BRASÍLIA - A decisão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomará em relação a atos do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, revelados pelo Estadão, vai impactar nas avaliações internacionais do País sobre combate à corrupção. O diretor-executivo da Transparência Internacional, no Brasil, Bruno Brandão, classifica como “muito grave” a série de acusações sobre uso indevido de verbas públicas envolvendo Juscelino Filho. Até o momento, o governo Lula não se pronunciou sobre o caso.
Como mostrou o Estadão, o deputado federal licenciado já mandou emendas para asfaltar uma estrada que corta a própria fazenda em Vitorino Freire (MA), enviou informações falsas à Justiça Eleitoral para comprovar voos não realizados durante a campanha, usou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e diárias para participar de leilões de cavalos de raça em São Paulo e ocultou patrimônio de R$ 2,2 milhões em equinos, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na avaliação de Bruno Brandão, os atos são “absolutamente incondizentes com o padrão de conduta esperado de uma autoridade do mais alto nível”. O diretor-executivo aponta que o acúmulo de casos envolvendo o ministro indica que trata-se de “um padrão de conduta recorrente” e que ”não é um caso isolado”.
“Em qualquer país, isso seria motivo de grande indignação e de respostas”, afirmou. “O que se espera de um governo comprometido com padrão ético é a suspensão imediata dessa autoridade até que os fatos possam ser devidamente esclarecidos.”
O diretor-executivo explica que o Brasil será observado por organismos internacionais e a decisão de Lula sobre a continuidade ou não de seu ministro das Comunicações poderá impactar direta ou indiretamente as análises. O foco das avaliações será a implementação de medidas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, de políticas de integridade pública e análise da capacidade do País em responsabilizar atos de corrupção.
Bruno Brandão é economista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em Gestão Pública pela Universidade de York e em Relações Internacionais pelo Instituto Barcelona de Estudos Internacionais. Trabalha na Transparência internacional desde 2010, com passagens por Alemanha e México. Desde 2016, atua no Brasil.
Como o senhor avalia os atos do ministro das Comunicações, Juscelino Filho?
É uma situação muito grave, todas as evidências reveladas pelo Estadão apontam para atividades ilícitas graves e que são absolutamente incondizentes com o padrão de conduta esperado de uma autoridade do mais alto nível. Em qualquer país, isso seria motivo de grande indignação e de respostas. O que se espera de um governo comprometido com padrão ético é a suspensão imediata dessa autoridade até que os fatos possam ser devidamente esclarecidos.
A postura do governo teria que ser outra?
Desde a 1ª revelação que já era bastante grave, de um uso espúrio de recurso público em uma das localidades de mais vulnerabilidade social, de pobreza. Recurso público destinado para benefício privado, reforçando o quadro geral de desigualdade no País. Isso no âmbito do que nós consideramos o maior esquema de corrupção institucionalizada que se tem registro na história recente brasileira, que é o orçamento secreto. Esse ministro foi um dos beneficiários e um dos casos mais explícitos de uso espúrio desse recurso público. Já nesse 1º episódio seria mais do que suficiente para uma resposta do governo e do partido do ministro, o União Brasil, de um afastamento e uma apuração dessas alegações. Depois, a situação se agrava com novos indícios de que isso é um padrão de conduta recorrente desse ministro. Não é um caso isolado ali.
As revelações sobre o ministro afetam a imagem do Brasil no exterior?
É muito ruim em alguns aspectos. Isso seria ruim em qualquer democracia onde existe um cuidado com a coisa pública, um padrão de ética pública. Seria uma mácula em qualquer governo e, nessas circunstâncias específicas, de um novo governo, que vem com uma situação de questionamentos prévios com respeito a condutas éticas e com uma promessa de um padrão mais rigoroso, mais elevado de ética pública. Outro aspecto é que as pautas que o Brasil vem se colocando protagonista e quer recuperar um espaço de liderança em agendas globais, como a questão ambiental, ela é vinculada à questão da integridade pública. A pauta do desmatamento, tudo isso é ligado à criminalidade, à corrupção. É um governo que deve mostrar, não só um empenho com melhoria de políticas públicas ambientais, mas também um controle da corrupção e da criminalidade que afeta diretamente essa agenda. Essa é uma pauta internacional de grande interesse e os países estão olhando como o Brasil vai se comportar também. Fora o contexto dos organismos multilaterais que o Brasil é signatário, de combate à corrupção, e os tratados internacionais. Esse ano, o Brasil passa por 3 avaliações muito relevantes.
Quais são?
A avaliação da Uncac (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção), que já está ocorrendo, a do Working Group on Bribery, da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], e a do Gafi [Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo]. São três avaliações de alto nível que o Brasil passa neste ano. Este tipo de conduta pode afetar nesses processos de avaliação.
São avaliações sobre corrupção e integridade pública?
Exato, e a capacidade de o país responsabilizar por atos de corrupção. Existem focos distintos. A Uncac tem um foco mais abrangente e esse caso pode afetar diretamente. Na avaliação da OCDE, é mais sobre o suborno transnacional, é um foco diferente. Não afeta diretamente, mas mostra uma fragilidade institucional que atinge a percepção dos avaliadores. O Gafi trata de fluxos financeiros ilícitos (lavagem de dinheiro). Isso pode estar ou não estar avaliado a esse caso (do ministro Juscelino).
O que a Transparência Internacional espera deste caso?
Uma manifestação pública do líder de governo, o presidente da República, e do líder do partido (União Brasil) sobre essa questão, uma explicação, uma resposta, um afastamento dessa autoridade. E também acompanhar a resposta dos órgãos competentes sobre isso.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.