Cúpula do Congresso quer limitar direito de partidos pequenos apelarem ao Supremo Tribunal Federal

Vice-presidente da Câmara fala em “trava” para ações de inconstitucionalidade de partidos minoritários; Pacheco estuda emenda constitucional

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Foto do author André Shalders

BRASÍLIA – Congressistas que comandam a Câmara e o Senado querem aprovar regras para limitar a atuação de partidos pequenos no Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia é criar uma espécie de “trava” para impedir ou dificultar que partidos com poucos representantes no Legislativo recorreram ao STF para invalidar atos do Congresso.

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Se concretizado, o movimento será mais um passo na concentração de poder nos poucos congressistas que controlam as mesas diretoras da Câmara e do Senado, como vem mostrando o Estadão numa série de reportagens. Outros sinais dessa tendência são a substituição das comissões permanentes por grupos de trabalho, o uso de requerimentos de urgência e a adoção de sessões híbridas (online e presencial) para facilitar as votações de interesse da direção da Casa.

As medidas em estudo buscam limitar quais partidos poderão apresentar ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) ou arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs). Ambas são apresentadas ao Supremo para que a Corte diga se determinada lei ou ato do Poder Público está de acordo com a Constituição. Se não estiver, o STF pode cassar a lei ou ato em questão. Pelas propostas, só partidos com um número mínimo de deputados ou senadores poderão ajuizar as ações. Hoje, qualquer sigla pode fazê-lo.

Em dezembro do ano passado, uma série de ADPFs apresentadas por partidos pequenos resultou na proibição do orçamento secreto por parte do STF. As ações foram apresentadas por PV, PSOL, PSB e Cidadania. Revelado pelo Estadão, o orçamento secreto consistiu na distribuição de verbas e equipamentos a municípios a partir da indicação de parlamentares, sem transparência ou equidade e seguindo critérios exclusivamente políticos.

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A iniciativa da Câmara é a que está em estágio mais avançado. Ao Estadão, o vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP), disse que trabalhará para inserir a “trava” usando um projeto de lei de sua autoria. O projeto (PL 3640/2023) está hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC), aguardando parecer do relator, Alex Manente (Cidadania-SP).

Pereira disse que proporá a Manente a inclusão do dispositivo no parecer dele. O projeto de Pereira muda o Código de Processo Civil – o deputado entende que não é necessária uma emenda constitucional para tratar do assunto.

O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP) Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Manente diz que vai avaliar a proposta. “Estou estudando o tema. Já estive até com o ministro Gilmar Mendes (do STF) falando um pouco disso (do projeto). O que estou me dedicando neste momento é em deixar bem claro quais são os requisitos dos autores da ADI, para deixar uma trava mais alta. Vou avaliar essa proposta também (a ser feita por Marcos Pereira)”, disse ele. “Na minha opinião, o que pode limitar (a apresentação de ADIs e ADPFs) são os partidos que superarem a cláusula de desempenho (eleitoral). Acho que isso fica mais juridicamente perfeito”, diz o relator. Se esta regra for adotada, 16 partidos ficariam impedidos de apresentar as ações junto ao Supremo, incluindo Solidariedade, Novo, PSC e Pros.

No Senado, a ideia ainda está em estágio inicial, mas pessoas próximas ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), confirmam que há a intenção de apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o tema. O assunto, no entanto, ainda não avançou.

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Nas últimas semanas, congressistas têm impulsionado propostas para diminuir os poderes do Supremo Tribunal Federal e conter o que consideram ser um excesso de interferências dos ministros na esfera de atuação do Legislativo. No pacote estão ideias como a criação de mandatos fixos para os ministros; prazo para pedidos de vista; e limites para o alcance de decisões individuais dos magistrados, entre outras.

Em meados deste mês, Pacheco discutiu a limitação dos poderes do STF com o ministro Gilmar Mendes em um evento em Paris, na França. “Sempre defendi as prerrogativas do Supremo. Isso não significa que estejamos inertes a modificações que possam ser úteis à credibilidade e ao aprimoramento de todos os poderes, inclusive do próprio Poder Judiciário”, disse Pacheco no debate promovido pela Esfera Brasil.

Eduardo Girão (Novo-CE) conversa com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).  Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), uma eventual medida limitaria um direito legítimo. “Há setores mais direitistas e conservadores do Congresso Nacional que veem, de maneira muito tacanha e retrógrada, o STF como um bunker esquerdista. Querem, na verdade, limitar o poder de interpretar a Constituição, que é próprio e exclusivo do Supremo”, diz ele.

Apesar da oposição de partidos minoritários, a ideia é vista com bons olhos por deputados de partidos maiores, de centro e de direita. “É um tema muito importante, que requer toda a cautela para que seja decidido. Agora, está em boas mãos. Tenho certeza de que o deputado Marcos Pereira vai saber conduzir com harmonia (o tema)”, diz o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE).

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Não é inconstitucional, mas pode ser inconveniente, diz jurista

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Rubens Beçak é doutor em direito constitucional e professor da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, uma PEC como a aventada por Rodrigo Pacheco não seria inconstitucional. “Se aquilo que estiver sendo proposto cumprir todo o rito do processo legislativo, se torna uma emenda constitucional. É perfeitamente plausível, do ponto de vista do processo legislativo e da constitucionalidade, que exista uma proposta para mudar os titulados a entrarem com as ações constitucionais”, diz ele.

Beçak, porém, não acredita na necessidade de uma mudança deste tipo. “Eu vejo com muita reserva. Acho que o Brasil tem um sistema de controle de constitucionalidade dos mais bonitos, dos mais amplos e dos mais eficientes do mundo. Então, como constitucionalista, vejo com muita reserva a alteração de um sistema que dá certo”, diz.

“Uma coisa é o Brasil de antes (da Constituição) de 1988, e a outra é o potencial que você tem (hoje) de atacar normas, leis, emendas, partes da Constituição que você entenda que não condizem com o todo dos princípios e dos direitos. É possível (a mudança proposta pelos congressistas), mas eu não acho desejável, porque o sistema funciona”, diz ele.

O Congresso visto a partir do Palácio do Planalto: Legislativo se tornou mais poderoso nos últimos anos Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Advogada especialista em direito constitucional, Vera Chemim lembra que a lista de autorizados a entrar com ADIs e ADPFs está na Constituição – no art. 103. Por isso, seria necessária uma PEC, diz ela. “Do ponto de vista prático eu acho que seria conveniente, seria útil. Porque, realmente, nós temos hoje um excesso de ADIs, de ADPFs, etc. Que estão sendo ajuizadas no STF por qualquer ato ou lei que o Legislativo aprove. Na sequência já vem a judicialização do tema por alguns partidos. Está se tornando uma regra, ao invés de uma exceção”, diz Chemim.

Por outro lado, diz a especialista, as ADIs e ADPFs muitas vezes visam proteger direitos de minorias de violações, além de serem uma forma legítima de atuação dos partidos políticos. Nos últimos meses, ADPFs julgadas pelo STF resultaram na inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra”, usada em casos de feminicídio; e do “marco temporal quilombola”, uma lei estadual da Bahia que buscava fixar um limite para a demarcação de áreas de quilombos naquele Estado. As ações foram apresentadas pelo PDT e pela procuradoria-geral da República (PGR), respectivamente.