BRASÍLIA - Os diretórios nacionais do DEM e do PSL decidiram nesta quarta-feira, 6, aprovar a fusão entre as duas legendas. O novo partido, que vai se chamar União Brasil, terá a maior bancada da Câmara, com 82 deputados, além de quatro governadores, oito senadores e as maiores fatias dos fundos eleitoral e partidário. Será a primeira vez, em 20 anos, que a direita reúne tantos parlamentares em uma única agremiação. A última vez foi no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando o PFL (atual DEM) elegeu 105 representantes.
O presidente da legenda será o atual presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), e a secretaria-geral ficará com ACM Neto, que hoje comanda o DEM. Para ser oficializada, a criação do União Brasil ainda precisa do aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A expectativa dos articuladores da fusão é que o tribunal dê a permissão até fevereiro do ano que vem, antes da abertura da janela partidária para as eleições de 2022.
"Nós vamos agora decidir a política nacional não só no Congresso Nacional, mas em todos os Estados do País", afirmou o governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), ao discursar na primeira reunião do partido.
Antes da decisão final dos dois partidos, as direções do DEM e do PSL se reuniram separadamente para aprovar a fusão. O diretório do DEM do Rio Grande do Sul foi o único a votar contra a fusão. No PSL, a decisão foi unânime.
Na reunião do DEM, o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, que é pré-candidato ao governo gaúcho, apresentou dois requerimentos. Um deles para deliberar sobre o apoio do novo partido à reeleição do presidente Jair Bolsonaro e outro para dar direito a voto no diretório nacional a todos os deputados federais e senadores. Os dois pedidos foram rejeitados.
Além de Onyx, os ministros da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, que é filiado ao PSL, e ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, que é deputada licenciada pelo PL do DF, também estiveram no evento que sacramentou a fusão.
História
Herdeiro da Arena, partido que dava sustentação ao regime militar no País (1964-1985), o DEM esteve na base de apoio de todos os governos até as gestões petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. No governo de Jair Bolsonaro, adota um discurso de independência, embora possua dois ministros - além de Onyx, Tereza Cristina, da Agricultura.
No período da redemocratização, o partido dividiu com o MDB o título de maior força regional, com o domínio dos governos estaduais. Nas décadas de 1990 e 2000 e com o nome de PFL, o partido chegou a ter protagonismo no cenário político nacional, com líderes como Antonio Carlos Magalhães, avô do atual presidente do DEM, que foi presidente do Senado, Luís Eduardo Magalhães, tio de ACM Neto, que foi presidente da Câmara, e Marco Maciel, que exerceu o mandato de vice-presidente na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Durante os governos do PT na Presidência, a legenda passou a desidratar e em 2014 elegeu apenas 21 deputados. O movimento de debandada foi intensificado após o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab criar o PSD, que nasceu como uma dissidência do DEM que queria fazer parte da base do governo da então presidente Dilma Rousseff (PT).
Em 2007, como forma de tentar renovar o partido, a sigla mudou o nome de PFL para DEM, mas seguiu sem protagonismo nacional. A relevância só foi recuperada em 2016, quando o deputado Rodrigo Maia (RJ) foi eleito para suceder Eduardo Cunha (MDB-RJ) na presidência da Câmara e nos anos seguintes com a presidência do Senado ocupada por Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Nos últimos meses, a legenda perdeu nomes importantes como Maia, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que foi para o PSD, e pode perder Pacheco, que também conversa com o PSD. O presidente do Senado não participou da reunião de hoje porque estava na Itália para participar de um evento do G-20, grupo das 20 maiores economias do mundo.
Já o PSL viveu um movimento inverso. A sigla nasceu em 1998 e nunca teve expressão, vista sempre como um projeto particular de Luciano Bivar. O cenário mudou em 2018, quando PSL abrigou o projeto de eleição de Bolsonaro e passou a ter maior bancada da Câmara, elegeu quatro senadores e três governadores, além de conquistar a maior fatia dos fundos eleitoral e partidário. Em 2019, com o rompimento entre Bivar e Bolsonaro motivado por disputa de influência política e financeira, o presidente da República se desfiliou do partido. Já sem a presença de Bolsonaro e seu grupo, o PSL amargou um péssimo resultado nas eleições municipais de 2020.
Decisiva
A nova legenda vai ter força para decidir votações importantes e ter peso significativo num eventual processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Caso a nova sigla seja concretizada, vai desbancar o PT, que desde 2010 lidera o ranking de maiores bancadas na Câmara. Em 2018, foram 54 petistas eleitos. Hoje, o partido tem 53 deputados, empatado com o PSL.
Apesar da perspectiva de crescimento e de ser o maior partido do País, os articuladores da fusão já esperam dissidências. Pela legislação, o político pode sair de uma legenda sem perder o mandato em caso de fusão. A previsão é de que 25 dos atuais 53 deputados do PSL, ligados ao presidente Jair Bolsonaro, devem desembarcar na nova legenda. Também são esperadas as saídas de aliados de Bolsonaro no DEM.
