BRASÍLIA – A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro aprovou nesta terça-feira, 6, por 18 votos a 12, o plano de trabalho apresentado pela relatora Eliziane Gama (PSD-MA). O colegiado, porém, determinou a retirada dos anexos da proposta da senadora que continham um pacote com 30 requerimentos que devem ser os primeiros a serem analisados por deputados e senadores. As convocações e pedidos de informação de Eliziane serão analisados na próxima sessão em conjunto com as demandas dos demais parlamentares.
Na parte do documento aprovada, a parlamentar propõe iniciar as investigações pelos atentados ocorridos em Brasília em dezembro do ano passado e ainda mira a atuação das Forças Armadas nos acampamentos golpistas, assim como as conversas do ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid sobre a orquestração de golpe de Estado após a sucessão presidencial.
“Os atos de insubordinação civil e de depredação do patrimônio público e privado não devidamente coibidos pelo Poder Público e a ‘residência’ provisória daqueles manifestantes no acampamento próximo ao Quartel-General do Exército, no Setor Militar Urbano de Brasília, justificam a importância de dirigirmos a investigação também para identificarmos os agentes públicos envolvidos, os autores intelectuais e os financiadores dos acontecimentos na noite de 12 de dezembro de 2022, quando se verificou um cenário de barbárie em torno da sede da Polícia Federal, em Brasília”, sustentou Eliziane no plano de trabalho.
Em reunião com integrantes do grupo na noite desta segunda-feira, 5, a relatora firmou acordo para levar a plenário a convocação dos ex-ministros Anderson Torres e general Augusto Heleno, que atuaram na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Justiça e no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), respectivamente.
No documento apresentado nesta terça-feira, Eliziane ainda cobrou a convocação do general Gustavo Dutra, que foi chefe do Comando Militar do Planalto, e do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Gonçalves Dias, que foi acusado de adulterar documentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em que constavam os alertas emitidos a ele sobre os riscos de violência nas manifestações convocadas para o dia 8 de janeiro.
“Cabe a nós, Parlamentares democraticamente eleitos e representantes do povo brasileiro, a defesa da forma republicana de governo, do sistema representativo e do regime democrático. Do contrário, teremos fracassado em nossa missão maior”, defendeu a relatora no plano de trabalho.
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O acordo firmado pelos integrantes do colegiado descartou o convite de Bolsonaro já na primeira rodada de análise de requerimentos. Além das convocações, os parlamentares vão analisar a proposta de plano de trabalho formulada por Eliziane. Como mostrou a Coluna do Estadão, a senadora optou por iniciar a investigação por fatos anteriores aos atentados golpistas do dia 8 de janeiro deste ano.
A relatora pretende analisar os ataques ocorridos no centro de Brasília no dia 12 de dezembro do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Também entrará na mira dos parlamentares da CPMI os acampamentos golpistas na frente de quartéis do País que cobraram por intervenção militar após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.
A análise de fatos anteriores ao 8 de janeiro ajuda a acalmar a CPMI já conflagrada, que tem servido de palco para parlamentares governistas e de oposição apresentarem suas versões sobre os fatos ocorridos no início deste ano. Como mostrou o Estadão, a CPMI vive em clima de “guerra de requerimentos” propostos por apoiadores do presidente Lula e do ex-presidente Bolsonaro. Até a noite desta segunda, 761 documentos já haviam sido protocolados no site do Senado.
“No que couber a esta Relatora, procuraremos afastar qualquer discussão movida por questões partidárias ou voltadas a atacar o governo ou a oposição. Fatos são fatos e provas admissíveis são o foco da Comissão. Narrativas falaciosas, de um ou outro espectro, não serão encabeçadas por esta Relatora”, escreveu Eliziane no plano de trabalho.
Linhas de apuração
A relatora definiu como prioridades do plano de trabalho investigar a atuação de Anderson Torres tanto como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal quanto como ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Eliziane ainda propôs averiguar a atuação de Torres e do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques no segundo turno das eleições de 2022, quando eleitores nordestinos foram alvos de operações que dificultaram atrasaram a chegada às sessões eleitorais.
