CPMI do 8 de Janeiro: Coaf vê movimentação suspeita em pequenas doações de Pix para Bolsonaro

Transferências de 1 centavo a 2 reais no meio de grandes pagamentos levantam suspeitas de fraude e lavagem de dinheiro na conta pessoal do ex-presidente; em nota, defesa diz que a origem é ‘absolutamente lícita’

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BRASÍLIA – O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou movimentações suspeitas envolvendo pequenas doações em Pix para o ex-presidente Jair Bolsonaro na mesma conta bancária em que o ex-presidente recebeu mais de R$ 17 milhões, de acordo com documentos enviados à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro no Congresso Nacional.

Ao lado de ex-primeira dama, Jair Bolsonaro disse que vai usar doações do Pix para comer pastel. Foto: Reprodução/ Estadão

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Além dos valores recebidos e dos pagamentos feitos para familiares, incluindo a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o relatório do Coaf destacou uma amostra de 16 pessoas que fizeram Pix para Bolsonaro com valores pequenos, de R$ 0,01 a até R$ 2, em transferências apontadas como atípicas e que agora serão investigadas por integrantes da CPMI.

A circulação de dinheiro na conta pessoal do ex-presidente – incluindo os pequenos valores – levantou suspeitas de “burla fiscal e lavagem de dinheiro”, de acordo com o Coaf, órgão responsável por comunicar às autoridades indícios de lavagem de dinheiro. Membros da CPMI querem investigar se as doações de centavos serviram para dificultar o rastreamento de possível origem ilícita da fortuna obtida pelo ex-presidente só neste ano.

Isso porque as transferências para Bolsonaro somam diferentes sinais de alerta descritos nos manuais do Coaf como indícios típicos de lavagem de dinheiro, tais como pequenos valores transferidos por pessoas “sem ligação aparente com o titular” e movimentações atípicas em relação à renda mensal. No caso de Bolsonaro, os investigadores da CPMI querem verificar se houve uso de CPFs falsos para simular doações e se os supostos doadores tiveram CPFs usados em contas bancárias como “laranjas” para disfarçar a possível origem criminosa dos recursos.

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Em nota, a defesa de Bolsonaro informou que “para que não se levantem suspeitas levianas e infundadas sobre a origem dos valores divulgados, eles são provenientes de milhares de doações efetuadas via Pix por seus apoiadores, tendo, portanto, origem absolutamente lícita”. “Por derradeiro, a defesa informa, ainda, que nos próximos dias tomará as providências criminais cabíveis para apuração da autoria da divulgação de tais informações.”

Doadores dizem não se lembrar dos valores

Entre os doadores de pequenos valores que aparecem no relatório do órgão, o Estadão entrevistou pessoas que dizem não se lembrar das pequenas transferências de valores que supostamente fizeram para Bolsonaro, segundo os dados enviados por bancos ao Coaf. Outros supostos doadores do ex-presidente alegaram ao Estadão que transferiram valores diferentes aos registrados pelo Coaf.

O eletricista Alirio Tavares Cavalcante, morador de Maracanaú, no interior do Ceará, aparece no relatório do Coaf como responsável por uma transferência de R$ 0,01 para a conta de Bolsonaro. Não há data especificada para nenhuma transferência no relatório, mas o Coaf informa que esses pagamentos foram realçados em meio ao dinheiro que circulou na conta do ex-presidente entre 20 de maio do ano passado e 14 de maio deste ano.

Em entrevista ao Estadão, Cavalcante alegou que fez o pagamento com a esperança de que o ex-presidente lhe procurasse posteriormente. De acordo com comprovante de transferência enviado por ele à reportagem, Cavalcante transferiu R$ 0,07 para Bolsonaro em 29 de março deste ano.

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“Como sou de direita, deixei meu número (de telefone) no Pix. Queria ver se ele retornava”, afirmou Cavalcante ao Estadão.

Comprovante bancário de transferência de 7 centavos para conta bancária do ex-presidente Jair Bolsonaro. CPMI quer investigar se pequenas transferências a ele serviram para esconder eventual origem ilícita de recursos Foto: Reprodução

Cavalcante alegou ainda que já manteve contatos com o coronel Mauro Cid, o chefe da ajudância de ordens do ex-presidente que foi preso pela suspeita de que articulou a falsificação de dados de vacinação de Bolsonaro e que também é investigado pela Polícia Federal pela suspeita de que operou um esquema ilegal de financiamento das despesas do ex-presidente e da ex-primeira-dama. “Eu procurei o Mauro Cid. Apaguei as mensagens, porque ele já estava sendo investigado”, afirmou o eletricista.

