CPI da Covid entrega a Aras relatório final; entenda os próximos passos

Procurador-geral fala em 'avançar' nas investigações; após PGR, a quem cabe analisar indiciamento de Bolsonaro, parecer será encaminhado também a diferentes órgãos públicos, como Câmara e STF

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Foto do author Julia Affonso

Senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid entregaram o relatório final que acusa o presidente Jair Bolsonaro de nove crimes na pandemia, em mãos, ao procurador-geral da República, Augusto Aras, na manhã desta quarta-feira, 27. A audiência foi fechada e durou cerca de 30 minutos. Cabe a Aras dar andamento e pedir novas investigações, denunciar Bolsonaro ou arquivar as apurações.  

Após quase seis meses de atividades para investigar as ações e omissões do governo na pandemia, a comissão encerrou as atividades nesta terça-feira, 26, com a aprovação por 7 votos a 4 do parecer final proposto pelo relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Senadores do G-7 entregam relatório final da CPI da Covid ao procurador-geral, Augusto Aras. Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF

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A aprovação do documento inicia uma nova etapa no processo de responsabilização dos 81 indiciados (sendo duas empresas) pelos crimes apontados. O parecer de 1.288 páginas agora será encaminhado a diferentes órgãos públicos, de acordo com a competência de cada um. São eles: Câmara dos Deputados, Polícia Federal, Superior Tribunal de Justiça, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, ministérios públicos estaduais, PGR, Defensoria Pública da União e Tribunal Penal Internacional (TPI), segundo a Agência Senado.

Após o encontro, Aras, que é apontado como aliado do presidente Bolsonaro, se manifestou em mensagem publicada pelo MPF no Twitter, destacando que a procuradoria poderá "avançar" nas investigações. “Esta CPI já produziu resultados. Temos denúncias, ações penais, autoridades afastadas e muitas investigações em andamento e agora, com essas novas informações poderemos avançar na apuração em relação a autoridades com prerrogativa do foro nos tribunais superiores”, disse.

Estiveram na reunião o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), o vice Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o relator Renan. Além dos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES), Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE), Simone Tebet (MDB-MS) e Rogério Carvalho (PT-SE). "Não queremos vingança, queremos justiça. E que as pessoas que são responsáveis, ou possivelmente contribuíram para que isso acontecesse (as mais de 600 mil mortes provocadas pela covid no País) sejam julgadas pela Justiça dos homens primeiramente", afirmou Aziz após entregar o documento. O momento foi registrado em vídeo pela assessoria da PGR:

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No G7 — grupo majoritário de senadores da CPI —, há quem avalie que a estratégia de Aras em relação ao relatório possa variar conforme o andamento da indicação do advogado André Mendonça ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O PGR poderia adiar a decisão sobre o parecer da comissão enquanto a sabatina do ex-advogado-geral da União está travada no Senado, em uma tentativa de ser indicado ao cargo.

Caso Aras engavete as acusações contra o presidente, a cúpula da CPI da Covid traçou uma estratégia jurídica para levar o Bolsonaro a julgamento diretamente no Supremo. O comando da CPI pretende usar a chamada ação penal subsidiária pública, ferramenta jurídica que permite à vítima ou ao seu representante legal propor a acusação em caso de inércia do órgão que deveria fazê-lo, em até 30 dias. O movimento, no entanto, é visto com muita cautela por juristas e vem sendo questionado até mesmo por integrantes da CPI.

A comitiva deixou a PGR por volta das 11h30 em direção ao STF. Os senadores vão entregar uma cópia do parecer final ao ministro Alexandre de Moraes. 

O relatório final foi aprovado ontem após seis meses de investigação. O texto amplia a pressão sobre o governo e expõem ainda mais a fragilidade do presidente. Bolsonaro é acusado de ser o responsável pelo agravamento da pandemia do novo coronavírus, que deixou mais de 600 mil mortos no País, ao tratar a doença com descaso e atrasar a campanha de vacinação.

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL) Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O parecer de Calheiros pede o indiciamento do presidente por nove crimes, entre os quais os de charlatanismo e prevaricação. A lista inclui, ainda, crimes contra a humanidade (extermínio, perseguição e outros atos desumanos), arrolados no Tratado de Roma, do qual o Brasil é signatário. A CPI também pediu punição a Bolsonaro por crimes de responsabilidade, pelos quais um governante pode sofrer processo de impeachment.

