Ex-segurança de Dilma, general coroado e padre: As ‘curiosidades’ na lista de indiciados por golpe

PF indiciou Bolsonaro e 36 aliados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa

PUBLICIDADE

Foto do author Rayanderson Guerra

RIO – Além de militares de alta patente, de aliados de Jair Bolsonaro (PL) e do próprio ex-presidente, a Polícia Federal (PF) indiciou um padre, um argentino, ex-seguranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-presidente Dilma Rousseff, além de um general tríplice coroado do Exército, um dos postos mais altos alcançados na carreira militar.

PUBLICIDADE

A PF indiciou Bolsonaro e 36 aliados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, o que significa que eles deixam a condição de investigados e passam a ser apontados como autores dos crimes com base nas provas colhidas no inquérito policial.

A lista inclui ex-ministros e auxiliares palacianos e dezenas de militares da ativa e da reserva do Exército.

Augusto Heleno, general tríplice coroado

O general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)  Foto: Wilton Junior/Estadão

General da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Bolsonaro, Augusto Heleno teria participado de reuniões e elaborado estratégias para desestabilizar o Estado Democrático de Direito.

Publicidade

“Documentos encontrados pela investigação na residência do general, identificaram que o mesmo integrou reuniões de ‘diretrizes estratégicas’ que visavam ‘estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações’”, diz o relatório final da PF.

Como mostrou o Estadão, Heleno foi um ídolo de gerações de militares, por sua postura e seu escasso comedimento em retrucar autoridades, mesmo que a autoridade seja o presidente da República, o que lhe custou o comando da Amazônia no segundo mandato de Lula. É um tríplice coroado (honraria concedida aos alunos aprovados em primeiro lugar nas três principais escolas militares de formação do Exército).

O general da reserva ainda não se manifestou sobre o indiciamento.

Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão expulso do Exército

Ailton Gonçalves Barros foi preso na Operação Venire, na sede da Polícia Federal Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão expulso do Exército, foi preso na investigação sobre fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro. A investigação apontou que ele trocou mensagens sobre o plano de golpe.

Publicidade

Em fevereiro deste ano, quando intimado para prestar depoimento, decidiu ficar em silêncio. A defesa dele não foi encontrada para comentar o caso e o espaço segue aberto.

Nascido em Alegrete (RS), Ailton foi para o Rio de Janeiro ainda na infância. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é militar reformado e detém de um patrimônio declarado de R$ 388 mil. Nas redes sociais, ele se intitula como Oficial da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e paraquedista militar e civil.

Foi candidato em 2006, quando disputou uma cadeira de deputado federal do Rio de Janeiro pelo PFL. Em 2020, ele concorreu a uma vaga de vereador na cidade fluminense pelo PRTB, mas também não foi eleito. Em 2022, quando foi candidato a deputado estadual pelo PL, não foi eleito novamente e acabou ficando como suplente. Na eleição passada, ele se apresentava como o “01 de Bolsonaro”.

Hélio Ferreira Lima, ex-segurança de Dilma Rousseff

O tenente-coronel Hélio Ferreira Lima foi segurança pessoal da ex-presidente Dilma Rousseff durante o mandato da petista na Presidência da República. Ele era ligado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Publicidade

PUBLICIDADE

Ferreira Lima tem formação em Forças Especiais, os chamados “kids pretos”. Segundo a PF, o militar é integrante de dois núcleos da organização criminosa: desinformação e ataques ao sistema eleitoral e núcleo operacional de apoio às ações golpistas.

Segundo as investigações, o núcleo operacional “se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas, as quais envolviam, inclusive, o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes”, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dados obtidos pela Polícia Federal nos aparelhos celulares do militar, apreendidos em fevereiro deste ano na Operação Tempus Veritatis, indicam que ele teria monitorado o Moraes, entre os dias 21 e 23 de novembro de 2023, após participar de uma reunião cerca de dez dias antes, no dia 12 de novembro de 2022, menos de dois meses até a posse de Lula, na casa do ex-ministro Walter Braga Netto, general da reserva do Exército, em Brasília.

Na reunião teriam sido definidas as necessidades iniciais de logística e orçamento de gastos para as ações clandestinas com o emprego de militares com formação em forças especiais na tentativa de golpe de Estado.

Publicidade

Fernando Cerimedo, empresário argentino

O empresário Fernando Cerimedo em transmissão pelas redes sociais, em 2022, após derrota de Jair Bolsonaro no Brasil. Live tinha informações falsas sobre urnas eletrônicas para tentar apontar fraude em derrota do aliado Foto: La Derecha Diario via YouTube

Dos 37 indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, um é estrangeiro. O argentino Fernando Cerimedo protagonizou transmissões ao vivo, em 2022, com informações falsas sobre o sistema eletrônico de votação do Brasil. As “lives” serviram, segundo a investigação, para criar um ambiente propício para o golpe que impediria a ascensão do presidente Lula.

O argentino é um amigo de longa data do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que foi recebido por ele em Buenos Aires poucas semanas antes da votação em segundo turno e da principal “live” que rendeu a Cerimedo o indiciamento por integrar o “Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral” do esquema golpista.

Fernando Cerimedo declarou que “há muitas provas” de que ele não esteve no Planalto “nem antes nem durante o 8 de Janeiro” e afirmou que será necessário um grande esforço para acusá-lo. Cerimedo também prometeu recorrer a tribunais internacionais caso venha a ser condenado.

