Depois de quatro adiamentos, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid recebeu nesta quinta-feira, 19, o sócio da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, para um dos depoimentos mais aguardados pela comissão. Mas o empresário, que atuou como intermediário entre a Bharat Biotech e o Ministério da Saúde na negociação de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, frustrou os senadores ao se negar a responder a grande maioria das perguntas do relator Renan Calheiros (MDB-AL) e de outros parlamentares. Ele se respaldou por um habeas corpus concedido pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao longo do dia, Maximiano optou por responder somente perguntas cujas respostas já são conhecidas, como o fato de ele ter relação com o líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). Ele disse conhecer o parlamentar, apesar de não se estender na resposta. Também relatou que a Precisa Medicamentos mantém um contrato vigente com o Ministério da Saúde para o fornecimento de preservativos femininos e que o acordo relativo à Covaxin previa 20 milhões de doses.
Pouco antes do término do depoimento, no entanto, Maximiano quis corrigir uma das poucas informações dadas por ele durante a oitiva - a de que não era o locatário de um imóvel no bairro de Campo Belo, zona sul de São Paulo. Diante de documentos que mostravam o contrário e, após um pedido de prisão feito pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o empresário voltou atrás e disse que não se lembrava de tal negócio porque nunca morou no local.
Podendo escolher qual pergunta responder, Maximiano se mostrou interessado em tratar com os senadores da acusação de que sua empresa havia falsificado documentos durante o processo de compra da vacina Covaxin pelo governo federal. Ele afirmou à CPI que a Envixia Pharmaceuticals é a responsável pelos documentos que foram apontados como falsos pela Bharat Biotech. Em julho, a farmacêutica indiana anunciou a rescisão de seu acordo com a Precisa para venda do imunizante. Na ocasião, a Bharat negou ter assinado duas cartas que fazem parte do processo administrativo de compra do imunizante e foram enviadas ao Ministério da Saúde.
Questionado sobre o motivo da recente viagem à Índia, Maximiano afirmou que foi ao país para apresentar “provas” de que os documentos foram recebidos pela Envixia, empresa do exterior que também participou das negociações da compra da vacina. “Fui à Índia apresentar a eles provas de que recebemos documentos da Envixia”, respondeu o dono da Precisa.
Perguntado então se foi a Envixia a responsável pelas "fraudes”, Maximiano respondeu que sim. Uma das cartas que teriam sido falsificadas dava autorização à Precisa para ser a "representante legal e exclusiva no Brasil com poder de receber todas as notificações do governo".
O documento aponta que a empresa brasileira estaria "autorizada a participar de todos os processos de aquisição oficiais do Ministério da Saúde da Covaxin (vacina contra o Sars-CoV-2) produzidas pela Bharat Biotech International Limited, negociando preços e condições de pagamento, assim como datas de entrega, e todos os detalhes da operação, formalizando o contrato para nós".
Quebra de sigilos
Antes de iniciar o depoimento do empresário, os senadores apertaram o cerco contra Barros e o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, acusado de pedir propina para negociar vacinas. A CPI pediu a quebra de sigilo do líder do governo para a Receita Federal e informações sobre investigações em andamento sobre ele no STF e no Tribunal de Contas da União (TCU). Sobre Roberto Dias, a comissão pediu ao Ministério da Saúde e à Casa Civil informações sobre a atuação do ex-diretor.
Da mesma forma, o colegiado aprovou a quebra de sigilos fiscal, bancário, telemático e telefônico da Fib Bank, instituição financeira que teria dado a garantia ao negócio fechado entre a Precisa Medicamentos e o governo federal. Para senadores da comissão, há suspeitas de irregularidade na garantia apresentada pela empresa. A CPI também aprovou a convocação de dois diretores do Fib Bank, Roberto Pereira Ramos Junior e Luiz Henrique Lourenço Formiga.
No pacote de requerimentos aprovados estava também o pedido de quebra de sigilo fiscal de Frederick Wassef, que se apresenta como advogado do presidente e sua família. Wassef se tornou amplamento conhecido após a Polícia Federal encontrar e prender Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro acusado de comandar um esquema de rachadinha para o parlamentar quando ele era deputado estadual pelo Rio, em uma propriedade sua na cidade de Atibaia, no interior paulista, em junho de 2020.
Em ambos os casos - Wassef e Barros -, as informações precisarão ser fornecidas pela Receita Federal, com dados de empresas em que o advogado e o deputado possam ter participação, como de faturamento desses negócios.
Covaxin
A transação comandada pela Precisa, que acabou cancelada pelo governo federal após o contrato entrar na mira da CPI, é uma das principais linhas de investigação da CPI da Covid. A vacina indiana foi negociada ao preço de US$15 a dose, totalizando R$ 1,6 bilhão. Foi o mais caro imunizante contratato pelo governo e a tratativa mais rápida. A verba chegou a ser empenhada (reservada formalmente no Orçamento da União) para a compra, mas nenhum pagamento foi efetivado.
O requerimento para a oitiva do empresário partiu do senador Alessandro Vieira, que diz ser necessário esclarecer os exatos termos das tratativas entre a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde para aquisição da Covaxin.
Pressões atípicas na negociação do imunizante foram relatadas à CPI no depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, Luis Ricardo Miranda, que é servidor do Ministério da Saúde. O Ministério da Saúde só cancelou definitivamente o contrato, por recomendação da Controladoria-Geral da União, depois de a Bharat Biotech romper formalmente o acordo para que a Precisa a representasse no Brasil para a venda da Covaxin.
Maximiano é sócio de outras 12 empresas e costuma levar uma vida de luxo. Voos de helicóptero, passeios de lancha e fins de semana em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, fazem parte de sua rotina.
Como mostrou o Estadão, Maximiano atua no setor farmacêutico há mais de uma década. Nome tido como próximo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, ele é dono de empresas que tiveram contratos contestados por órgãos de investigação nos governos Dilma e Temer gestões do MDB e do PT, além de uma série de processos judiciais de cobranças de dívidas.
Maximiano é sócio da Global Saúde, acusada de não ter cumprido contrato fechado com o Ministério da Saúde para fornecer remédios de alto custo. O negócio de R$ 20 milhões foi feito no fim de 2017, quando a pasta era chefiada por Ricardo Barros.
Em depoimento à CPI, Barros disse não ter relação pessoal com Maximiano, negou ter participado de processos de negociações de vacinas e deu explicações sobre os problemas contratuais com a Global, negando qualquer irregularidade.
Adiamentos
Maximiano já havia conseguido "driblar" a CPI em quatro oportunidades. A primeira tentativa para ouvi-lo ocorreu em 23 de junho, mas os advogados avisaram na véspera que ele estava em quarentena, após retornar da Índia.
A oitiva foi reagendada para 1º de julho, mas voltou a ser adiada, uma vez que, no dia anterior, o empresário conseguira um habeas corpus no Supremo concedendo-lhe o direito de ficar em silêncio para não se incriminar.
Na terceira oportunidade em que a oitiva foi marcada, em 14 de julho, Maximiano seria ouvido junto com a diretora-técnica da Precisa, Emanuela Medrades, mas o comando da CPI decidiu que não seria possível tomar o depoimento dos dois no mesmo dia por falta de tempo hábil.
A última data da oitiva estava marcada para 4 de agosto, logo na volta do recesso parlamentar, mas o empresário pediu a mudança de data porque, novamente, estava na Índia. Ele havia embarcado antes de ser notificado pela comissão, que optou por não tomar nenhuma medida. O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), chegou a avaliar o pedido de prisão de Maximiano, mas desistiu da ideia.
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