) apresentou emenda para que as bets possam adquirir os direitos de transmissão de eventos esportivos (a mesma emenda também foi feita por Soraya Thronicke).

Ao Estadão, Bragança disse, em nota, que sua emenda teve por objetivo “fomentar o esporte e aumentar a transparência no setor”. “A regulamentação adequada é o meio mais eficaz para integrar o mercado de apostas, permitindo a competitividade saudável, e garantindo segurança jurídica e proteção aos consumidores, especialmente os mais vulneráveis”, disse ele. Como presidente da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado (FPLM), Bragança se disse contra a proibição das apostas, pois isso “empurraria o setor para a ilegalidade, onde não há controle estatal nem garantias para os cidadãos”.

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CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Quando o governo Lula decidiu regulamentar as apostas online, a tarefa ficou a cargo da então secretária-adjunta de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Simone Aparecida Vicentin, e do ex-assessor especial Francisco Cimino Manssur. Eles foram exonerados de seus cargos em maio e fevereiro de 2024, respectivamente, devido a atritos com integrantes do Centrão. Como mostrou o Estadão, assim que saíram do governo, os dois foram chefiar a área de “betting” de um escritório de advocacia, que participou das discussões sobre a regulação dos jogos. Atualmente, a função cabe a Regis Dudena, que sucedeu Vicentin.

O gabinete desses servidores foi destino de alguns dos integrantes da chamada “bancada das bets”. Um dos mais assíduos foi o senador Rogério Carvalho. Ele teve pelo menos três reuniões na Fazenda para tratar do tema desde o início do governo. Na mais recente delas, realizada em setembro, no gabinete de Dudena, o parlamentar foi acompanhado do empresário André Feldman, CEO da Big Brazil, que formalizou pedido para atuar no mercado de apostas no Sistema de Gestão de Apostas (Sigap). Carvalho também teve duas agendas na pasta no ano passado. Manssur participou de ambas e Vicentin apenas da segunda.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) é uma das principais vozes a favor dos jogos no PT, enquanto colegas de sigla torcem o nariz para o setor Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Os senadores Ângelo Coronel (PSD-BA) e Irajá (PSD-TO) foram recebidos pelo próprio ministro Fernando Haddad para discutir o tema, assim como o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que foi o relator do projeto de legalização dos cassinos no Brasil durante o governo Bolsonaro. Bacelar também esteve com Manssur no ano passado para tratar do assunto.

Ângelo Coronel relatou o projeto das bets na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Em seu texto, reduziu o tributo cobrado das empresas, em relação à alíquota aprovada na Câmara. À reportagem, ele disse que seu relatório incluiu “medidas de prevenção ao vício em apostas e impedimento de apostadores com comportamento desvirtuado ou doentio, restrição ao uso do cartão de crédito para apostas, taxas de fiscalização e outorgas pesadas a essas empresas, medidas contra à lavagem de dinheiro, além de outras limitações à publicidade e ao uso de aplicativos de apostas”.

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O economista Thomas Conti, do Insper, avalia que a prioridade do governo foi apenas a arrecadação dos jogos, sem uma análise mais criteriosa sobre as possíveis consequências sociais da decisão. “No Brasil, não há exigência de se fazer análise de impacto legislativo antes da aprovação de uma lei, o que leva a uma série de decisões com baixa qualidade de fundamentação”, diz ele.

“Do ponto de vista econômico, as bets e os ‘cassinos’ por celular (como o ‘Tigrinho’) possuem muitas diferenças importantes, sendo este segmento de cassinos online no celular muito mais viciantes e com mais pesquisas econômicas demonstrando as dificuldades de superação do vício que eles causam. Não foi feito nenhum estudo competente de análise de impacto legislativo ou análise de impacto regulatório para essas mudanças em como estas atividades são regulamentadas no Brasil”, diz Conti, que é sócio da AED Consulting, uma firma de consultoria.

A próxima aposta: liberar cassinos e bingos

Com as apostas online já regularizadas, a próxima batalha da “bancada das bets” é pela legalização de cassinos físicos, bingos e do jogo do bicho no País. No dia 8 de agosto, o Senado realizou uma sessão para discutir um projeto que libera essas outras modalidades de jogos.

Para o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a legalização significa “trazer para o controle do Estado uma atividade econômica que já ocorre”. Ele estimou que o mercado movimente “algo entre R$ 14 bilhões e R$ 31 bilhões de reais em 2023″. Em junho, Pacheco já havia dito que o tema foi “suficientemente discutido” no Senado, e que só falta agora “encontrar a data para se pautar no plenário do Senado Federal”.

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O projeto que Pacheco quer pôr em votação foi apresentado em 1991 pelo ex-deputado Renato Vianna, do PMDB de Santa Catarina. Discutido pela última vez em 2016, o projeto voltou à vida em 2022, sob a relatoria de Felipe Carreras, do PSB de Pernambuco. Segundo Carreras, a liberação dos cassinos evitará a operação clandestina das plataformas de apostas e incentivará o turismo no Brasil. “Em países onde os jogos são legalizados, vemos um impacto positivo direto no turismo, gerando empregos e movimentando diversos setores, como o hoteleiro, centro de convenções modernos, restaurantes e entretenimento”, disse.

O senador Irajá, que é filho da ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu, é o atual relator do projeto de liberação dos cassinos no Senado. “Se nós compararmos com o G20, que são os países das 20 maiores economias mundiais, em que o Brasil é a oitava maior economia hoje, apenas a Indonésia e o Brasil ainda não legalizaram os jogos e as apostas”, disse Irajá à Agência Senado em agosto deste ano.

Outra proposta de legalização dos cassinos no Brasil é a apresentada pelo ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP-PI). Na gestão passada, Nogueira integrava a ala que defendia a legalização das apostas dentro do governo. “Hoje o Brasil é um dos países em que mais se aposta no mundo. Tudo de forma ilegal. A sociedade, que poderia estar recebendo os frutos do lado bom do jogo, os impostos, não recebe”, disse Nogueira.

Na primeira tentativa de votar o projeto de Renato Vianna, ainda em 2016, a comissão especial que analisou a proposta foi presidida pelo deputado Elmar Nascimento (União-BA) – hoje, ele é um dos principais candidatos à Presidência da Câmara. “Não é bem defender (os jogos). Nós precisamos é regulamentar o que já existe. Temos uma legislação bastante antiga, que trata o jogo como contravenção, e isso, por tudo que envolve o jogo, sobretudo a grande soma em dinheiro que corre, acaba por estimular as pessoas a atuar na ilegalidade”, disse ele, na época. Como líder do bloco parlamentar do União Brasil, Elmar também encaminhou o voto favorável à regulamentação das “bets” no fim do ano passado.

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