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Deputados da bancada da bala criticam Vai-Vai, que homenageou rap nacional: ‘demonizou a polícia’

Ala da escola de samba paulista tinha pessoas fantasiadas de policiais com chifres e asas do demônio; deputados alegam ‘desvalorização’ da categoria no desfile

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Foto do author Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA - Deputados federais da Frente Parlamentar de Segurança Pública da Câmara, também conhecida como bancada da bala, criticaram o desfile da escola de samba Vai-Vai por, segundo eles, “demonizar” a polícia. Procurada, a escola informou que ala homenageia o álbum “Sobrevivendo no Inferno” e ao grupo Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação (veja abaixo).

Desfile do Vai-Vai, primeira escola de samba a desfilar no carnaval paulista no sábado, entrou na mira de deputados federais de direita  Foto: Alex Silva/Estadão

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A escola foi a primeira a desfilar nesse sábado, 10, no sambódromo do Anhembi, em São Paulo. A agremiação levou o enredo “Capítulo 4, versículo 3 - Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano”. Uma das alas era composta por pessoas fantasiadas de policiais do batalhão de choque. Eles usavam chifres e asas vermelho-alaranjadas, fazendo alusão a demônios.

“A que ponto chegamos?”, questionou o deputado Alberto Fraga (PL-DF), presidente da bancada da bala e 1º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Casa.

O rap brasileiro tem origem nas periferias de São Paulo, em grupos mais afetados pela violência policial. Essa arte de rua é historicamente marginalizada por estar inserida numa agenda da população negra. Não é raro, ainda hoje, ver notícias sobre repressões, inclusive por meio do aparato policial, a esses grupos artísticos. Um dos expoentes do rap brasileiro é o cantor e compositor Mano Brown, nome à frente do Racionais MC’s e que desfilou pela escola de samba Vai-Vai neste ano.

“Lamentavelmente, vivemos uma sociedade na qual a polícia é desvalorizada e humilhada diariamente”, afirmou o deputado Sargento Portugal (Podemos-RJ), para quem a escola protagonizou um “escárnio com esses heróis anônimos da sociedade”, em referência aos policiais.

“Eu torço para que uma escola de samba que promove esse tipo de absurdo seja rebaixada. Não há justificativa para fazerem tamanha imbecilidade contra os policiais, categoria que rala diariamente, sob condições precárias, para proteger aqueles que eles nem conhecem”, prosseguiu, por sua vez, o deputado Sargento Gonçalves (PL-RN).

Pré-candidato a prefeito de São Paulo, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) disse que a agremiação recheou seu desfile de “bandidolatria” e aproveitou para atacar um de seus adversários nesta próxima campanha, o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP).

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Boulos também desfilou pela escola de samba Vai-Vai e afirmou que o enredo em homenagem ao rap nacional foi “histórico”.

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi outra autoridade que participou do desfile da escola paulista. No X (antigo Twitter), ele relembrou que seu avô paterno, Lorito, foi um dos fundadores da agremiação. “É a Escola de Samba que faz parte da história da minha família e que é uma das mais vigorosas manifestações da cultura negra da cidade de São Paulo”, disse Silvio Almeida, que nesta segunda-feira, 12, desfilará pela Portela no Rio de Janeiro.

Sindicato dos delegados de Polícia de São Paulo pede retratação

Além dos parlamentares da bancada da bala, também o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) reclamou do desfile, dizendo que a escola “tratou com escárnio a figura de agentes da lei”.

“Ao adotar tal enredo, a escola de samba, em nome do que chama de ‘arte’ e de liberdade de expressão, afronta as forças de segurança pública, desrespeita e trata, de forma vil e covarde, profissionais abnegados que se dedicam, dia e noite, à proteção da sociedade e ao combate ao crime, muitas vezes, sob condições precárias e adversas, ao custo de suas próprias vidas e famílias. É de se lamentar que o Carnaval seja utilizado para levar ao público mensagem carregada de total inversão de valores e que chega a humilhar os agentes da lei”, diz a nota.

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O Sindpesp pediu que a escola “reconheça que exagerou” e se retrate publicamente. “Não estamos falando, afinal, apenas dos policiais, sejam civis ou militares, mas, sobretudo, de uma instituição de Estado que representa e está a serviço de toda a sociedade bandeirante”, diz o texto, assinado pela presidente do Sindpesp, Jacqueline Valadares.

Escola diz que fez apenas homenagem a álbum do Racionais MCs

Em nota divulgada na noite desta segunda-feira, 12, a escola de samba Vai-Vai afirmou que levou para a avenida o enredo Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano. “Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs. Além disso, o desfile buscou homenagear e dar vez e voz aos muitos artistas excluídos que nunca tiveram seu talento e sua trajetória notadamente reconhecidos”, diz a nota da escola.

Ainda segundo a agremiação, “neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum ‘Sobrevivendo no Inferno’, dos Racionais MCs, em 1997”. Sobre o álbum, em especial, a escola enfatizou as posições de destaque adotadas pela produção e sua crítica social, inclusive tratando de racismo, miséria e desigualdade, como na faixa ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru”.

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“Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento”, argumenta.

Por fim, a escola de samba Vai-Vai diz que “neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica”.

“Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundo, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. Ou seja, o que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile”, conclui a nota da agremiação.

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