Decisão do STF sobre emendas: 80% de cidades que mais recebem verbas têm zero transparência no gasto

Das 20% restantes, nenhuma tem informações detalhadas, atualizadas e completas sobre o recebimento e o uso das emendas; procuradas, 29 prefeituras não se manifestaram e apenas a cidade de Bela Vista respondeu dizendo que seu portal deveria conter as informações e que irá cobrar do prestador do serviço

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Foto do author André Shalders

BRASÍLIA - Das 30 prefeituras que devem ser auditadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) a pedido do ministro Flávio Dino (STF), só seis (20% do total) dão alguma transparência às emendas parlamentares recebidas. As outras 80% sequer mencionam o termo “emenda” em seus portais da transparência ou, quando o fazem, deixam o campo vazio, sem qualquer informação. A presença de mecanismos de “rastreabilidade, comparabilidade e publicidade” das emendas é um dos quesitos pedidos por Dino à CGU.

O ministro Flávio Dino (STF) e o senador Davi Alcolumbre na CCJ do Senado Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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A auditoria foi pedida por Dino em decisão do dia 1º de agosto deste ano, após audiência entre Executivo, Congresso, Ministério Público e representantes da sociedade civil. Dino determinou à CGU que encontrasse as dez cidades que mais receberam emendas, de todos os tipos, por número de habitante, de 2020 a 2023. Cruzando dados do Censo de 2022 e do Siafi, o Estadão chegou à lista de 30 cidades que lideraram o ranking de emendas per capita nestes anos. O número não chega a 40 porque várias delas se repetem, ano após ano. Procuradas, apenas a cidade de Alto Bela Vista (SC), alegando que seu portal deveria conter as informações e que irá cobrar do prestador do serviço. As demais não se manifestaram (veja abaixo).

Nesta sexta-feira, 16, o STF, por unanimidade, decidiu manter três decisões recentes de Dino que suspenderam a execução das emendas impositivas (isto é, as individuais e as de bancadas estaduais) e das “emendas Pix”, até que Congresso e Executivo tomem medidas para garantir transparência e mecanismos adequados de fiscalização. Em retaliação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), desengavetou, também na sexta-feira, a tramitação de propostas de emenda à Constituição (PEC) que limitam os poderes do STF. Uma, coibe a capacidade dos ministros de decidirem de forma individual (monocrática) e outra dá ao Congresso poder de anular decisões do Supremo.

As 30 cidades a serem auditadas pela CGU estão espalhadas por 12 Estados nas cinco regiões do País. Amapá, Roraima e Tocantins lideram, com cinco municípios cada. As cidades são o lar de 182.617 brasileiros, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Juntas, as prefeituras receberam R$ 1,09 bilhão em emendas de 2020 a 2023.

Ao menos 142 políticos mandaram emendas para essas cidades. A lista inclui gente com e sem mandato, dos 12 Estados e de diversos partidos. Entre eles estão o atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (R$ 29,7 milhões); o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP, com R$ 24,4 milhões); e o ministro do TCU Jhonatan de Jesus (R$ 46 mihões), entre outros.

Dentre a maioria que não traz informações sobre emendas, a situação mais comum é ter uma aba dedicada ao tema nos portais da transparência, mas deixá-la vazia, sem dados. É o que acontece em dez cidades. Em outras nove, o Portal da Transparência não apresenta uma aba para emendas parlamentares, apenas uma geral para transferências – e que não distingue as emendas parlamentares de outros tipos de transferências recebidas.

Nas demais, o portal da transparência ou a aba de emendas estavam fora do ar. Em São Luiz (RR), que recebeu R$ 108,2 milhões de 2020 a 2023, o portal da transparência inteiro está quase vazio: não é possível ver a maioria dos contratos ou fornecedores da prefeitura.

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No Amapá, várias cidades usam um modelo único de portal da transparência, criado por uma firma do município de Bálsamo (SP), chamada Fiorilli Sociedade Civil Ltda. O modelo, de 2016, inclui uma aba intitulada “transferências recebidas conforme Art. 166-A, Inciso I da Constituição Federal”. O dispositivo, inserido em 2019, cria as “emendas Pix”. No entanto, além de não dizer que se trata de emenda parlamentar, o site também não tem informações sobre quem enviou os recursos ou sobre como o dinheiro foi usado.

