BRASÍLIA – Contrariados com a falta de definição sobre o bloqueio das emendas parlamentares, deputados ameaçam dar o troco e não votar a lei que autoriza os gastos do governo no próximo ano, que depende da aprovação do Congresso Nacional. A estratégia de integrantes da Comissão Mista de Orçamento é vista por especialistas como suicida, já que o Orçamento do Brasil ficaria completamente travado.
Parlamentares veem a medida como a principal moeda de troca para assegurar que o Supremo Tribunal Federal (STF) libere os recursos previstos nas emendas, destinando dinheiro público aos municípios do País.
O repasse das emendas está suspenso desde agosto, quando o ministro Flávio Dino determinou que o Congresso e o governo dessem mais transparência e rastreabilidade para o envio das verbas aos municípios
No entendimento de membros da Comissão Mista de Orçamento (CMO) ouvidos pelo Estadão, governo e STF jogam juntos para frear a liberação de recursos para os deputados. E impedir a votação da lei de diretrizes orçamentárias (LDO) imporia uma “humilhação” ao governo. Eles dizem que trata-se de um “movimento sem cabeça”, fruto da indignação coletiva dos congressistas.
Se o impasse não for resolvido e as emendas não forem liberadas, apontam eles, as emendas remanescentes deste ano e que aguardam destinação não valeriam para 2025. Além disso, relatam, há uma constante pressão de prefeitos para que os recursos voltem a suas cidades.
“Existe uma insatisfação grande da base, tanto pelo bloqueio das emendas por decisão judicial e tanto pela falta de entendimento mais claro por parte do governo”, aponta o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), integrante da CMO que relata já ter ouvido a indignação de outros colegas. “Enquanto não houver uma decisão que envolva Legislativo, Executivo e Judiciário, existe um pensamento que a Câmara vai ficar no aguardo esperando as decisões saírem para voltar à sua rotina normal.”
O presidente da CMO, deputado Júlio Arcoverde (PP-PI), também confirma a movimentação. “Existe uma movimentação, mas acho que depois que o Senado aprovar (o projeto das emendas), resolve a questão”, diz. Segundo ele, a previsão é votar no final de novembro, se o Supremo liberar as emendas. Do contrário, afirma ele, “fica muito mais difícil”. “Acaba atingindo o orçamento do próprio Supremo.”
Congressistas queixam-se também da ausência do líder do governo no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues (PT-AP). Eles dizem que Randolfe é pouco presente nas negociações por um acordo em torno das matérias analisadas na comissão.
“A reivindicações são justas, adequadas, mas vamos resolver e não acredito que vamos ficar sem votar a LDO”, diz Randolfe, ao Estadão. Segundo ele, o calendário eleitoral acabou apertando os prazos para votar projetos do governo na comissão. A última reunião deliberativa do colegiado foi em agosto.
O projeto de lei que estipula novas regras para as emendas parlamentares foi aprovado na Câmara dos Deputados na terça-feira, 5. Ainda resta a aprovação do Senado Federal e a sanção presidencial. Enquanto isso, faltam seis semanas para o fim do ano legislativo, que se encerra no dia 23 de dezembro. É uma corrida contra o tempo dos dois lados.
Mesmo com os prazos apertados, Randolfe acredita que será possível votar a LDO e o Orçamento de 2025. Segundo ele, já há o acerto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para votar o projeto das emendas no Senado na próxima terça-feira, 12.
“Apesar do calendário estar apertado, acredito que vamos precisar correr. Vai ser um pouco mais apressado, mas vai ser tudo resolvido”, diz. “Não trabalhamos com a hipótese de não votar as duas propostas.”
Em tese, a LDO é enviada pelo Executivo ao Congresso até o dia 15 de abril. O texto passa pela análise da CMO e, após votação na comissão, Câmara e Senado aprovam o texto ou não conjuntamente em sessão do Congresso Nacional.
O Legislativo deveria já devolver o texto para sanção até o dia 17 de julho do mesmo ano. Essa, inclusive, é a condição para que haja o recesso parlamentar no meio do ano. Mesmo sem a aprovação, Câmara e Senado resolveram dar as férias de duas semanas mesmo assim — isso é o chamado “recesso branco”.
Caso a LDO deixe de ser votada este ano seria um movimento sem precedente na história do Parlamento, que nunca deixou de votar a lei que estabelecer regras para uso do Orçamento federal. “Sim (é uma estratégia suicida)”, analisa Élida Graziane procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo. “Sem a LDO, nenhum gasto pode ser feito a partir de 1⁰ de janeiro. Sem LDO é impossível ficar, porque significaria paralisação completa de todos os gastos, incluídos os subsídios (salários) e as emendas dos próprios parlamentares.”
Especialistas ouvidos pela reportagem e também consultados por parlamentares dizem que, no caso da não aprovação da lei, o governo precisaria editar medida provisória liberando crédito extraordinário.
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