Da revelação do ‘Estadão’ à queda no STF: veja os principais momentos do orçamento secreto

Por 6 votos a 5, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto nesta segunda-feira, 19

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Por Redação
Atualização:

Em maio de 2021, o Estadão publicou uma série de reportagens que revelaram como o governo do atual presidente Jair Bolsonaro usava as chamadas emendas de relator-geral (RP9) para conquistar o apoio de políticos do Centrão no Congresso Nacional. O caso, denominado de orçamento secreto pelo jornal, mostrou um mecanismo em que deputados e senadores passaram a decidir a destinação de bilhões de reais, tudo a portas fechadas e longe dos órgãos de controle.

A emenda de relator-geral (RP9) foi criada em 2019 pelo então relator do Orçamento de 2020, o deputado Domingos Neto (PSD-CE). Esse novo dispositivo tinha uma característica diferente das outras formas de repasse de verba: era distribuída conforme a conveniência política do governo, que determina quanto cada parlamentar terá direito. A indicação do destino do dinheiro é feita pelos congressistas de modo informal e registrada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Às vezes esta destinação é registrada em ofícios, mas às vezes os acordos são verbais.

De forma reservada toda a negociação para direcionar o dinheiro foi feita dentro do Palácio do Planalto, no âmbito da Secretaria de Governo (Segov) Foto: Wilton Junior/Estadão

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Vale ressaltar que os demais tipos de emendas - as emendas individuais, a que todos os deputados e senadores têm direito; as emendas de bancadas (RP 7) e as emendas de comissões - são distribuídas de forma igual entre todos os parlamentares. Sua aplicação pode ser acompanhada por meio de fontes públicas como a ferramenta Siga Brasil, desenvolvida pelo Senado Federal.

O termo “secreto” surgiu pelo fato de que a destinação das verbas é feita de forma sigilosa, a partir de acordos políticos. Ao contrário das emendas individuais, não é possível saber quem indicou o quê. De forma reservada toda a negociação para direcionar o dinheiro é feita dentro do Palácio do Planalto, no âmbito da Secretaria de Governo (Segov). Em alguns casos, os políticos encaminharam ofícios, que não são públicos, ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), dizendo como o dinheiro deveria ser gasto. Toda a destinação foi feita fora do alcance do público e dos órgãos de controle como o Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas da União (TCU), e a Controladoria-Geral da União (CGU).

Dentro do orçamento secreto, foi descoberto o que passou a ser chamado de “tratoraço”: um esquema de compra dos tratores superfaturada. As reportagens do Estadão mostraram que os políticos beneficiados pelo esquema direcionaram boa parte do dinheiro para compra de tratores e outras máquinas agrícolas a preços inflados. Havia indícios de sobrepreço na compra das máquinas, pois os valores eram, em vários casos, muito superiores ao indicado pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) em tabela de referência de preços. Apesar da discrepância, o governo federal concordou com as compras e repassou o dinheiro aos municípios, que seriam responsáveis por fazer as aquisições na maioria das vezes.

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Os parlamentares não indicavam o preço dos tratores, mas vários dos deputados e senadores incluíram nos ofícios em que direcionam verbas o valor do quanto deveria ser pago pelas máquinas que pediram para comprar. Trator que deveria custar R$ 100 mil, seguindo a tabela do ministério, foi autorizado a compra com sobrepreço de 259%.

O orçamento secreto também foi utilizado para bancar obra de pavimentação sob suspeita. Metade do orçamento secreto de R$ 3 bilhões foi direcionada para pavimentação asfáltica. Documentos a que o Estadão teve acesso indicam que o recurso do mecanismo foi direcionado para contratos de asfaltamento cujas licitações foram consideradas irregulares pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU). Os indícios foram identificados durante pente-fino da Corte em pregões da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) entre novembro e dezembro de 2020.

Orçamento secreto no STF

2021

O orçamento secreto começou a ser discutido pelo STF em junho de 2021, quando o PSOL apresentou a ação em que cobrava que as emendas de relator fossem declaradas inconstitucionais por ferir preceitos fundamentais, como a isonomia entre os parlamentares.

A primeira decisão liminar sobre o tema foi dada pela ministra Rosa Weber, após quase cinco meses de tramitação do processo no STF. Weber determinou ainda que fossem identificados os nomes dos parlamentares que fizeram as indicações dos recursos do orçamento. Na ocasião, ela afirmou que o orçamento secreto “causa perplexidade” ao se constatar que uma parcela de parlamentares ligados às cúpulas da Câmara e do Senado têm acesso a recursos bilionários do Executivo, sem a adoção de critérios técnicos e de forma “obscura”.

A primeira decisão liminar sobre o tema foi feita pela ministra Rosa Weber, após quase cinco meses de tramitação do processo no STF. Foto: Wilton Junior/Estadão

Naquele mesmo início de novembro, outros ministros se somaram ao despacho de Rosa e, por oito votos a dois, a maioria do STF decidiu manter a suspensão do orçamento secreto e dar ampla publicidade às indicações feitas pelos parlamentares por meio do esquema.

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Essa decisão, entretanto, durou pouco. Logo em dezembro, Rosa recuou da própria decisão em meio às pressões de Lira e Pacheco para manter o esquema de pé. A ministra concedeu uma nova liminar com a ordem de que fosse liberado o pagamento das verbas indicadas no orçamento secreto de 2021, sob a condição de que fosse mantida a transparência dos nomes dos parlamentares responsáveis pela destinação dos recursos. Novamente pelo resultado de oito votos a dois, a Corte decidiu restabelecer a execução do orçamento secreto, desde que de forma transparente e com controle público.

2022

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Em março desde ano, Rosa Weber negou o pedido do Congresso para que o STF ampliasse o prazo de publicização dos repasses feitos por meio do orçamento secreto. A então vice-presidente do STF afirmou não ter visto razões ‘legítimas e motivos razoáveis’ para prorrogar o prazo para que o Congresso torne pública toda a documentação que embasou as demandas e a distribuição das verbas

Congresso, então, começa a encaminhar ao STF no mês seguinte as primeiras informações sobre os parlamentares beneficiados pela indicação de verbas no esquema do orçamento secreto. Em visita à PGR em abril, Rosa Weber reconhece que o Legislativo apresentou as informações solicitadas e deu cinco dias para a AGU e a PGR se manifestar.

Em setembro de 2022, ao assumir a presidência da Corte, Weber decidiu manter consigo a relatoria deste processo. A presidente do STF esperou que fosse definido o cenário eleitoral e os novos acordos políticos começassem a ser traçados para, só então, retomar as discussões sobre o orçamento secreto.

No dia 1º de dezembro, pela primeira vez a julgamento no plenário físico do tribunal, Rosa leva o caso do orçamento secreto que já se apropriou de R$ 53 bi desde 2020.

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Nesta segunda-feira, 19, por 6 votos a 5, o plenário do STF declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Os ministros Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Carmén Lúcia e Luiz Fux acompanharam o voto da relatora, Rosa Weber, declarando ‘incompatíveis com a ordem constitucional brasileira’ as práticas que viabilizam o mecanismo de negociação de votos por meio da distribuição sigilosa de recursos do governo federal a um grupo restrito de parlamentares.

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