O texto do advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, criticando o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pegou de surpresa integrantes do grupo Prerrogativas, do qual ele faz parte. Formado por advogados e juristas progressistas, o grupo costuma atuar como linha auxiliar do governo, raramente adotando postura crítica.
Kakay escreve na carta que Lula está “isolado” neste terceiro mandato. “Alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o presidente. É outro Lula que está governando”, escreve o advogado, que continua. “O Lula do terceiro mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado.”
Integrantes do Prerrogativas disseram ao Estadão que Kakay não avisou previamente sobre a carta aberta enviada a ministros e aliados do presidente. O grupo só tomou conhecimento do conteúdo após a repercussão na imprensa, o que gerou mal-estar interno.

“Está tendo grande repercussão. As pessoas, de um modo geral, acham que (a carta do Kakay) foi inconveniente, inoportuna e injusta”, diz Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas. “Mas ele tem direito de expressar o que pensa e segue tendo o nosso respeito e o nosso carinho”, prossegue o advogado.
Integrantes do “Prerrô” dizem que a crítica foi um ato isolado de Kakay e que o grupo segue alinhado ao governo. O criminalista foi contestado no grupo de WhatsApp do Prerrogativas, mas os debates mais acalorados ocorreram em conversas paralelas. A estratégia foi evitar expor publicamente a divergência para não alimentar a ideia de um racha.
A declaração de Kakay sobre Lula estar isolado foi interpretada como uma indireta à primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. Para alguns aliados do presidente, ela tem restringido suas agendas políticas e dificultado a articulação do governo.
Além do grupo do Prerrô, carta de Kakay repercutiu em outros espaços. Em um grupo do MST, por exemplo, ele foi acusado de “dar munição para o inimigo”. “Quem sabe teria sido mais eficaz chamar o amigo para um encontro fechado para dizer essas coisas face to face”, escreveu uma integrante do grupo.
Uma carta assinada pelo sociólogo e publicitário Oliveiros Marques também viralizou em grupos de WhatsApp progressistas, como o Frente Ampla. O texto diz que a manifestação de Kakay não poderia ter sido mais inapropriada, tanto na forma quanto no momento.
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“Sei lá o que tu achas que deveria mudar, mas que falasses diretamente com ele, e não em grupo de WhatsApp”, diz o texto, assinado por Marques. “E o momento, Kakay? Nem o Kassab faria melhor. Nem a Convergência Socialista nos tempos de PT conseguiria tal façanha.”
Em outro grupo de juristas, um integrante sugeriu que a carta poderia ter sido motivada por alguma demanda do criminalista não atendida pelo governo.
A repercussão da carta chegou ao Planalto, que se incomodou com o episódio e cobrou explicações de integrantes do Prerrô sobre as declarações de Kakay.
Como mostrou o Estadão, o Prerrogativas tem ampliado sua influência no terceiro governo Lula, emplacando aliados em altos cargos do Executivo e Judiciário. Em dezembro, o grupo organizou um jantar em homenagem à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, para defendê-la dos ataques do bolsonarismo.