Desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comparou os atos do 7 de Setembro a uma “reunião” do grupo supremacista branco Ku Klux Klan, o termo “Cuscuz Clan” - que ironiza a pronúncia do petista - se popularizou entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). De ironia, passou a ser usado inclusive para convocar aliados a eventos. Nas redes, a “apropriação” do termo gerou polêmica. Usuários questionam a legalidade e repudiam o trocadilho.
Em nota, diretor do Instituto Brasil-Israel, Daniel Douek, afirmou que o uso do termo preocupa. “Zombar da Ku Klux Klan é parte da estratégia de negar a própria existência de ideologias supremacistas e representa um perigo para a democracia.”
“É preciso entender que não se trata apenas de uma postagem provocativa. Seu teor preocupa e a simples negação ou o ato de minimizar o que foi o Ku Klux Klan, sabemos, pode servir como porta de entrada para comportamentos e ações semelhantes antidemocráticas, racistas e antissemitas”, completou Douek.
No dia seguinte ao 7 de Setembro, em comício em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o petista, ao fazer a comparação, declarou que “só faltou o capuz”, referindo-se aos políticos e pessoas em geral que acompanharam os atos. “Não tinha negro, pardo, pobre, trabalhador...”, afirmou. Mais tarde, diante da repercussão negativa, Lula repetiu a comparação, mas a “calibrou”, alegando que se referia apenas aos palanques em que Bolsonaro esteve em Brasília e no Rio de Janeiro. “O palanque aqui de Copacabana, pela fotografia que eu vi, e eu vi só na televisão, era a supremacia branca no palanque. Eu até comparei que parecia um pouco a Ku Klux Klan, só faltou o capucho, a máscara, porque era isso o palanque. É um palanque de elite.”
A “KKK” é uma organização racista dos Estados Unidos que prega a supremacia branca e tem, em seu histórico, inúmeros atos violentos praticados contra negros.
A fala de Lula foi criticada por seus adversários. Ciro Gomes (PDT) classificou-a como “grave”. Jair Bolsonaro (PL) disse que “associar as milhões de famílias que foram pacificamente às ruas manifestar seu amor pelo Brasil no dia de nossa Independência a um grupo terrorista, racista e antissemita, como a Ku Klux Klan, é de longe a maior e mais covarde ofensa ao povo brasileiro que já vi em minha vida”.
A campanha de Bolsonaro apresentou uma ação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por difamação contra Lula. Mas, conforme mostrou a Coluna do Estadão, não há pressa para remoção de vídeo solicitada, querem deixar Lula “sangrar” com o assunto.
Via Twitter, Bolsonaro incorporou e disseminou o trocadilho. “Parece que o ex-presidiário se sentiu excluído após esse vídeo. Em resposta, chamou o povo de ‘cuscuz clã’, talvez porque assistiu a milhões de brasileiros vestindo amarelo” escreveu o presidente. A postagem tem quase 18 mil compartilhamentos.
Somados, Instagram e Facebook ultrapassaram 82 mil interações - soma de comentários, compartilhamentos e curtidas. Os picos de menções aconteceram nos dias 11 e 15 de setembro.
O trocadilho, então, começou a ser adotado pela base bolsonarista. Até mesmo candidatos à Câmara, como Dra. Mayra (PL-CE) e Tenente Mosart (PL-SP), postaram sátiras utilizando o termo. Em geral, as publicações mostram algum vídeo de ato pró-Bolsonaro e identifica o grupo como “cuscuz clan”.
Entre os perfis bolsonaristas, uma imagem começou a ser amplamente utilizada. É uma montagem que mostra um cuscuz - alimento originário do Norte da África, bastante popular no Nordeste - com uma máscara da Ku Klux Klan. O vídeo de Dr. Mayara, no qual a montagem aparece, por exemplo, reúne mais de 4 mil curtidas e 800 compartilhamentos.
O termo e as montagens também aparecem nos perfis de influenciadores pró-Bolsonaro, que tem expressividade nas redes. Entre eles, Leando Ruschel e Rodrigo Constantino.
Com o trocadilho, frases de “guerra” da base bolsonarista também ganharam adaptações. “Nossa cuscuz jamais será vermelho (sic)”, escreveu um perfil anônimo, em postagem com mais de 1,1 mil compartilhamentos.
O termo também é utilizado para convocar atos. Recentemente, um cartaz chamou atenção e gerou polêmica nas redes. Com os dizeres “cuscuz clan” no topo, convidava para agenda do presidenciável na última quarta-feira, 14, no Rio Grande do Norte.
A arte gráfica utilizava a identidade visual do deputado federal e candidato à reeleição General Girão Monteiro (PL-CE). O Estadão, porém, não encontrou a postagem do cartaz nas redes sociais dele. A reportagem tentou contato com Monteiro, por email, mas não obteve retorno.
O cartaz viralizou - aparece em uma postagem com mais de 3 mil compartilhamentos e 41 mil curtidas - e gerou revolta entre usuários. Alguns questionam a legalidade do uso do termo e marcam os perfis oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas redes. Outros demonstram repúdio enfatizando que o trocadilho faz referência a um grupo alegadamente racista.
“Isso aqui pra mim é bizarro, não dá para acreditar que ainda existe gente que apoia”, escreveu um internauta. “Não entra na minha cabeça que isso daqui não é crime. Isso tem que ser um crime”, declarou outra.
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