Falas de Janja no G-20 Social ofuscam pauta que é prioritária para Lula desde 2003

Declarações da primeira-dama foram usadas pela oposição ao governo federal para criticar a gestão do presidente

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Foto do author Rayanderson Guerra

RIO – As declarações da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, no sábado, 16, contra o bilionário Elon Musk e em tom de deboche sobre a morte de Tiü França na explosão em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) causaram mal-estar na comitiva brasileira no G-20 e ofuscaram a pauta prioritária do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no encontro de líderes globais: o combate à fome e à pobreza.

Janja participava de uma mesa de debates com o influenciador Felipe Neto sobre combate à desinformação no Cria G-20, um dos eventos paralelos à Cúpula de Líderes, que ocorre no Rio de Janeiro. Sem razão aparente, abaixou-se por causa do que parecia ser um ruído no ambiente onde estava. Ela interrompeu o discurso e disparou: “Acho que é o Elon Musk. Eu não tenho medo de você. Inclusive, fuck you, Elon Musk”, disse Janja.

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O bilionário reagiu em seu perfil no X momentos depois, indicando por meio da sigla “lol” que estava dando risadas do ocorrido. Ao comentar outro post na plataforma, Musk afirmou que “eles”, em indicação ao governo atual, vão perder as próximas eleições.

Na sequência, Janja fez referência à morte de Tiü França na explosão em frente ao STF na última quarta-feira, 13, afirmando que o “bestão acabou se matando com fogo de artifício”.

Sem citar o xingamento da primeira-dama contra Musk, Lula afirmou, na noite do mesmo dia, que não é preciso ofender ninguém. A declaração foi dada pelo presidente enquanto ele defendia o combate à fome em um festival organizado por Janja no G-20.

“Eu queria dizer para vocês que essa é uma campanha em que a gente não tem que ofender ninguém, não temos que xingar ninguém. Precisamos apenas indignar a sociedade”, disse Lula ao comentar conversa que teve com o Papa Francisco sobre campanha contra a fome.

Presidente Lula no encerramento do G-20 Social no Rio de Janeiro.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O combate à fome é o principal tópico da Presidência brasileira no G-20 no Rio e um dos únicos com avanços concretos. Nesta segunda-feira, 18, o presidente anunciou a adesão de 82 países à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. A tendência é de resultados tímidos nas outras frentes, como mudanças climáticas, inclusão social, taxação dos super-ricos, transição energética e reforma da governança global.

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O petista carrega a agenda de combate à fome desde o primeiro mandato como presidente da República, em 2003. Em 29 de outubro de 2002, o Estadão destacou na manchete do jornal o compromisso firmado por Lula em pronunciamento oficial logo após o resultados das eleições presidenciais: “combater a fome e controlar o gasto”.

“Vamos aplacar a fome (...) Meu primeiro ano de mandato terá o selo do combate à fome. Um apelo à solidariedade para com os brasileiros que não têm o que comer”, discursou Lula no dia 28 de outubro daquele ano.

Cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. Foto: Joedson Alves/Estadão

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 1999, havia 14,5% de brasileiros em famílias com renda inferior à linha de indigência (22 milhões) e 34,1% (53 milhões) com renda inferior à linha da pobreza.

Ao assumir o governo em 2003, Lula criou o programa Fome Zero e elegeu o combate à fome como prioridade. Entre outras iniciativas, o governo federal passou a contar com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e reativou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Lula lançou o Programa Fome Zero, com mais de 30 ações para combater a fome e suas 'causas estruturais' Foto: Rafael Neddermeyer/Estadão

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Ainda no primeiro discurso como presidente eleito, Lula afirmou: “Se, ao final do meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes ao dia, terei realizado a missão de minha vida”.

A pauta histórica do presidente voltou à agenda do governo federal neste terceiro mandato. Durante o primeiro ato de campanha em 2022, na corrida pelo terceiro mandato do petista, Lula se emocionou ao falar sobre a escalada da fome e da miséria no País. “Não é por falta de dinheiro, é por falta de vergonha das pessoas que governam. As pessoas não têm sentimentos, não sabem o que é fome, não sabem o que é um cidadão ficar mendigando no seu vizinho por um prato de comida”, declarou.

As declarações de Janja, além de ofuscarem a pauta de combate à fome, constrangeram embaixadores brasileiros no encontro, como mostrou o Estadão. Por receio de serem retaliados no governo, foram cautelosos. “É a nova diplomacia”, ironizou um deles, que acompanhava os preparativos do G-20 no Rio. “Com essas palavras?”, reagiu outro espantado. A definição de um terceiro diplomata foi: “Contraproducente”.

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Oposição usa declarações de Janja como munição

A participação de Janja foi usada como munição por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para criticar a gestão petista. O líder do clã da zona oeste do Rio usou a rede social de Musk para criticar Janja. “Já temos mais um problema diplomático”, disse o ex-presidente no X.

O vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PL-RJ) também se manifestou. Em uma publicação no X, Carlos afirmou que “Janja é mais bolsonarista do que muitos que se dizem aliados”.

Além das declarações de Janja, o G-20 Social entrou no alvo de bolsonaristas. Três deputados do PL, Ubiratan Sanderson (PL-RS), Gustavo Gayer (PL-GO) e Luiz Phillipe de Orléans e Bragança (PL-SP), pediram investigações no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os gastos do evento.

“O envolvimento direto da primeira-dama na organização do evento levanta dúvidas sobre a impessoalidade administrativa. O dinheiro de imposto deve ser usado com responsabilidade e transparência, priorizando áreas essenciais como saúde e educação”, argumentou Orleáns e Bragança na representação enviada ao TCU.

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