A união é vantajosa para o DEM por causa do aumento no caixa. A nova legenda terá cerca de R$ 158 milhões por ano de fundo partidário, dinheiro público que abastece as legendas para gastos que vão de aluguel de sede, pagamento de salários, aluguel de jatinhos, entre outros. Em comparação, o PT ganhou R$ 94 milhões dessa verba pública neste ano. Para o PSL, partido que cresceu repentinamente ao abrigar a eleição presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, com quem depois rompeu, os principais atrativos são a capilaridade regional e estrutura que o DEM passa a oferecer.
Apesar de a presidência ficar com Bivar, ACM Neto afirmou em entrevista semana passada ao Estadão que as decisões da nova legenda não ficarão concentradas na presidência e serão feitas de forma “compartilhada e colegiada” . O União Brasil pretende pôr em prática uma cláusula que determina que qualquer decisão precisa ter o apoio de 3/5 da direção do partido.
Conflitos regionais
Apesar dos avanços, para ser confirmada a fusão é preciso ajustar conflitos regionais. Estados como Rio e São Paulo ainda não têm consenso sobre qual grupo político vai exercer o comando. Pelo acerto entre ACM Neto e Luciano Bivar, o PSL comandaria esses diretórios estaduais, mas os líderes regionais do DEM resistem a ceder os comandos.
No Rio, o deputado Sóstenes Cavalcante comanda provisoriamente o diretório estadual do DEM e trabalha para ficar com o comando permanente. O DEM resolveu fazer uma intervenção federal no Estado para retirar o ex-prefeito e vereador Cesar Maia da presidência estadual. O movimento aconteceu após a saída do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, filho de Cesar, da legenda.
Se for concretizada a fusão, o controle do diretório do Rio ficará com o prefeito de Belford Roxo (RJ), Waguinho PSL, do grupo do ex-governador Anthony Garotinho (Pros).
"O Rio não tem solução ainda. Com o Waguinho, estou outro dia na rua, em outro partido. Não tem conversa com o Waguinho. Ele assumiu hoje, amanhã estou fora. Garotinho, Waguinho, essa turma aí estou fora", disse Sóstenes hoje antes de ir para a reunião do diretório nacional do DEM.
Em São Paulo, também há uma falta de consenso sobre a eleição para governador em 2022. Uma ala tenta atrair Geraldo Alckmin, que está de saída do PSDB, para a fusão DEM-PSL. Outra ala quer apoiar o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato do atual governador João Doria (PSDB) à sua sucessão. Alckmin também conversa com Gilberto Kassab e pode se filiar ao PSD.
O novo partido pretende ter candidatura própria a presidente da República. Atualmente, são três pré-candidatos: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o apresentador José Luiz Datena (PSL). Datena e Mandetta participaram da reunião hoje. Pacheco também mantém negociações para se filiar ao PSD. Como “plano B” caso Pacheco vá para o partido deKassab, o União Brasil planeja filiar o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que hoje está no Novo.
Apoio a Bolsonaro
Apesar de ter como objetivo candidatura própria à Presidência, o comando da fusão DEM-PSL pretende liberar seus filiados para apoiarem outros candidatos, como o presidente Jair Bolsonaro. Apesar de não estar na base do governo, hoje o DEM tem entre seus quadros os ministros de Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
De acordo com políticos a par da união dos dois partidos, o líder da bancada na Câmara deve ser o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), que comanda as articulações para definir a fusão nos Estados e é aliado próximo de ACM Neto.
O novo partido também quer atrair políticos insatisfeitos com as suas legendas e antecipar os efeitos da janela de troca partidária, período em que os eleitos para cargos em pleitos proporcionais – deputados federais, estaduais e vereadores – podem sair de suas siglas sem o risco de perderem o mandato. A janela está prevista para acontecer em março do ano que vem. Pelas regras eleitorais, um deputado pode trocar de partido fora da janela sem perder o mandato se a nova legenda escolhida for resultado de uma fusão.
Antes mesmo da oficialização da nova legenda, o deputado Celso Sabino saiu do PSDB e foi para o PSL. Sabino entrou em conflito com o comando tucano por conta da proximidade dele com o Centrão, que é base do governo de Jair Bolsonaro. O PSDB anunciou no início de setembro que é oposição ao governo. Outro insatisfeito com a legenda pela proximidade com o governo, o senador Márcio Bittar, saiu do MDB para se filiar ao PSL.
Os organizadores da fusão também esperam filiar os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Pedro Lucas Fernandes (PTB-MA), Clarissa Garotinho (Pros-RJ), Daniela do Waguinho (MDB-RJ) e Capitão Wagner (Pros-CE), todos em conflito com suas respectivas legendas.
Por outro lado, também é esperada a desfiliação de cerca de 25 deputados ligados ideologicamente ao presidente Jair Bolsonaro. O grupo bolsonarista do PSL tem sido deixado de fora das conversas sobre a fusão.
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