O empresário argentino se tornou conhecido dos brasileiros em novembro do ano passado por causa da transmissão ao vivo em que anunciou a existência de um dossiê apócrifo com supostas fraudes nas urnas eletrônicas. O material tinha alegações falsas que foram explicadas e desmentidas pela imprensa e pelo TSE.

Publicidade

Cerimedo se tornou influente entre a extrema direita sul-americana. Ele diz ter trabalhado na primeira campanha presidencial de Bolsonaro, em 2018, e também com a candidatura de José Antonio Kast, na eleição de 2021 no Chile.

Wladimir Matos Soares, ex-segurança de Lula

Agente da Polícia Federal, Wladimir Matos Soares atuou na segurança do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, no período de transição, e forneceu informações sobre o esquema de segurança para Sérgio Rocha, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro.

No fim de 2022, o agente foi escalado para trabalhar na segurança fixa na posse presidencial. Ele atuaria como um dos coordenadores da segurança fixa dos hotéis em que o petista ficaria hospedado após se eleger.

Em 2018, Wladimir integrou a equipe de segurança de Bolsonaro durante o período eleitoral. O grupo era chefiado pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), também indiciado no inquérito do golpe.

Publicidade

Apontado como um “infiltrado” de golpistas no corpo de segurança de Lula, Matos Soares afirmou aos investigadores das Operações Tempus Veritatis e Contragolpe que foi “convidado” por um colega da corporação para fazer também a segurança do Palácio do Planalto e do então presidente Jair Bolsonaro caso ele “não entregasse a faixa presidencial”.

Wladimir foi preso no último dia 19 na Operação Contragolpe – investigação sobre plano de golpe de Estado que previa o assassinato de Lula, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

No relatório final do inquérito, documento com 884 páginas, a PF diz que Wladimir “atuou como elemento auxiliar do núcleo vinculado à tentativa de golpe de Estado”.

José Eduardo de Oliveira, padre de Osasco

Padre José Eduardo de Oliveira e Silva, sacerdote da Diocese de Osasco, alvo da operação da Polícia Federal Foto: Reprodução/@pejoseduardo/Instagram

Além de militares de alta patente, de aliados de Jair Bolsonaro (PL) e do próprio ex-presidente, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva também foi um dos 37 indiciados pela Polícia Federal no dia 21. Todos são suspeitos de tramar um golpe de Estado para manter o ex-chefe do Executivo federal no poder após perder as eleições de 2022.

Publicidade

O sacerdote, que atua na diocese de Osasco, na Grande São Paulo, tem 43 anos e fez doutorado em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma, na Itália, em 2012. Como tese, apresentou uma proposta a partir da doutrina de São Tomás sobre “o papel global da virtude da religião”. Silva tornou-se oficialmente padre na Igreja Católica há 18 anos, em 2006.

Silva possui perfis nas redes sociais que acumulam milhares de seguidores. Em seu canal no YouTube, ele já publicou mais de 2,7 mil vídeos e possui 137 mil seguidores. No Instagram desde 2013, o padre reuniu 427 mil seguidores, onde atua como um típico criador de conteúdo – alguns deles, polêmicos.

O padre foi alvo da Operação Tempus Veritatis da PF em fevereiro deste ano, apontado por Alexandre de Moraes como integrante do núcleo jurídico no planejamento do golpe. Segundo a decisão do ministro na época, Silva atuaria “no assessoramento e na elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado”.

A apuração da PF apontou que ele participou de uma reunião em 19 de novembro de 2022 no Palácio do Planalto, ocasião em que a minuta golpista teria sido discutida. Na operação em fevereiro, Silva foi alvo de busca e apreensão e entregou seu celular às autoridades. Entretanto, o padre não passou as senhas, alegando que o aparelho continha os “dramas mais profundos” de fiéis e que seu “sigilo sacerdotal não pode ser violado”.

Publicidade

Veja a nota divulgada pelo advogado Miguel Vidigal, que faz defesa do padre após o indiciamento

“Menos de 7 dias depois de dar depoimento à Polícia Federal, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva viu seu nome estampado pela mesma PF como um dos indiciados no inquérito da Pet 12.100. Os investigadores que apresentaram o relatório não se furtaram em romper a lei e tratado internacional ao vasculhar conversas e direções espirituais que possuem garantia de sigilo e foram realizadas pelo padre.

Consta que o Ministro Alexandre de Moraes decretou sigilo no referido processo, o que significa que não cabia à Polícia Federal, sem autorização nos autos, do mesmo juiz, fazer declarações ou emitir notas com nomes de indiciados. Houve um descumprimento de ordem judicial.

Como se repete sempre, ordem judicial se cumpre. Portanto, sequer caberia à Polícia Federal sugerir que havia qualquer tipo de autorização direta do Ministro, pois ordem judicial só pode ser modificada por outra ordem judicial, com decisão em regular processo, e não por mera comunicação verbal ou escrita.

O referido descumprimento da ordem judicial é um dos vários abusos cometidos ao longo da investigação.

O padre José Eduardo reitera que jamais participou e nem tem condições técnico-jurídicas de participar de qualquer reunião que visasse o rompimento da Ordem Institucional e do Estado de Direito. Como religioso, vai a Brasília desde o ano de 2013 e sempre atendeu todos aqueles que o procuraram para atendimentos de cunho religioso. Foi exclusivamente neste contexto que se deram as visitas dele a Brasília ao final do ano de 2021 em todas as demais vezes que se dirigiu à Capital do país.”

Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.