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Deputado gasta R$ 200 mil de dinheiro público para abastecer em posto de sócio; veja vídeo

Chiquinho Brazão (União - RJ) usa verba parlamentar paga pela Câmara para bancar abastecimento em seus carros apenas em posto de gasolina de seu sócio; local fica a 20 km da sua residência e 8km de seu escritório político. No trajeto há sete postos, o mais próximo a um minuto de distância

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Foto do author Levy Teles
Foto do author Rayanderson Guerra
Atualização:

BRASÍLIA e RIO DE JANEIRO - O deputado federal Chico Brazão (União-RJ) utiliza um posto de gasolina que fica a 8 quilômetros do seu escritório político no Rio de Janeiro. No caminho até lá, o parlamentar passa por outros sete postos, um deles a um minuto de distância. Porém, desde 2019, o deputado vai sempre no mesmo local onde já desembolsou R$ 200 mil de verba da Câmara. O posto escolhido pertence a um sócio de Brazão.

Notas fiscais apresentadas na prestação de contas mostram que o posto fica a 20 quilômetros de distância de onde ele mora na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e a oito quilômetros de seu escritório político, segundo registro na Justiça eleitoral.

Posto Leiroz de sócio do deputado Chiquinho Brazão no Rio de Janeiro. FOTO: Pedro Kirilos / Estadão Foto: PEDRO KIRILOS

O Posto Leiroz, usado por Brazão, está localizado no Jardim Sulacap, no Rio de Janeiro. O estabelecimento é de propriedade de Albano Gonçalves Marinho e Albano Lemos da Silva. Os dois são sócios do deputado em um outro posto de combustíveis, o Auto Posto 500, em Tingui, em Campo Grande, também na capital fluminense.

O Estadão percorreu os oito quilômetros entre o endereço do escritório do deputado Chiquinho Brazão, em Jacarepaguá, dado informado pela assessoria, e o Posto Leiroz, em Sulacap. No caminho, há pelo menos sete postos de combustíveis.

O trajeto é feito em 20 minutos em horários de baixa circulação de veículos na Zona Oeste da cidade. Mas a apenas um minuto ou 200 metros de seu escritório já tem um posto para abastecimento. Em um raio de dois quilômetros é possível abastecer em ao menos outros cinco estabelecimentos de distribuidoras distintas.

Nota fiscal compra de combustível pelo deputado Chiquinho Brazão (União-RJ) em posto de seu sócio no Rio de Janeiro Foto: Reprodução / Estadão

O deputado declarou na eleição do ano passado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ser dono de apenas um carro, um Toyota Land Crusier 2004. Ele costuma alugar pelo menos outros dois veículos, conforme notas que o próprio parlamentar entregou este ano à Câmara: um Toyota 2022 e um T-Cross 2022.

Com os R$ 200 mil, o parlamentar comprou entre 2019 e 2023 no mínimo 20 mil litros de gasolina, 14 mil metros cúbicos de gás natural, 5,7 mil litros de etanol, 1,5 mil litros de diesel e 273 litros de biodiesel. No primeiro ano, Brazão ainda apresentava à Câmara notas de outros postos. A partir de dezembro de 2019, só apresentou comprovantes do estabelecimento do sócio.

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Deputado Chiquinho Brazão (União-RJ) que usa verba parlamentar para abastecer o carro em posto de sócio Foto: Reprodução / Câmara dos Deputados

O valor pago por litro de combustível pelo deputado não justificaria o longo percurso para abastecer. Com bandeira branca - denominação dos estabelecimentos que não têm parceria com grandes distribuidoras de combustível - cada litro de gasolina comum é vendido a R$5,19 no posto Leiroz. O etanol sai a R$4,29. O valor é mais alto do que o encontrado em um posto sem bandeira a menos de 250 metros.

O fato de o deputado usar o estabelecimento do sócio, cujas notas são entregues à Câmara para ressarcimento, é criticado por especialista em transparência. “É a violação do princípio da impessoalidade na administração pública”, comenta Marina Atoji, diretora de programas do Transparência Brasil. “Esse gasto, na prática, é ilegal. Ele está beneficiando alguém próprio com dinheiro público, não tem justificativa. Será que esse é o único posto em que o preço é bom? Não faz muito sentido isso.”