Em outra frente, a relatora definiu como prioridade investigar “os acampamentos na região do Quartel-General do Exército e os atos antidemocráticos contra as sedes dos Três Poderes para identificar seus mentores, financiadores e executores’. A senadora também priorizou a análise “a atuação dos órgãos das Forças Armadas e sua relação” com os manifestantes golpistas que ficaram acampados em frente às instalações militares após a derrota de Bolsonaro nas eleições.
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Além dos eventos ocorridos no dia 12 de dezembro do ano passado, Eliziane quer apurar a tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília no dia 24 daquele mesmo mês. “Naquele exato dia, véspera de Natal, enquanto milhares de passageiros iam e vinham do Aeroporto de Brasília, o terceiro mais movimentado do País, havia um artefato explosivo implantado em caminhão de combustível hábil a causar uma catástrofe”, escreveu no plano de trabalho.
“Não se tratou de uma ação de amadores ou de uma trapalhada qualquer: foi uma tentativa de ato terrorista que somente não se completou em virtude de um erro técnico no sistema de acionamento do artefato implantado, segundo a competente perícia criminal da Polícia Civil do Distrito Federal”, completou.
A relatora ainda cobra o detalhamento do planejamento e da atuação das forças de segurança pública da União e do Distrito Federal no dia 8 de janeiro, no que classificou como um “apagão na execução das medidas de contenção”. A senadora defendeu a atuação colaborativa entre a CPMI e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) conduzida pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.
“Todas as conclusões balizadas lá alcançadas serão de grande valia para o desenrolar do nosso trabalho, inclusive para que possamos agregar mais informação à sociedade brasileira”, argumentou.
Por fim, Eliziane mira os próprio pares ao cobrar a investigação das “manifestações públicas e em redes sociais de agentes políticos contra o resultado das eleições”. A relatora citou a “possibilidade” de apurar e “entender melhor o papel das grandes plataformas tecnológicas na disseminação de notícias falsas, não necessariamente por intencionalidade das empresas, mas por modelos de negócio que carregam em seu bojo riscos sérios e perigosos ao Estado Democrático de Direito”.
Impedimento de deputado
No início da sessão, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) apresentou questão de ordem para suspender a participação do deputado André Fernandes (PL-CE) no colegiado e substituí-lo por outro parlamentar do mesmo partido. O petista argumentou que Fernandes, apesar de ter sido o autor do pedido de instalação da comissão, consta como investigado no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura os atos golpistas de 8 de janeiro.
“O deputado hoje não é apenas investigado, mas já indicado pela Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República vai decidir sobre o oferecimento de denúncia criminal”, argumentou Correia. “Não pode ele, sendo investigado neste caso e já indicado pela PF, fazer parte do inquérito. Seria como a raposa tomando conta do galinheiro”, completou.
O pedido, contudo, foi rejeitado pelo presidente Arthur Maia, que citou decisões anteriores de outras comissões a favor da permanência de parlamentares nos colegiados. “Não existem deputados pela metade. Ou é deputado é pode participar de qualquer comissão desta casa, ou não o é”, argumentou.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, disse que vai recorrer da decisão da mesa diretora da CPMI na Comissão de Constituição da Câmara (CCJ).
Organização
Na semana passada, a Mesa Diretora da CPMI decidiu estabelecer um esquema reforçado de sessões que deve elevar para até três reuniões semanais a quantidade de encontros para ouvir testemunhas e aprovar as centenas de requerimentos. O número de encontros foi pleiteado pelos parlamentares que integram a CPMI por considerarem que apenas uma reunião semanal seria insuficiente para avançar na agenda definida.
A sessão marcada para ocorrer na quinta-feira, 1.º, foi desmarcada por causa da ordem do dia no Senado para votar a Medida Provisória dos Ministérios. O presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), e Eliziane se reuniram na quarta-feira, 31, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para discutir questões técnicas de funcionamento do grupo, como as salas em que serão realizadas as sessões e onde ficará situada a assessoria técnica do grupo.
Além do poder de polícia que detêm durante a investigação, os parlamentares que integram a CPMI contarão com o o apoio de membros da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Polícia Federal aos técnicos que se dedicarão ao grupo.
Segundo Eliziane, a primeira etapa das investigações deve se concentrar nos depoimentos e na requisição de informações a órgãos públicos. A relatora afirmou que os requerimentos de quebra de sigilo bancário e telemático devem ser apreciados em uma segunda fase do colegiado para municiar novas convocações e convites.
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