BRASÍLIA – A sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) desta terça-feira, 8, foi marcada por bate-boca entre parlamentares e uma ameaça de ação judicial para interromper as atividades do colegiado, que investiga as ocupações de terra promovidas pelo MST desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na sessão, estiveram presentes Benevaldo da Silva Gomes, ex-participante do acampamento Egídio Bruneto; Elivaldo da Silva Costa, presidente do Projeto de Assentamento Rosa do Prado; e Vanuza dos Santos de Souza, ex-participante do Acampamento São João. As declarações dadas pelos depoentes porém, ficou em segundo plano pelos congressistas, já que o colegiado se concentrou em trocas de acusações entre parlamentares.
Sessão foi marcada por discussões entre deputados
Enquanto Vanuza era ouvida pela comissão, o relator da CPI, deputado Ricardo Salles (PL-SP), disse para o deputado João Daniel (PT-SE) fazer silêncio. “O senhor tem que ficar quieto no depoimento. O senhor não pode falar, o senhor não pode falar. Você que foi cassado porque pegou dinheiro do MST. Não pode falar”, disse. Salles se referiu a uma decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE-SE), de 2015, que cassou o parlamentar petista, por suspeitas de desviar recursos com a participação de integrantes do MST. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reverteu a decisão.
Em outro momento da sessão, o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) chamou os integrantes do MST de criminosos e os políticos da esquerda de “irresponsáveis” e “comunistas”, afirmando que iria “meter o cacete neles”. Em resposta, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) afirmou que vai entrar com uma ação judicial para interromper as atividades do colegiado, sob a argumentação de que a função investigatória da comissão não estaria sendo realizada pelos integrantes. A parlamentar do PSB também chamou Chrisóstomo de “machista”, e foi interrompida por deputados da oposição.
Lídice também classificou como um erro a convocação do ministro da Casa Civil, Rui Costa, para prestar depoimento à CPI. A sessão foi interrompida novamente após a deputada discutir com Coronel Meira (PL-PE), que supostamente chamou o ministro de “ladrão”. “Se respeite, deputado. O senhor falar de ladrão, se respeite. O senhor não tem direito de acusar o ministro Rui Costa. O senhor não é policial, o senhor não é deputado.”
Depoente foi acusado de fazer discurso político
No depoimento, Elivaldo da Silva Costa, ex-integrante do MST mais conhecido como “Liva do Rosa do Prado”, fez acusações contra lideranças do MST no extremo-sul da Bahia e o governo do Estado durante a gestão de Rui Costa (2015 a 2022). Segundo ele, o Executivo baiano foi omisso e não impediu represálias da alta cúpula dos sem-terra a integrantes do movimento.
Elivaldo foi acusado por deputados governistas de ter uma postura conflituosa. A sessão foi interrompida após o ex-integrante do MST afirmar, sem citar nomes, que parlamentares estavam “fazendo um papelão e mentindo porque alguém mentiu para eles”. “Eu falo isso porque tem gente que não conhece a realidade querendo falar. E, nesses assuntos, a gente domina”, disse.
Elivaldo disse ter sido expulso do MST por ter confrontado lideranças após não seguir “doutrinações” impostas pelo movimento.
A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente do Partidos dos Trabalhadores, disse que Elivaldo estava adotando um discurso político na comissão, e disse que vai apresentar ofícios para investigar as acusações feitas por ele na CPI.
Elivaldo foi candidato à deputado estadual pelo PP da Bahia nas eleições de outubro. Ele teve a candidatura indeferida. Ao TSE, ele declarou ter um lote de reforma agrária de R$ 520 mil. À CPI, afirmou que a terra foi concedida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
CPI pode ser prorrogada por mais 60 dias
O presidente da comissão, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), vai encaminhar um pedido de prorrogação dos trabalhos do colegiado, por mais 60 dias, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), ainda nesta semana. O período de funcionamento da CPI é até 3 de setembro.
Na última sessão, na quinta-feira, 3, a oposição ameaçou pela primeira vez efetuar uma prisão no colegiado, o líder da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), José Rainha. Durante oitiva, ele tentou negar apoio direto à deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) nas eleições de 2018 e voltou atrás após ser confrontado com um vídeo exposto. A tática da oposição envolveu associar Rainha à esquerda e a políticos do grupo.
O líder da FNL prestou depoimento à CPI na condição de testemunha, sobre a promoção de ocupações de terra no Brasil durante o chamado “Carnaval Vermelho”. Durante a oitiva, ele se recusou a contar quais divergências o levaram a romper com o MST. “Vou levar para o cemitério”, disse. Ele afirmou ainda ter boa relação com Dilma Rousseff (PT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda que não tenha contato recente com eles.
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Na mesma sessão, Zucco provocou a parlamentar Sâmia e perguntou se ela queria “um remédio ou um hambúrguer” para se acalmar. Parlamentares viram machismo na fala do deputado. “A senhora pode ficar mais calma. A senhora respeite... A senhora está nervosa, deputada? Quer um remédio? Ou quer um hambúrguer?”, perguntou o presidente do colegiado para a parlamentar, após ele fazer um pedido para que assessores não se manifestassem durante a sessão.
A comissão também impôs uma derrota ao governo Lula, com a aprovação da convocação do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Como mostrou o Estadão, o ex-governador da Bahia tem histórico conflituoso com o movimento e pode municiar a oposição. A Bahia é palco de diversas invasões do MST e Rui não esconde, nem de correligionários do PT nem de aliados do Planalto, sua falta de simpatia pelo grupo.
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