BRASÍLIA - A Casa Civil da Presidência da República decidiu nomear para uma das diretorias da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) a ex-coordenadora de licenciamento ambiental da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Carla Fonseca de Aquino Costa.
Carla Costa foi braço direito do delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, que foi escolhido pelo então presidente Jair Bolsonaro para comandar a Funai. Como coordenadora de licenciamento ambiental da Funai, cabia a ela gerenciar todos os projetos de infraestrutura que envolvessem algum tipo de impacto em terras indígenas.
Em outubro do ano passado, Carla Costa participou de uma reunião com o presidente da Funai e demais diretores, que receberam uma visita de Padre Kelmon (PTB), o candidato bolsonarista que chegou a se candidatar para presidente nas eleições de 2022. De mãos dadas com Padre Kelmon, Carla Costa, Marcelo Xavier e demais diretores rezaram dentro das dependências da Funai.
Padre Kelmon, como todo o País acompanhou durante as eleições, atuou como um tipo de “candidato laranja” de Bolsonaro, usado em debates de televisão para provocar Lula. Em diversas ocasiões, protagonizou episódios em que conseguia irritar o então candidato petista.
Ao lado de Marcelo Xavier, Carla Costa atuou em inúmeros embates com os povos indígenas, chegando até mesmo a transformar processos de licenciamento em casos de polícia contra as próprias etnias. Carla Costa foi, inclusive, alvo de pedido de demissão, devido à sua atuação no setor. Reportagem publicada pelo Estadão em agosto de 2020 revelou que lideranças indígenas caiapó enviaram uma carta ao então presidente da Funai, Marcelo Xavier, para pedir a exoneração da coordenadora de licenciamento. Na avaliação dos indígenas, Carla atuava para travar a renovação do programa ambiental prometido aos indígenas, dentro do processo de licenciamento de obras na BR-163, no Pará.
“Exigimos a exoneração da coordenadora da CGLic (Coordenação Geral de Licenciamento), Carla Fonseca de Aquino Costa, que é uma funcionária do Ministério do Meio Ambiente e está na Funai travando a liberação de nosso PBA (Plano Básico Ambiental)”, afirmaram os indígenas, na carta. Não foram ouvidos e Carla Costa seguiu no cargo.
Em junho de 2021, indígenas da etnia Waimiri Atroari, em Roraima, também tiveram uma série de desentendimentos envolvendo os atos de Carla Costa e Marcelo Xavier, durante o processo de licenciamento da linha de transmissão entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR). Em uma carta, a Associação Comunidade Waimiri Atroari chegou a declarar que não iria seguir com qualquer diálogo com ambos.
Outro projeto polêmico que contou com a participação de Carla Costa é a recuperação da BR-319, rodovia que liga Manaus a Porto Velho (RO) e que o governo Bolsonaro tentou pavimentar. O empreendimento polêmico enfrenta forte resistência da ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, Marina Silva.
Três meses atrás, Carla Costa deixou a Coordenação Geral de Licenciamento da Funai para assumir, ainda na gestão Bolsonaro, a secretaria de apoio ao licenciamento no PPI, quando esta divisão ainda ficava vinculada ao extinto Ministério da Economia.
A Secretaria do PPI é um órgão estratégico dentro do governo federal. Não por acaso, chegou a ser alvo de disputas entre o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. Ao fim, Rui Costa acabou levando a melhor e ficou com a área que, na prática, coordena os grandes projetos de concessão de infraestrutura do governo federal.
A notícia da nomeação de Carla Costa para o novo posto na Casa Civil, um cargo de confiança que foi publicado no Diário Oficial da União nesta quarta-feira, 25, causou forte reação entre os servidores de sua antiga casa, a Funai, e até mesmo no Ibama. A servidora é analista ambiental concursada pela Ibama desde 2011.
Na tarde desta quinta-feira, 26, após a publicação desta reportagem, a organização Indigenistas Associados (INA) emitiu uma nota de repúdio à nomeação, na qual afirma que a atuação da ex-coordenadora da Funai, “durante o último governo caracterizou-se pelo seu alinhamento com a gestão de Marcelo Xavier e de Bolsonaro, atuando ativamente no processo de assédio institucional aos servidores da Funai”.
Carla Costa tem ligações com a equipe de trabalho que atuou no hoje extinto Ministério da Infraestrutura, que era comandado por Tarcísio de Freitas, eleito governador de São Paulo pelo Republicanos.
A reportagem enviou todas as informações acima para a Casa Civil e questionou a pasta obre as justificativas de ter nomeado Carla Costa para exercer o cargo de diretora de Programa da Assessoria Especial da Secretaria Especial para o PPI. Perguntou ainda se o ministério entende que a servidora tem o perfil adequado para o cargo.
Por meio de nota, a Casa Civil declarou que a nomeação de Carla Costa, embora já publicada no Diário Oficial da União, está em análise pelo ministério. “O governo está na fase de transição para a nova estrutura e, neste momento, muitos servidores que já atuavam nas diversas instâncias do Governo Federal foram nomeados em funções na nova gestão”, afirmou a pasta, e acrescentou: “isso não implica na manutenção dessas pessoas no quadro de servidores. Os perfis estão sendo avaliados e, em alguns casos, servidores são exonerados. O caso da referida servidora está em análise.”
Servidora diz que já ocupou cargos de confiança em diversos governos
Carla Costa também foi questionada sobre as mesmas informações. À reportagem, ela declarou que é servidora pública federal do Ibama desde 2011, “tendo ocupado nesse período diversas posições e cargos de confiança, em diversos governos”, desde a sua admissão. Ela nega que tenha atuado com um braço direito de Marcelo Xavier, embora essa seja a visão dos servidores da Funai.
“Minha atuação sempre foi técnica, pautada nos princípios da administração pública, que, dentre outras atribuições regem a conduta do servidor público que está sempre a serviço do Estado Brasileiro, e não de um determinado governo”, declarou.
A servidora disse que exerceu o cargo de coordenadora geral de licenciamento ambiental na Funai, entre outubro de 2019 a outubro de 2022, “tendo minha atuação sempre sido pautada em critérios técnicos e a legislação vigente”.
Com relação ao pedido de exoneração realizado “por alguns kayapós”, Carla Costa declarou que “é absolutamente saudável existir divergências de opiniões em uma democracia”. “Contudo, a atuação da CGLIC, sob minha gestão à época, foi sempre no sentido de se conseguir um consenso entre o empreendedor e os indígenas, sendo o tal ofício ‘queimado’ pelos Kayapos citados na reportagem, apenas uma proposta de rodadas de reuniões técnicas para se chegar a um consenso entre os diversos atores do processo.”
A respeito de sua atuação na BR 319, ela declarou que “o empreendimento foi qualificado como prioritário pelo Conselho do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), no qual o Ministério do Meio Ambiente é parte” e que sua atuação “foi dentro dos trâmites administrativos e legais pertinentes, considerando que a Funai era interveniente do licenciamento ambiental”.
Em relação ao encontro com Padre Kelmon, Carla Costa disse que foi convidada para uma reunião administrativa na presidência da Funai. “No momento de seu início houve uma oração, que apesar não ser da mesma fé que professo, apenas não cometi a indelicadeza de me recusar a fazer a oração.”
A servidora afirmou ainda que, desde outubro de 2022, integra a equipe da Secretaria Especial de Parcerias e Investimentos (SEPPI), que teve sua estrutura alterada a partir da medida provisória do dia 02 de janeiro, alterando sua vinculação do extinto Ministério da Economia para a Casa Civil.
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