Com mais de quatro décadas de atuação na Polícia Civil, o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, 66 anos, entrou na lista de cotados para ocupar a vice na chapa encabeçada pelo prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB). O cálculo político que resulta no arranjo Nunes-Nico considera que a segurança pública será o grande tema das eleições no ano que vem, apesar de não ser um tema geralmente presente no debate municipal. Por essa lógica, a presença de um delegado na chapa não só agregaria politicamente, mas também conquistaria o apoio de uma população preocupada com o avanço da Cracolândia na região central da capital paulista.
O governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o secretário da Segurança Pública (SSP), Guilherme Derrite (PL), são os principais fiadores da empreitada de Nico na arena política. Como mostrou a Coluna do Estadão, Tarcísio e Nunes conversaram, no dia 16 deste mês, sobre o perfil do vice na disputa à reeleição no próximo ano. Na ocasião, o nome do delegado foi sugerido ao prefeito. Atualmente, Nico é secretário-executivo da SSP. Ou seja, é o número 2 da Pasta que coordena policiamento, investigação criminal e políticas públicas de segurança no Estado.
Antes de assumir a função de secretário-executivo, Nico foi delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo na gestão do governador Rodrigo Garcia (PSDB). No comando da instituição, ele era o responsável por administrá-la, além de supervisionar operações policiais e definir estratégias de investigação. Mesmo como delegado-geral, no entanto, Nico não se afastou das diligências policiais, atuando também na linha de frente ao lado de agentes e investigadores. Ex-chefe do Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope), o seu perfil operacional agrada o efetivo policial.
“Sinto falta da rua. Ir nas ocorrências faz parte do meu DNA”, diz Nico ao Estadão, em seu gabinete no 12ª andar do Edifício Saldanha Marinho, onde está sediada a SSP, no centro de São Paulo. Ele confessa que nunca havia pensado em entrar na política, mas que foi convencido por Tarcísio e Derrite.
“Nasci para servir. Ficaria feliz em ajudar São Paulo”
Osvaldo Nico Gonçalves, secretário-executivo da Segurança Pública de São Paulo
Questionado sobre as eleições, o delegado diz que não recebeu nenhum convite para compor qualquer chapa. Ele explica que a articulação para uma eventual parceria com Nunes partiu do secretário de Segurança Pública. “Não sou filiado a nenhum partido político, nunca pensei em entrar para a política. O Derrite que acha que seria uma boa [...] poderia ajudar com a questão da Cracolândia”, conta. Porém, ele não nega que pode se filiar a alguma sigla para aceitar o desafio de disputar a eleição do próximo ano. “Nasci para servir. Ficaria feliz em ajudar São Paulo”.
Em relação à Cracolândia, Nico pondera que, embora o papel das forças de segurança no centro da capital seja relevante, não é suficiente para solucionar o problema. Ele argumenta que a Cracolândia não é uma questão só de segurança pública, mas um problema social. Ele defende a necessidade de uma abordagem múltipla que envolva médicos e outros profissionais. A Cracolândia, de acordo com Nico, representa um desafio que precisa ser enfrentado pela sociedade como um todo, e não apenas pela polícia.
Uma carreira sob os holofotes
Em junho de 2020, o delegado Osvaldo Nico comandou a equipe do Dope que prendeu Fabrício Queiroz em Atibaia, no interior de São Paulo. No total, foram mobilizados 15 policiais e cinco viaturas para a ocorrência, sendo que o alvo da operação só foi revelado duas horas antes de os agentes chegarem no local. Ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Queiroz foi encontrado na casa de Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro. Ele foi preso após denúncia do Ministério Público por suposto envolvimento em um esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). “Pegamos o Queiroz dormindo. Ele acordou com a gente do lado dele”, revelou Nico à época.
