Deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) mantêm contratos com empresas ligadas a seus assessores e aliados políticos. Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que essa prática pode configurar conflito de interesses e favorecimento, enquanto que parlamentares negam qualquer irregularidade.
Um exemplo disso ocorre no gabinete da deputada estadual Professora Bebel (PT), no qual um assessor parlamentar é sócio de uma empresa contratada para prestar serviços de comunicação ao mandato petista.
Com salário líquido de R$ 17 mil, Walmir Siqueira foi nomeado assistente especial parlamentar no gabinete de Bebel em dezembro de 2023. Dois meses antes, o CCN Notícias, empresa da qual é sócio majoritário, passou a oferecer serviços de divulgação das atividades parlamentares da deputada.

De outubro de 2023 a janeiro de 2025, o CCN Notícias recebeu R$ 112 mil do gabinete petista. A empresa mantém um portal online em que a deputada assina uma coluna, e Siqueira é identificado como um de seus diretores.
O CCN Notícias foi criado em 2020 e tem quatro sócios, dois deles com vínculos com a Alesp. Siqueira, além de atuar no gabinete de Bebel, trabalhou entre 2003 e 2011 com o ex-deputado estadual Roberto Felício (PT). Já Sérgio dos Santos foi assessor do ex-deputado estadual Carlos Grana (PT) de 2011 a 2012.
Em nota, a deputada negou qualquer irregularidade, acrescentando que as contrações e nomeação em seu gabinete cumprem com os preceitos legais e regimentais da Alesp (mais informações abaixo). Procurada, a empresa de comunicação não se manifestou.
O Estadão identificou que a contratação de empresas vinculadas a ex-assessores parlamentares é uma prática comum na Alesp, assim como a nomeação dos próprios sócios dessas empresas para cargos nos gabinetes dos deputados estaduais.
Na maioria dos casos, porém, a dinâmica é diferente da observada no gabinete da Professora Bebel. Geralmente, quando um sócio da empresa assume um cargo de assessor parlamentar, a companhia deixa de prestar serviços ao deputado. O contrário também ocorre: a contratação da empresa costuma acontecer apenas após o desligamento de seu sócio da Alesp.
Deputado estadual contrata empresa ligada a ex-secretários do pai
O deputado estadual Capitão Telhada (PP) é outro que escolheu uma empresa ligada a aliados para prestar serviços de comunicação ao seu mandato. Entre 2023 e 2025, a I9 Marketing e Mídia Digitais recebeu R$ 220 mil do gabinete do ex-policial militar para a divulgação de sua atividade parlamentar.
Com sede em Brasília, a I9 está ligada a Luís Fernando da Rocha Araújo, atual sócio-administrador da empresa, e a Antônia Daniele Melo Araújo, que anteriormente ocupou o mesmo cargo. Ambos trabalharam como secretários parlamentares do Coronel Telhada (PP-SP), pai do Capitão Telhada, na Câmara dos Deputados.
Além disso, parte do período em que Araújo atuou como assessor do Coronel Telhada coincidiu com o tempo em que a I9 prestou serviços ao gabinete do Capitão Telhada. No entanto, nessa época, ele não ocupava a função de sócio-administrador da companhia.
Em nota, o deputado estadual afirmou que a contratação foi aprovada pelo órgão responsável da Alesp, seguindo todos os preceitos legais. Já a I9 negou qualquer favorecimento, destacando que os sócios mencionados nunca tiveram nomeação ou vínculo formal com o gabinete Capitão Telhada ou com a Assembleia Legislativa (mais informações abaixo).
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A rede de favorecimento que se formou na Alesp vai além da contratação de empresas ligadas a aliados. O então deputado estadual Gerson Pessoa (Podemos), atualmente prefeito de Osasco, desembolsou R$ 473 mil entre 2023 e 2024 no aluguel de um imóvel pertencente a um integrante de seu círculo político.
Durante seu mandato na Alesp, Pessoa pagava mensalmente R$ 22 mil a Thiago Borges Batista pelo aluguel do espaço. Hoje, Batista ocupa o cargo de secretário municipal de Esporte na gestão de Gerson Pessoa. Porém, sua nomeação foi feita pelo ex-prefeito e padrinho político de Pessoa, Rogério Lins (Podemos), em abril de 2024.
Nas eleições de 2024, enquanto recebia os pagamentos pelo aluguel, Batista fez campanha para Pessoa em suas redes sociais, publicando conteúdos no Instagram em apoio ao aliado político.
