BRASÍLIA – Um dos poucos governadores que ainda eram aliados do presidenteJair Bolsonaro, o chefe do Executivo de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), rompeu com o governo federal. O motivo é a postura do presidente em relação ao enfrentamento à pandemia do coronavírus. Em declaração à imprensa na manhã desta quarta-feira, 25, o governador afirmou que não seguirá recomendações do presidente de suspender orientações para confinamento em massa da população, adotado como estratégia para frear a propagação da doença. Caiado foi um dos responsáveis pela indicação de Luiz Henrique Mandetta, também filiado ao DEM, para o Ministério da Saúde.
Bolsonaro voltou a criticar, na manhã desta quarta-feira, a recomendação de governantes pelo confinamento total das pessoas e defendeu que apenas pessoas do grupo de risco fiquem em casa.
“Quero deixar claro com muita tranquilidade, mas com autoridade de governador e o juramento de médico, que as decisões do presidente da República na área de saúde em relação ao coronavírus não alcançarão o Estado de Goiás”, afirmou em entrevista coletiva transmitida ao vivo pelas redes sociais. O governador postou a declaração no Twitter horas depois da coletiva.
Caiado informou que suas decisões para o Estado relacionadas a crise causada pela covid-19 serão pautadas em indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do corpo técnico do Ministério da Saúde. "'Ah, mas vai ter o desemprego, mas vai ter problema econômico'. Por acaso, em qual lugar que ela (a covid-19) passou e não deixou esse rastro? Onde? 'Ah, pode ser de proporção maior ou de proporção menor'. A quem cabe decidir isso não é o presidente da República e muito menos prescrevendo cloraquina na porte de palácio. Isso é decisão médica. Nós é que sabemos como deve ser estabelecido o protocolo. Quando se escuta uma declaração como essa. De dizer que é um resfriadinho, uma gripezinha. Respeito. Ninguém melhor do Obama. Na política e na vida, a ignorância não é uma virtude", afirmou Caiado.
“Não posso admitir e concordar com um presidente que vem a público sem ter consideração com seus aliados, sem ter respeito”, disse o governador de Goiás. "É colocar na balança o que é mais importante: a vida ou a sobrevivência da economia. Não, nós podemos fazer as duas coisas", afirmou.
O governador ainda fez críticas ao presidente. "Isso não faz parte da postura de um governante. Tem uma frase do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama que faz muito sentido neste momento: 'Na política e na vida, a ignorância não é uma virtude!'", afirmou. Ele também mostrou indignação com o fato do presidente ter comparado o coronavírus a um "resfriadinho".
Aliado de Bolsonaro desde o processo eleitoral de 2018, Caiado se manteve ao lado do presidente mesmo em momentos em que foi pressionado por outros governadores, como no episódio do desafio lançado por Bolsonaro para que os líderes estaduais interrompessem a cobrança de ICMS. Apesar do alinhamento político, o governador de Goiás não foi poupado por apoiadores do presidente quando tentou dispersar uma manifestação no dia 15 de maio, em razão do coronavírus.
Em pronunciamento em rede nacional de TV nesta terça-feira, 24, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar em "histeria" em torno da pandemia do novo coronavírus e criticou o fechamento de escolas, entre outras medidas adotadas por governos e municípios. Ele criticou também autoridades estaduais e municipais que, em sua visão, "devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transporte, o fechamento dos comércios e o confinamento em massa".
O isolamento da população para evitar a transmissão do coronavírus é uma recomendação de médicos e do próprio Ministério da Saúde, que segue as orientações da Organização Mundial da Saúde. A covid-19 já infectou mais de 2 mil pessoas no País, com 46 mortes. Em Goiás, são 27 os casos confirmados da doença. Caiado também adotou restrições de circulação e fechou escolas.
'Não adianta presidente lavar as mãos'
Caiado afirmou que não há dúvidas de que haverá crise econômica e que o desemprego aumentará, mas ponderou que a proteção da vida deveria ser priorizada em relação à sobrevivência econômica. Caiado também disse que não adianta que o presidente "lave as mãos" e tente responsabilizar os demais governantes por qualquer consequência econômica. Ele deixou claro que sua decisão é uma iniciativa própria. “Não existe aqui uma situação orquestrada com demais governadores”, declarou.
Bolsonaro tem protagonizado embates com governadores desde o início da crise, mas Caiado ainda não havia se manifestado sobre a posição do presidente em relação ao enfrentamento da pandemia do coronavírus.
Assista à entrevista coletiva:
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