BRASÍLIA – Com 40 anos no Congresso, o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) causou surpresa numa colega quando comentou que havia sido “constituinte”. A jovem parlamentar quis saber: “Constituinte?”. Entre encabulado e envaidecido por ter participado da elaboração da Constituição de 1988, que Ulysses Guimarães chamava de “cidadã”, Aécio pediu à sua assessoria que fizesse um levantamento de quantos constituintes ainda restavam no Legislativo. “Parece que são só quatro”, disse ele ao Estadão.
A colega do deputado certamente não perguntou por desconhecer a história recente do País, mas sim porque Aécio, dono de uma trajetória de prestígio na Câmara e no Senado, tinha caído justamente por denúncias de corrupção apontadas pela Lava Jato. Ele era senador e presidente do PSDB quando, em 2017, também foi acusado no caso JBS. De acordo com o Ministério Público Federal, Aécio pediu propina de R$ 2 milhões a Joesley Batista, um dos donos da JBS, que fez delação premiada. Em julho, porém, o Tribunal Regional da 3.ª Região (TRF-3) o livrou dos processos.
A absolvição por unanimidade no julgamento foi uma espécie de redenção para Aécio, que há seis anos passava o tempo recluso em seu gabinete e agora já é citado até mesmo como futuro líder da bancada do PSDB na Câmara. Com apoio de alguns amigos tucanos, como o ex-chanceler Aloysio Nunes e o deputado Paulo Abi-Ackel (MG), ele retomou as atividades políticas e se impôs uma meta: que o PSDB volte a ser um partido de oposição consistente e qualificada ao governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Há nove dias, os tucanos prepararam uma grande festa para “relançar” o PSDB, que praticamente virou nanico por divergências internas. A crise se intensificou após Aécio ser derrotado pela então presidente Dilma Rousseff, na disputa de 2014, por uma margem estreita de votos.
Debandada
No ano passado, o PSDB enfrentou a pior eleição de sua história. Perdeu o governo de São Paulo, que comandava há 28 anos, e viu sua bancada federal diminuir ainda mais. Agora, a pouco mais de um ano das eleições municipais, a debandada de prefeitos e figuras históricas, como Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República e filiado ao PSB, só tem aumentado.
“Mesmo menorzinho, nós temos que registrar a importância do PSDB (...) Existe vida inteligente fora dos extremos”, afirmou Aécio, que teve mais de 51 milhões de votos em 2014 e apenas 85.341 no ano passado.
No último dia 24, o neto de Tancredo Neves – primeiro presidente civil após a ditadura militar, morto antes da posse – foi ovacionado no ato do PSDB. Ao lado do governador do Rio Grande do Sul e presidente do partido, Eduardo Leite, Aécio se tornou a estrela da festa onde o tucano – símbolo do PSDB – ressurgiu com pompa e circunstância, agora estilizado. “Antes quiseram mudar o nome do partido e até o tucano queriam trocar por outro mascote”, contou o deputado.
Ideias
Ali foi lançado o documento “DNA Tucano – Carta Síntese”, um compilado de propostas genéricas para reposicionar o partido. O texto é amparado em três visões: sociedade, economia e governo. Prega, por exemplo, a “transformação estrutural” na gestão da máquina pública e diz que o Estado deve promover “programa de desestatização”, além de diminuir o número de servidores.
Governador de Minas de 2003 a 2010, Aécio desconversa sobre suas pretensões eleitorais, embora seu grupo já articule a candidatura à sucessão de Romeu Zema, daqui a três anos. O deputado pretende viajar pelo País com Leite para que o governador seja conhecido nacionalmente antes de ser lançado à Presidência, em 2026.
Apesar de propor uma oposição mais dura ao governo Lula, Aécio afirma que o ‘nós contra eles’ é “obra genuína” do PT. “Sou da escola tancrediana que diz que quem deve brigar na vida são as ideias, e não as pessoas”, filosofa.
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