O mecânico Jaemsom Favoretto, morador de Curitiba, aparece como doador de R$ 1,42 para o Pix de Bolsonaro. À reportagem, ele alegou ter doado um valor diferente, de R$ 0,22, em referência ao número de urna do ex-presidente

“Não me lembro, na verdade, disso (do valor citado no relatório). R$ 1,42 seria um negócio que não tem nem sentido. O 22, sim”, disse Favoretto. Ele diz ter feito a doação por julgar as decisões judiciais contra Bolsonaro injustas.

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Não me lembro na verdade disso. R$ 1,42 seria um negócio que não tem nem sentido. O 22, sim.’

Jaemsom Favoretto, morador de Curitiba, que aparece como doador de R$ 1,42 para o Pix de Bolsonaro

Outro doador, José Reinaldo Dias Bata, disse ao Estadão que não se lembra de ter transferido valores a Bolsonaro. “Eu doei para ele?”, questionou ao ser informado pela reportagem sobre a doação de R$ 1 identificada pelo Coaf “Não lembro disso, não.”

Já a administradora Deborah Cristiane de Brito Severo, também de Curitiba, fez um pagamento de R$ 1 para Bolsonaro, de acordo com o Coaf. Ao Estadão, ela disse que fez uma transferência ao ex-presidente neste ano, mas não quis especificar a data ou o valor. “Não lembro o valor. Ninguém me pediu. Doei de forma livre e espontânea”, afirmou Deborah ao Estadão.

Bolsonaro chegou a agradecer às doações recebidas via Pix e ironizar, dizendo que o dinheiro seria suficiente para pagar as contas e ainda comer “pastel com caldo de cana” com Michelle. As pequenas doações na conta pessoal do ex-presidente notificadas pelo Coaf, no entanto, são anteriores à campanha de arrecadação promovida pelos apoiadores e ocorreram entre 20 de maio de 2022 e 14 de maio deste ano.

Dono de uma pequena loja de eletrônicos em Foz do Iguaçu (PR), Helielto França, 21, disse ter feito uma doação de R$ 0,04 somente para “teste”, ainda em 2022. “Enviei como teste, só para ver mesmo”, disse. Ele disse que viu o CPF de Bolsonaro em “grupos” que se mobilizavam para manifestar “gratidão”.

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No fim de junho, em mensagens distribuídas por WhatsApp e redes sociais, aliados de Bolsonaro pediram doações para o Pix do ex-presidente depois que começou o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo qual ele ficou inelegível. Multas sofridas pelo ex-presidente também foram citadas pelos bolsonaristas como justificativa para os pedidos de dinheiro.

Parlamentares do PL, sigla de Bolsonaro, usaram suas contas nas redes sociais para supostamente ajudar no custeio das despesas pessoais de Bolsonaro com a Justiça. O levantamento do Coaf não especificou a data exata de cada uma das transferências feitas ao ex-presidente. O órgão também não apontou, de forma conclusiva, quais foram os motivos para Bolsonaro ter recebido tanto dinheiro. Os analistas especializados em lavagem de dinheiro disseram que “chamou a atenção o montante de PIXs recebidos em situação atípica e incompatível” e cogitaram que esses pagamentos ao ex-presidente “provavelmente possuem relação” com a campanha de arrecadação promovida por aliados.

Parlamentares da base do governo tentam seguir o rastro do dinheiro de Bolsonaro e da ex-primeira-dama. Querem aprovar requerimentos para que o Coaf analise detalhadamente a movimentação financeira do casal.

“Bolsonaro surrupiou R$ 17 milhões da população, guardou, investiu e não pagou nem a multa que era devida. Isso é um crime contra a economia popular. Abusou da boa-fé, inclusive, de quem o apoia, além de ter nessa listagem um monte de Pix repetidos. Não foram todas essas pessoas, mas, sim, algumas que fizeram esses Pix”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

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Mas o presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), mesmo criticado pela base governista, ainda não quis colocar em votação pedidos de quebra de sigilo bancário de Bolsonaro e Michelle ou pedidos de relatórios ao Coaf.

“Ao meu ver, nesse momento não tem nenhuma razão para terem o sigilo quebrado. Claro que CPI é uma coisa viva. Se chegarem novas informações que suscitem a convocação ou a quebra de sigilo de quem quer que seja, isso será feito. Mas até o momento eu não consigo enxergar nenhum vínculo causal entre o que aconteceu no dia 8 de Janeiro e o presidente e a esposa dele”, alegou Maia na última quinta-feira, 4.

Os dados bancários de Bolsonaro só chegaram na comissão porque foi aprovado um pedido de relatório ao Coaf sobre a movimentação financeira do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da presidência. Como Cid tinha procuração para manusear as contas bancárias do ex-presidente, transações atípicas dessas contas foram citadas e anexadas no relatório do Coaf que analisa movimentações recentes de Cid.

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