Em nota enviada pela Prefeitura de Osasco, Pessoa afirma que a locação do imóvel seguiu critérios de mercado e as normas da Alesp, sem qualquer favorecimento (mais informações abaixo).
Prática pode configurar conflito de interesses e favorecimento, dizem especialistas
Welington Arruda, advogado, mestre em Direito pelo IDP e especialista em Gestão Pública, alerta que a contratação da empresa de um assessor pode configurar conflito de interesses e favorecimento. “Se o assessor faz parte do gabinete e exerce influência sobre contratos, como garantir que sua empresa foi contratada por mérito e não por relações pessoais?”, questiona.
Ele explica que, dependendo do contexto, a situação pode caracterizar improbidade administrativa, sujeitando o responsável a multas, perda de mandato e outras sanções. Em casos mais graves, pode até configurar peculato, caso haja comprovação de desvio de verba pública.
A advogada Aislane Vuono, sócia do escritório Ferreira & Vuono Advogados, concorda com Arruda que a contratação de empresas ligadas a assessores por deputados da Alesp pode ferir os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade.
Ela ressalta que, mesmo sem a exigência de licitação, o uso de verbas parlamentares deve obedecer a esses princípios “Quando parlamentares empregam empresas ligadas a seus próprios assessores ou parentes de aliados políticos, surgem suspeitas de favorecimento e possível violação da Lei de Improbidade Administrativa”, avalia.
Em relação ao caso do deputado que alugou um imóvel de um aliado com recursos públicos, Welington Arruda explica que é necessário verificar se o valor do aluguel foi superfaturado ou se há uma justificativa técnica adequada. O Estadão solicitou detalhes do contrato de locação à Alesp, já que a Casa não o disponibiliza por iniciativa própria, mas não obteve retorno.
“Neste caso, já estamos lidando com possível desvio de recursos públicos, o que pode resultar em devolução do montante ou, em casos mais graves, acusação de peculato, que prevê pena de 2 a 12 anos de reclusão.”
Deputados negam irregularidades ou favorecimento de aliados
Em nota enviada ao Estadão, a Professora Bebel afirmou que a contratação do CCN Notícias ocorreu com base em critérios objetivos e na capacidade do veículo de ampliar a divulgação das ações do mandato junto ao eleitorado.
“Os serviços de assessoria parlamentar prestados pelo Sr. Walmir Siqueira não se confundem, em absolutamente nada, com os serviços do Coletivo de Comunicação Norte Notícias, que conta com outros sócios”, diz o texto.
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A nota também ressalta que todas as contratações realizadas por deputados passam pela análise do Núcleo de Fiscalização e Controle (NFC) da Alesp, responsável por examinar as prestações de contas dos parlamentares e autorizar os pagamentos.
Já o Capitão Telhada afirmou, em nota, que a empresa I9 Marketing presta serviços de comunicação por meio de um contrato aprovado pelo NFC, em conformidade com as normas legais e administrativas.
O texto enviado pelo deputado ainda “esclarece que não existe qualquer relação das pessoas físicas do quadro societário da referida empresa com nosso gabinete ou com a Casa Legislativa, nem como assessores ou outro cargo comissionado”.
A I9 Marketing também se manifestou, afirmando que os sócios mencionados pela reportagem nunca tiveram nomeação ou vínculo formal com o gabinete do deputado Capitão Telhada ou com a Alesp.
A nota destaca ainda que, durante o período em que os sócios atuaram em gabinetes parlamentares, eles foram desligados da empresa, e a saída da sociedade ocorreu dentro dos prazos estabelecidos pela legislação.
“A relação profissional com a família Telhada iniciou-se há mais de 10 anos, quando o sócio Luís Araújo começou um trabalho para alavancar as redes sociais do Coronel Telhada, contribuindo efetivamente para suas duas eleições posteriores”, diz a nota.
O texto acrescenta que “é natural, assim, dada a confiança em seu trabalho, que o mesmo serviço fosse estendido à comunicação do deputado Capitão Telhada”.
O ex-deputado e atual prefeito de Osasco, Gerson Pessoa, negou qualquer favorecimento. Em nota enviada pela administração municipal, afirmou que o imóvel foi alugado pelo valor de mercado, escolhido com base em critérios de localização e custo-benefício para atender às necessidades do gabinete.
O texto também esclarece que Batista não tem parentesco com Pessoa e que foi nomeado secretário apenas após a assinatura do contrato de locação, durante a gestão do prefeito anterior. “Por convicção, apoiou voluntariamente a candidatura de Gerson Pessoa a prefeito”, afirma a nota.