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A versão final do parecer pede o indiciamento de 78 pessoas, sendo o presidente Jair Bolsonaro a principal delas, e duas empresas (Precisa Medicamentos e VTCLog). O documento aponta que o presidente cometeu nove crimes, entre os quais os de charlatanismo e prevaricação.

A lista inclui, ainda, crimes contra a humanidade (extermínio, perseguição e outros atos desumanos), arrolados no Tratado de Roma, do qual o Brasil é signatário. A CPI também pediu punição a Bolsonaro por crimes de responsabilidade, pelos quais um governante pode sofrer processo de impeachment.

Entenda os próximos passos da CPI da Covid:

O que acontece com a CPI após a apresentação do relatório final?

Formalmente, a comissão é “diluída” após a votação do relatório final. No caso da CPI da Covid, a cúpula do colegiado pretende converter o grupo no Observatório da Pandemia e Frente Parlamentar para fiscalizar os desdobramentos do relatório final. Senadores que defendem a proposta, prometeram entrar em contato com o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional de Haia para dar seguimento às denúncias em âmbito internacional. A criação do observatório como frente depende de aprovação no Senado.

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A quem o relatório final será enviado?

O relatório final aprovado pelos senadores da CPI da Covid será encaminhado a diferentes órgãos públicos, tanto do Judiciário quanto do Legislativo, de acordo com a competência de cada um. Cabe a eles dar os encaminhamentos para possível responsabilização de indiciados, os principais órgãos são: Procuradoria-Geral da República, Câmara dos Deputados e Tribunal Penal Internacional (TPI).

  • PGR

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recebeu o parecer aprovado pela CPI da Covid nesta quarta. A partir disso, o procurador-geral, Augusto Aras, pode apresentar, ou não, denúncia contra o presidente Bolsonaro e outros políticos com foro privilegiado por crimes comuns, ou pedir novas investigações.

No caso de ilícitos criminais ou civis, por exemplo, a competência para denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações é do Ministério Público.

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Segundo o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), o chefe do Ministério Público Federal deve ser o defensor dos direitos do povo brasileiro e "não do governo de plantão". “Pode até questionar alguma coisa, mas vai ter que escrever, vai ter que negar, vai ter que botar lá a sua assinatura e dizer que não houve nada. E o bom brasileiro, aquele que jurou a Constituição, aquele que passou num concurso público, não tem o direito de engavetar; ele tem a obrigação de continuar a investigação e é isso que nós queremos”, disse Aziz na sessão final da comissão.

  • Câmara dos Deputados

O relatório será encaminhado à Câmara dos Deputados, responsável por eventual abertura de um novo processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Cabe exclusivamente ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL)decidir. Mais de 130 pedidos de impeachment já foram protocolados contra o chefe do Executivo desde o início do mandato.

  • Tribunal Internacional de Haia 

Uma cópia do relatório será enviada ao Tribunal Internacional Penal que irá apurar as informações e, eventualmente, julgar os possíveis crimes contra a humanidade.

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O TPI, em de Haia, é uma corte de último recurso para o julgamento de crimes internacionais graves, incluindo genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Na prática, o TPI atua quando as cortes nacionais não conseguem ou não desejam realizar processos criminais. Sendo assim, a formação desse foro internacional geralmente se justifica como um último recurso e só atua se o processo não estiver sendo julgado por outro Estado. Em entrevista ao Estadão em setembro, a juíza Sylvia Steiner, única brasileira que já atuou no TPI (2003-2016), detalhou o rito de um processo na corte internacional.

“Após a chegada de uma representação, ela passa por uma triagem para ver se estão presentes os requisitos temporais e de competência do tribunal. Se passar, ela vai para uma fase de exame preliminar, que vai discutir se a corte tem jurisdição, se tem competência sobre esse caso, se ele é admissível, e se é de gravidade suficiente para justificar a abertura de uma investigação. Ao final dessa fase, se o procurador decidir que o tribunal é competente, e que o caso é admissível e grave o suficiente, ele pedirá a uma das câmaras a autorização para iniciar uma investigação. Trata-se de um processo lento. Em caso de condenação, o tribunal pode impor pena de reclusão, de até 30 anos, e penas de multas”, explicou. 

Quais as outras sugestões feitas pela CPI?

Além de apontar crimes cometidos na pandemia, o relatório final traz 17 sugestões de projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição (PEC) relacionados aos temas tratados ao longo dos seis meses de trabalho do colegiado. A maioria das mudanças legislativas, entretanto, já tramitam no Congresso e têm tido problemas para avançar. Conforme mostrou o Estadão, há projetos travados no Legislativo há até 3 anos.

 

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