Em 1977, a “Carta aos Brasileiros”, lida na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco pelo jurista Goffredo da Silva Telles, foi um marco histórico para o início da derrocada da ditadura militar e o processo incremental na construção da democracia que se consolidou com a Constituição de 1988. Antes do atual período democrático, o mais longo, e tomara interminável, o Brasil acumulava ciclos autoritários, impedia o voto do analfabeto, não tinha políticas de ação afirmativa e de igualdade racial, e o espaço de participação e protagonismo da mulher era bem restrito.
O País avançou em inclusão política entre 1977 e 2022 se consideramos o sentido de democracia para além do processo eleitoral e da liberdade de organização e de crítica, e entendemos que qualquer país que se propõe a ser democrático respeita os direitos dos seus cidadãos e suas diversidades, sejam elas de gênero, de cultura ou de religião, além de promover políticas públicas voltadas para a redução das assimetrias sociais e econômicas.
Diferenças entre o Brasil de hoje e o de 1977 são refletidas no título da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito” com o reconhecimento e a incorporação das mulheres como protagonistas. Tal documento, inicialmente construído por professores da USP e de outras universidades, se transformou num ato de mobilização e resistência de vários os segmentos, dos sindicatos patronais aos de trabalhadores, do setor industrial ao mundo financeiro, contra ameaças às instituições democráticas e as urnas eletrônicas, perpetradas por quem democraticamente chegou ao poder disputando as eleições nesse mesmo sistema eleitoral.
A carta lida hoje na Faculdade de Direito da USP envia várias mensagens, dada a amplitude de seus signatários e o momento político atual. A primeira delas é a afirmação da autonomia das instituições democráticas e dos avanços do nosso sistema eleitoral para a garantia do estado democrático de direito. A segunda, é o entendimento do papel das instituições para evitar apetites autoritários. Elas são encarregadas de refrear tentações de perpetuação e exercício de poder à margem das regras democráticas. A terceira é que a democracia não se sustenta apenas nas suas instituições formais. O papel da sociedade para a sua consolidação e aperfeiçoamento constante é indispensável.
Foi a mobilização social que ajudou na construção coletiva da atual democracia e a entendê-la como um produto de decisões políticas que incorporam todos os segmentos sociais como protagonistas. É pela consolidação e fortalecimento dessa democracia que agora, mulheres, homens, trabalhadores e empregadores estão mobilizados. A democracia precisa, cada vez mais, de mais democratas. Isso é importante para evitar que mesmo estando em 2022, 34 anos após Constituição de 1988, tenhamos que novamente dar passos para trás para brigar pela sua manutenção, ao invés de estarmos discutindo o aperfeiçoamento e fortalecimento do nosso regime democrático.
Marco Antônio Carvalho Teixeira é cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas
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