Ao autorizar mandado de busca e apreensão contra Marcelo Crivella, em setembro, a Justiça elencou provas apresentadas pelo MP que vinculavam o mandatário ao suposto esquema de pagamento de propina. Os celulares de Rafael Alves, apreendidos em março, foram peças-chave para associá-lo ao prefeito. Durante a operação, Crivella ligou para o empresário, mas quem atendeu foi o delegado que cumpria o mandado. Segundo a desembargadora que assina a decisão, o prefeito é quase um subordinado do empresário.
O telefone para o qual o prefeito ligou - sem saber que o aliado estava com os agentes - havia sido encontrado sob uma pilha de roupas. Rafael, que não tinha cargos na Prefeitura mas atuaria como gerenciador de propina em troca de contratos com empresas, tentara escondê-lo.
Apenas um dos quatro aparelhos foi entregue voluntariamente pelo investigado - os outros dois, além desse que recebeu a ligação de Crivella, estavam num carro de Shana Harouche, mulher de Rafael, no qual também foram encontrados R$ 50 mil, relógios e jóias. Indícios, segundo o MP, de que ele se preparava para uma eventual fuga.
"Da análise do conteúdo dos telefones celulares de Rafael Alves, apurou-se que o Prefeito Marcelo Crivella figura como um de seus mais frequentes interlocutores, tendo sido detectadas, no aparelho encontrado sob a pilha de roupas, 1.949 mensagens trocadas entre eles", apontou a desembargadora Rosa Helena Guita, do Tribunal de Justiça do Rio.
Muitas delas tinham linguagem cifrada, "deixando transparecer que seu conteúdo não poderia ser tratado por meios de comunicação convencionais". As conversas mostravam ainda que vários encontros eram marcados entre Rafael e Crivella, seja na Prefeitura ou na casa do mandatário - os dois moram no mesmo condomínio, na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade.
Por ter sido o principal articulador econômico para a campanha de Crivella em 2016, Rafael Alves - que conseguiu para o irmão, Marcelo Alves, a vaga de presidente da Riotur - exercia influência constante sobre o comandante carioca. Segundo o MP e a Justiça, o prefeito acatava ordens do empresário como se fosse um subordinado: desfazia atos administrativos a pedido dele, por exemplo. "A subserviência do prefeito a Rafael Alves é assustadora", afirma a magistrada.
Rafael, de acordo com as investigações, trabalhava de uma sala na Prefeitura que ficou conhecida como "QG da Propina". Ele nunca foi nomeado pelo Executivo carioca, mas sua função seria a de coordenar o suposto esquema de recebimento de pagamentos ilegais para viabilizar contratos de empresas com o município.
Seu poder era tanto que, segundo as investigações, empresas indicadas por ele tinham prioridade para receber pagamentos, mesmo que não estivessem dentro dos critérios prioritários do município - por causa da crise financeira que vive, o Rio não consegue quitar em dia todos os fornecedores. Há registros de mensagens do empresário em que ele determina os pagamentos como se fizesse parte do governo.
Por essa influência e pelo que sabe sobre Crivella, Rafael Alves é tido como um "homem-bomba". A expressão foi usada pelo marqueteiro Marcelo Faulhaber em conversa com ele. Para a Justiça, essa alcunha é uma "expressa alusão aos seus conhecimentos sobre o funcionamento de toda engrenagem criminosa que envolve o Prefeito e os demais membros da organização".
Rafael, por sua vez, fala a Faulhaber que Marcelo Alves jamais seria demitido da presidência da Riotur, por causa de "tudo que sei dele e da família dele" - em referência a Crivella. A todo momento, Rafael e Faulhaber dão a entender que têm conhecimento de casos ilegais relacionados ao prefeito e sua família. O marqueteiro, inclusive, rompeu com Crivella e enviou a Rafael uma captura de tela da conversa que teve com o mandatário. Nela, diz que "esse é um governo que rouba, que o prefeito sabe que rouba, e que mesmo assim não faz nada".
Faulhaber afirma ainda que tem registros de tudo o que aconteceu na campanha de 2016 envolvendo o tesoureiro Mauro Macedo, sobrinho do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus - Crivella é bispo licenciado da agremiação. Atualmente, o marqueteiro trabalha para o principal adversário do prefeito na sua tentativa de reeleição, Eduardo Paes.
Saiba quem são os alvos da operação que prendeu o prefeito do Rio, Marcelo Crivella
Mauro Macedo, sobrinho de Edir Macedo
Ex-tesoureiro de Crivella em campanhas passadas, Mauro Macedo já teve o nome vinculado a outras denúncias em esquemas de doações não declaradas. Durante o período que Crivella foi senador, o ex-tesoureiro ocupou cargos políticos em Brasília, dentro e fora do gabinete do então senador.
Macedo é sobrinho do líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo.
Eduardo Lopes, ex-senador não foi encontrado
Eduardo Lopes tem 56 anos e foi senador em três oportunidades, todas elas em substituição a Marcelo Crivella. Lopes ocupou uma das cadeiras do Rio de Janeiro no Senado entre 2012 e 1014, em 2016 - por cerca de quatro meses -, e entre 2017 e 2018, após a eleição de Crivella para o Rio. Nas eleições de 2018, Lopes tentou conquistar um mandato próprio como Senador, mas foi apenas o 6º candidato mais votado no Rio, com pouco mais de 3,5% dos votos.
Lopes é o único que ainda não foi encontrado durante a operação e é considerado foragido. Informações da polícia do Rio dão conta que o ex-senador vive hoje em Belém.
Fernando Moraes, delegado aposentado
Delegado aposentado, tendo sido o responsável pela delegacia Anti-Sequestro por anos, Fernando Moraes também foi preso na operação.
Moraes teve uma curta carreira política e foi filiado ao antigo PR (atual Republicanos) e ao MDB, chegando a ser vereador do Rio.
Fora dos cargos eletivos, o ex-delegado continuou atuando na administração pública. Moraes foi presidente do Departamento Estadual de Transportes Rodoviários na gestão de Luiz Fernando Pezão, e foi indicado como conselheiro-diretor da Agência Reguladora do Transporte Público (Agetransp)./ COLABOROU RENATO VASCONCELOS
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