Para ela, o caso tem o indício de mau uso do recurso público e precisa ser investigado pela Câmara e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Esse gasto, na prática, é ilegal. Ele está beneficiando alguém próprio com dinheiro público, não tem justificativa. Será que esse é o único posto em que o preço é bom? Não faz muito sentido isso

Marina Atoji, diretora de programas do Transparência Brasil

Os deputados têm direito de usar a verba parlamentar para custear despesas. Entre elas está incluído o gasto com combustíveis. Funciona assim: o parlamentar entrega a nota fiscal e o Parlamento reembolsa o valor depositando na conta do político sem necessidade de outras comprovações. Um ato da mesa da Câmara de 2009 veda, no entanto, o ressarcimento de valores gastos caso o dono de uma empresa ou entidade seja o próprio deputado ou um parente até o terceiro grau ou servidor da Casa, em exercício ou até seis meses após sua exoneração ou desligamento.

“É o sistema”

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Procurado, Brazão alegou que não tem como comprar em apenas um estabelecimento ignorando o fato de que só utiliza o mesmo posto desde 2019. “O combustível que a gente recebe é para rodar todo o Estado, então não tem condição de só abastecer num posto. Eu abasteço onde der para abastecer”, alegou Brazão ao Estadão. “O combustível que todos os deputados têm para rodar o Estado todo. É assim que funciona. É o sistema. Não tem nada que proíba de você abastecer em qualquer posto”. O Rio de Janeiro é o terceiro menor Estado em extensão do Brasil, atrás apenas de Alagoas e Sergipe.

O único veículo declarado por Brazão ao TSE é movido a diesel. O deputado ainda aluga dois outros carros desde o final do ano passado. Em 2021, porém, ele não usou a cota para contratos temporários de veículos enquanto mantinha pagamentos constantes ao posto. Naquele ano, ele desembolsou R$ 60,4 mil para o posto do sócio. O deputado não esclareceu quantos veículos utiliza mensalmente.

Neste ano, Brazão terá ainda mais dinheiro para usar. O repasse da cota parlamentar para combustível segue um teto que foi reajustado no começo da atividade legislativa. O limite, que antes era de R$ 6 mil por mês, agora passou para R$ 9,3 mil. A mudança faz parte de um pacote de benesses concedido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para garantir a reeleição recorde na história da Casa. O total de desembolso para os cofres públicos em demais despesas que garantiram a Lira os 464 votos para si chega a R$ 70 milhões.

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Somente com o reajuste na gasolina, o gasto da cota pelos 513 deputados em cinco meses ultrapassou todo o valor gasto no ano passado. Entre janeiro e maio, os parlamentares gastaram R$ 21,5 milhões para abastecer seus veículos ou jatinhos particulares, como em alguns casos. O somatório de janeiro a dezembro do ano passado não passa de R$18,1 milhões.

A mudança no repasse da gasolina já foi usada a favor por Brazão a seu favor. Apenas em fevereiro deste ano, por exemplo, ele abasteceu 1049 litros de gasolina, o que custou R$ 5.449,23 do repasse da Casa.

No mês de março, último em que registrou gastos com gasolina, o deputado informou à Câmara despesa de R$ 8.943,04. Todo o valor está em apenas uma nota emitida pelo mesmo posto Leiroz de seu sócio. O comprovante fiscal lista a compra de 55 litros de gasolina aditivada, 871 litros de gasolina comum, 308 litros de etanol e 575 metros cúbicos de gás natural. Somados apenas os combustíveis líquidos dariam para encher 22 vezes o tanque de um veículo.

Brazão foi um dos parlamentares flagrados pelo Estadão que admitem votar em projetos do governo sob a condição de liberação de verba. “Meu irmão, vamos começar a contaminar essa p. toda. Preciso de apoiadores na fala”, disse a interlocutores no cafezinho da Câmara. “O governo só mandou abacaxi para o Rio de Janeiro. Não tenho motivo para votar com esse governo sem que ele me ajude.”

No ano passado, 11 parlamentares gastaram em gasolina acima do teto anual de R$ 72 mil reais. Entre os que não alcançaram o limite, Brazão ocupa a nona posição: ele usou R$ 68,2 mil do valor unicamente para abastecer no posto do sócio. Entre 2019 e 2023, os 513 deputados eleitos gastaram R$ 83,2 milhões apenas para abastecimentos.

O Estadão não localizou os sócios do Posto Leiroz.

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