A defesa dos três investigados pela autoria de supostas agressões ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e à família dele no aeroporto internacional de Roma classificou como um “precedente extremamente grave” a decisão do ministro Dias Toffoli que permitiu o ingresso do ministro como assistente de acusação e impediu o acesso da defesa ao arquivo das imagens do episódio.
“O que merece muita atenção por parte de toda a comunidade jurídica é que, qualquer exceção que exista neste caso específico, que envolve um ministro da Suprema Corte, pode criar precedente em frontal desrespeito à legislação”, afirmou o advogado Ralph Tórtima Filho ao Estadão. Ele representa Roberto Mantovani Filho, Andrea Munarão e Alex Zanatta Bignotto no inquérito.
Em parecer apresentado ao Supremo, o perito contratado pela defesa comparou a forma como o vídeo pode ser acessado por eles – nos computadores da Corte, em Brasília, sem acesso a cópias, a uma “sessão de cinema”, alegando a impossibilidade de periciar o arquivo.
O relator do procedimento, ministro Dias Toffoli, aceitou o pedido de Moraes por meio de uma decisão monocrática do dia 23 de outubro, tornando-o assistente de acusação no inquérito em que consta como vítima.
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que a decisão se ampara em uma “brecha” no Código de Processo Penal (CPP), que diz que o assistente de acusação pode ser nomeado na fase de processo – mas não proíbe expressamente que ele atue na fase de inquérito, estado em que estão as investigações do caso de Moraes. O assistente de acusação tem alguns direitos iguais aos do MP, como recorrer de sentenças e fazer alegações finais.
Nesta segunda-feira, 30, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou um recurso, afirmando que a medida é inconstitucional, “sem precedentes” e um “privilégio” na forma como foi estabelecida. A entidade também pede que as imagens de câmera de segurança que captaram o episódio no aeroporto de Roma sejam tornadas públicas – o que não foi permitido por Dias Toffoli.
Perito de Mantovani fala que não vai a Brasília assistir à ‘sessão de cinema’
O ministro deliberou que o arquivo com o vídeo só pode ser visto pelo advogado dos investigados e por um perito particular escolhido por ele. Não foi permitido que fizessem cópia do arquivo.
No mesmo dia do recurso da PGR, Tórtima Filho apresentou o parecer do perito Ricardo Molina de Figueiredo, que afirma que a forma de acesso franqueada por Dias Toffoli não permite a análise plena das imagens. Ele comparou o procedimento autorizado por Toffoli à exibição de um filme. “Afinal, os peritos da defesa não pretendem viajar a Brasília para assistir a uma sessão de cinema.”
“Uma análise realmente completa e detalhada não pode ser realizada sem os equipamentos e programas só funcionais no ambiente do laboratório dos peritos da defesa. A restrição de acesso a cópias do material questionado é anômala e destoa do habitual em processos com segredo de Justiça”, disse Figueiredo no laudo.
Ao Estadão, Tórtima Filho questionou a falta de paridade entre os recursos da defesa e da Polícia Federal (PF) no caso. “A PF não teve total liberdade de dispor e escolher as imagens que entendeu mais interessantes? O que justifica a defesa não ter esse mesmo direito, de fazer a seleção que for benéfica aos interesses defensivos de seus clientes?”, disse o advogado.
Análise das polícias brasileira e italiana são divergentes
O desfecho das investigações sobre o caso de Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma está atrelado a essas imagens das câmeras de segurança do dia do episódio. A polícia italiana diverge da brasileira sobre como ocorreram os fatos. Por isso, a defesa dos Mantovani insiste no acesso integral ao registro.
Até o momento, está disponível no inquérito apenas um relatório da Polícia Federal que contém frames (recortes, imagens congeladas) do vídeo e as descrições feitas por um perito da corporação. O relatório apresentado diz que Mantovani Filho “aparentemente chegou a bater” no rosto do advogado Alexandre Barci de Moraes.
“Após ter afrontado Barci, impulsionando seu corpo contra este, que estava de óculos, Roberto (Mantovani Filho) levantou a mão e, aparentemente, chegou a bater no rosto da vítima, que teve óculos deslocados (ou caídos no rosto)”, afirma a PF.
Já o relatório da polícia da Itália, que acompanhou as imagens enviadas, narra o episódio de forma distinta, falando que Mantovani encostou “levemente” nos óculos do advogado, durante uma troca de agressões mútuas.
“Às 18h39, repara-se o único contato físico digno de nota, ocorrido entre Roberto Mantovani e o filho da personalidade (Alexandre de Moraes). Nessa circunstância, esse último, provavelmente exasperado pelas agressões verbais recebidas, estendia o membro superior esquerdo, passando bem perto da nuca do antagonista, que, ao mesmo tempo, fazia a mesma ação utilizando o braço direito, impactando levemente os óculos de Alexandre Barci de Moraes”, diz o relatório da polícia italiana.
Por causa desse trecho, Tórtima Filho disse, no pedido apresentado nesta segunda-feira, que “na interpretação das imagens feitas pela polícia italiana, diversamente da análise da PF, quem primeiro tocou alguém foi Alexandre Barci de Moraes”. O advogado sustenta que seu cliente agiu para se defender.
PGR decide se propõe ação penal após término no inquérito
O inquérito só é finalizado quando o delegado de Polícia Federal responsável pelo caso elabora um relatório final, que vai ser avaliado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Se a PF entender que houve crime, o caso vai para a PGR, que tem três caminhos: entrar com uma ação penal contra os investigados, tornando-os réus; devolver o inquérito para a PF, pedindo mais diligências; ou entender que não houve crime e pedir o arquivamento do caso.
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