Contratado por partido de Bolsonaro para questionar eleição diz que inventou a urna eletrônica

Engenheiro Carlos Cesar Moretzsohn Rocha requereu, ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, a patente do equipamento usado nas eleições brasileiras; pedido foi negado

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

Foto do author Julia Affonso
Foto do author Gustavo Queiroz
Atualização:

BRASÍLIA E SÃO PAULO - O dono do Instituto Voto Legal, usado pelo partido do presidente Jair Bolsonaro, o PL, para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro, afirma ter inventado a urna eletrônica. Em 1996, o engenheiro Carlos Cesar Moretzsohn Rocha entrou com um pedido de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) reivindicando a criação do “equipamento para votação eletrônica”.

PUBLICIDADE

Carlos Rocha tem uma dívida ativa de R$ 873.887,01, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O nome do engenheiro foi incluído na lista de devedores que têm débitos tributários em aberto. A lista reúne contribuintes com dívida ativa da União e do FGTS, na condição de devedor principal, corresponsável ou solidário.

O PL contratou o Instituto Voto Legal para auditar a eleição. De acordo com a sigla, a ideia é realizar a fiscalização de todas as fases da votação, apuração e totalização dos resultados da eleição. O Voto Legal foi aberto em novembro de 2021 para atuar no setor de “suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação”. A sede do instituto fica localizada em um apartamento no bairro de Jardim Santo Amaro, em São Paulo.

A reportagem esteve no endereço vinculado ao Instituto Voto Legal, no Alto da Boa Vista, em São Paulo. No local, há um condomínio de luxo - Condomínio Chácara Santa Elena - com duas quadras esportivas e piscina. O site do residencial indica que o local compreende uma área total de 85 mil m2.

Técnicos do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, iniciaram na manhã desta quarta-feira (21) o processo de lacração das urnas eletrônicas que serão usadas nas eleições 2022.  Foto: Wilton Junior/Estadão

No dia 19 de setembro, Carlos Rocha enviou um “relatório de auditoria de conformidade do PL” ao secretário-geral da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Levi Mello do Amaral Júnior. O documento descreveu “um quadro de riscos elevados de quebra de segurança nos sistemas eleitorais”.

Publicidade

O relatório foi divulgado pelo PL na quarta-feira, 28. O parecer apontou, sem nenhuma evidência, que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas por servidores do TSE. A tentativa de colocar em dúvida a legitimidade da Justiça Eleitoral ocorreu quatro dias antes do primeiro turno das eleições. De acordo com as pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem chance de ganhar a disputa já no próximo domingo, 2.

O TSE determinou que integrantes do PL sejam investigados por produzirem um relatório com informações “falsas e mentirosas” sobre a segurança das urnas eletrônicas. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, oficiou o presidente do Partido Liberal, Waldemar da Costa Neto, e lhe deu 24 horas para que preste informações sobre o possível uso de recursos do Fundo Partidário para elaboração do documento divulgado pela legenda

INVENÇÃO

A urna eletrônica foi usada pela primeira vez nas eleições de 1996 e, segundo o TSE, o projeto de engenharia do equipamento é de sua propriedade. O equipamento se tornou pivô de críticas recorrentes e sem evidências de Bolsonaro durante todo o governo.

A Corte Eleitoral abriu uma licitação em 1995 para a construção da urna. A elaboração do projeto técnico de hardware e software foi feita por especialistas em informática, eletrônica e comunicações da Justiça Eleitoral, das Forças Armadas, do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Ministério das Comunicações.

A empresa que venceu a licitação subcontratou a Omnitech Serviços em Tecnologia e Marketing LTDA, da qual Carlos Rocha é sócio, para desenvolver a estrutura do equipamento. O pedido de patente do engenheiro foi negado pelo Inpi. Na decisão, o instituto justificou que faltava o “requisito da novidade”, uma vez que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia publicado um edital, detalhando as especificações do equipamento.

Publicidade

Carlos Rocha foi ainda parte de um processo na Justiça Federal de São Paulo. Em 2002, a União abriu um processo reivindicando definitivamente a patente da urna eletrônica.

As urnas eletrônicas que serão usadas nas eleições deste ano foram licitadas em 2020. O valor da proposta de preço selecionada pelo TSE foi de R$ 799,9 milhões para aquisições dos equipamentos.

Ao Estadão, Carlos Rocha afirmou que “sempre” colaborou “de forma construtiva com o TSE”. “Em 1995 e 1996, lideramos a equipe que desenvolveu e fabricou a urna eletrônica. Em 2016 e 2017, atendemos à Presidência do TSE para o desenvolvimento do novo modelo de urna eletrônica, com a impressão do comprovante do voto”, disse. “Agora, em 2022, na fiscalização contratada pelo PL, para a colaboração construtiva para melhorar o sistema eleitoral.”

O instituto recebeu R$ 225 mil do PL em 29 de julho, segundo extrato bancário do partido informado ao TSE. O valor saiu de uma conta registrada como ‘Outros recursos’.

No ano passado, durante a comissão especial que discutiu a PEC do Voto Impresso na Câmara, a deputada Ângela Amin (PP-SC) apresentou requerimento que convidava Carlos Rocha para participar de uma audiência pública. A parlamentar o apresentou como um “engenheiro formado no ITA em 1977″ e que liderou a fabricação da urna eletrônica, fornecidas ao TSE de 1995 a 1998. O requerimento não foi apreciado pelos deputados.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.