“No caso das ‘emendas Pix’ e de relator, a maior parte dos recursos vai para municípios pequenos. Em geral, quanto menor o município, pior é (a transparência). Você não tem uma estrutura mínima de gestão de dados para que as informações sejam colocadas de forma organizada e tempestiva”, diz Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil (TB). Atoji participou da reunião de conciliação convocada por Dino.

A Transparência Internacional (TI) no Brasil tem feito avaliações periódicas das prefeituras brasileiras. Segundo um representante da entidade, o quadro nas cidades a serem auditadas pela CGU se repete País afora, mesmo nas capitais.

“Muitas capitais têm nível mediano ou baixo de transparência, em relação a obras e despesas. Em relação a emendas parlamentares, é ainda pior, mesmo nas capitais, que em tese são as cidades com mais recursos para estruturar e apresentar esses dados”, diz o advogado e consultor Guilherme France, da Transparência Internacional.

Informações incompletas

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Em todas as seis cidades que apresentam alguma informação sobre emendas, os dados estão desatualizados ou incompletos.

Em Campos Verdes (GO), o Portal da Transparência mostra informações sobre o valor de cada emenda e sobre como a prefeitura usou os recursos. Em 2021, por exemplo, é possível saber que uma emenda de R$ 200 mil do então deputado estadual Jeferson Rodrigues Lemos (Republicanos) foi usada para “reforma e ampliação” da escola Francisco Romas de Menezes, e que a obra já foi concluída. As informações, porém, são limitadas a recursos enviados pelos deputados estaduais. De 2020 a 2023, a prefeitura recebeu R$ 13 milhões em emendas federais, incluindo R$ 2,7 milhões do orçamento secreto, mas nada disso consta no portal.

Vitória do Jari (AP) também é bastante transparente: mostra não só quem mandou os recursos, mas também como eles foram usados. Em alguns casos, o portal “dedura” os padrinhos por trás do envio de emendas de relator, base do esquema do Orçamento Secreto. Davi Alcolumbre, por exemplo, figura como padrinho de uma emenda de relator de R$ 4 milhões para a construção de um estádio, no ano de 2021 – que, no entanto, não chegou a ser executada.

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Portal da Transparência de Cutias-AP: há informação sobre 'emenda PIX' recebida, mas não sobre o uso do dinheiro Foto: Prefeitura de Cutias / reprodução

Outra cidade que tem informações sobre emendas é Cutias (AP), município de cinco mil habitantes localizado a 106 km de Macapá. Assim como em Campos Verdes, porém, as informações são incompletas. No ano passado, a prefeitura de Cutias recebeu R$ 15,8 milhões em emendas do Congresso, mas o Portal da Transparência só informa sobre a chegada de R$ 2,2 milhões, na forma de três emendas do deputado federal Acácio Favacho (MDB-AP). Duas delas foram para o custeio da saúde. A terceira foi uma “emenda Pix” de R$ 579 mil. O portal da transparência não diz em quê foi usado o dinheiro.

Em Tartarugalzinho (AP) há informação sobre quem mandou as emendas, mas não há detalhes sobre como foram usados os recursos das “emendas Pix”. Das cidades que trazem alguma informação sobre emendas, Tartarugalzinho é a que mais recebeu recursos: R$ 100,4 milhões de 2020 a 2023.

A reportagem do Estadão procurou todas as 30 cidades mencionadas nesta reportagem, mas só uma – Alto Bela Vista (SC) – respondeu. Com apenas 1,8 mil habitantes, a cidade até tem uma aba para emendas parlamentares no portal da transparência, mas ela está vazia. A prefeitura disse ter entrado em contato com a empresa IPM Sistemas, responsável pelo site, para sanar o problema. “As informações sobre as emendas parlamentares deveriam estar sendo alimentadas automaticamente no portal através deste sistema, o que, por algum motivo, não está acontecendo”, disse a prefeitura, em nota.

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