Liderar a operação que capturou Queiroz poderia ser um marco na carreira de um delegado, devido à grande repercussão do caso. No entanto, para Nico, essa operação é apenas uma entre várias outras com impacto nacional. O delegado tem um histórico de grandes ocorrências, incluindo a prisão do médico Roger Abdelmassih em 2014 e a captura de Maurício Hernandez Norambuena, líder do sequestro de Washington Olivetto, em 2001. Além disso, ele fundou o Grupo de Operações Especiais (GOE) e atuou como negociador do Grupo Especial de Resgate (GER), liberando mais de 200 reféns. Seu gabinete é decorado com dezenas de fotografias e recortes de jornais que narram uma parte de sua trajetória na polícia. Entre as imagens, há uma em que Nico aparece ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Embora tenha se especializado na captura de foragidos da Justiça, o caso que tornou Nico conhecido pelo grande público foi de outra natureza. Em abril de 2005, durante um confronto entre São Paulo e Quilmes pela Libertadores, no Estádio do Morumbi, ele deu voz de prisão ao jogador argentino Leandro Desábato. O motivo foi um incidente em que o jogador são-paulino Grafite foi expulso após um conflito com Desábato, que proferiu um comentário racista. Nico, presente no estádio para coibir a extorsão de flanelinhas a motoristas, tomou conhecimento do caso e prendeu o argentino ainda no gramado.
Além de sua carreira policial, o delegado também é conhecido por conta dos restaurantes administrados por sua família. Ele é sócio minoritário de três pizzarias com sua esposa e filhos. A primeira unidade, no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, funciona há mais de 40 anos. Ele afirma que não participa da administração do negócio, deixando isso a cargo de sua família, que, além das pizzarias, comanda um bar e um restaurante de comida italiana.
Nome de delegado enfrenta resistência
Apesar de contar com o respaldo de Tarcísio, o nome de Nico para a vice de Nunes enfrenta resistência por parte do grupo político que apoia o prefeito. Isso se deve ao fato de que outros caciques partidários desejam fazer a indicação para a vaga. Quando indagado a respeito do assunto, Nunes afirma que o nome do vice, ou mesmo do partido que ocupará essa posição, ainda não está definido. Porém, ele reconhece que o PL, de Jair Bolsonaro, terá prioridade na seleção, considerando que a legenda detém a maior bancada na Câmara dos Deputados e, consequentemente, desfruta do maior tempo destinado à propaganda eleitoral.
Interlocutores do prefeito relatam que ele não demonstrou entusiasmo com a sugestão de emplacar o delegado como candidato a vice na chapa, ao passo que os membros do PL na cidade estão céticos em relação à iniciativa de trazer Nico para a disputa eleitoral. “Essa é uma proposta do Tarcísio, mas é improvável que tenha sucesso”, disse um dirigente do PL, que pediu para não ser identificado. Segundo ele, a vaga de vice pertencerá ao PL, sendo Jair Bolsonaro o encarregado por escolher o nome.
Outros cotados para ocupar a vaga são o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União), e Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social da gestão Bolsonaro e atual porta-voz do ex-presidente. O nome da ex-prefeita da capital Marta Suplicy também já foi mencionado como uma possibilidade para a vice de Nunes, porém perdeu apoio devido à pressão de seguidores de Bolsonaro.
Atuação na SSP
Na Secretaria de Segurança Pública, Osvaldo Nico afirma que trabalha em conjunto com o secretário Guilherme Derrite, visando não apenas melhorar as condições de trabalho das forças de segurança estaduais, mas também promover a integração entre a Polícia Civil e a Polícia Militar. “Tenho aprendido muito com a PM”, diz Nico, que é recebido com entusiasmo pelos policiais civis e militares que trabalham na sede da SSP.
A administração Derrite-Nico, porém, foi alvo de críticas devido à Operação Escudo, que resultou na morte de 28 pessoas no litoral paulista entre 28 de julho e 9 de setembro. A operação foi desencadeada em resposta ao assassinato do soldado Patrick Bastos Reis, da Rota, no Guarujá. Há relatos de que a operação teria feito uso excessivo das forças de segurança, com execuções e torturas, o que é negado pela SSP.
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