Deputados ‘mudam de cor’ para disputar eleição este ano

Candidatos pretos e pardos devem receber recursos proporcionais do fundo eleitoral, e voto nesses concorrentes vai contar em dobro para distribuição de verba partidária; 33 candidatos à reeleição na Câmara trocaram a cor declarada

PUBLICIDADE

Foto do author Daniel  Weterman
Foto do author Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA - Um grupo de 33 deputados candidatos à reeleição mudou de cor ao disputar a eleição deste ano. Em 2018, eles se declararam brancos e, em 2022, se apresentaram à Justiça Eleitoral como pardos. A mudança vai impactar diretamente no financiamento da campanha e na entrega de recursos públicos para os partidos a partir do próximo ano.

PUBLICIDADE

Os partidos dividem o fundo eleitoral e o tempo de TV para propaganda de forma proporcional entre negros (pardos e pretos) e brancos. Se uma legenda tem 50% dos postulantes que se identificam dessa forma, por exemplo, metade dos recursos deve ser direcionada a essas candidaturas.

Outra regra, aprovada pelo Congresso em 2021, vai aumentar a quantidade de verba para partidos com candidatos negros que obtêm mais votos para deputado. O voto dado para esse grupo vai contar em dobro na distribuição do Fundo Partidário e do fundo eleitoral nos próximos anos, até 2030. Não significa que um voto vai valer dois na apuração do resultado das urnas, mas terá o efeito dobrado no cálculo dos recursos, que leva em conta o resultado obtido no pleito para a Câmara.

Deputado Professor Israel, do PV, declarou-se branco na disputa de 2018 e mudou para pardo em 2022. Foto: Reprodução

Os deputados Professor Israel (PSB-DF), Heitor Freire (União-CE), José Rocha (União-BA) e Luís Miranda (Republicanos-DF), por exemplo, declararam-se em 2018 como brancos. Agora, registraram ser pardos. A declaração de raça e cor é feita no registro das candidaturas, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por convenção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra inclui pretos e pardos.

Publicidade

O Ministério Público Eleitoral do Piauí encaminhou uma recomendação aos diretórios dos partidos no Estado alertando sobre os efeitos da declaração. No documento, a procuradoria cita os impactos do voto em dobro e avisa que os candidatos podem responder por crime de falsidade ideológica eleitoral caso seja constatada fraude na declaração.

Na recomendação, o Ministério Público afirma que “os dados relacionados à cor e raça” terão efeitos jurídicos e econômicos relevantes a partir das eleições de 2022, justamente por causa da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui o voto em dobro. Além disso, a procuradoria recomendou que os partidos adotem providências para “retificar os dados dos/das deputados(as) federais com mandato em curso, para que estes sejam compatíveis com as reais declarações de cor e raça feitas pelos(as) parlamentares”.

Deputado Heitor Freire também se declarou branco na eleição de 2018 e mudou para pardo na disputa a reeleição este ano. Foto: Reprodução

O advogado Cristiano Vilela, integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo, afirmou que a mudança na declaração pode significar uma autoaceitação do candidato ou mesmo uma estratégia que busca meramente a obtenção de mais recursos. A fraude, neste caso, pode levar à cassação do registro, mas o julgamento não é objetivo e deixa lacunas.

“Vivemos em um país extremamente miscigenado. Evidentemente, casos grotescos podem ser punidos com o rigor que a situação merece, mas existem situações tão limítrofes e vejo com preocupação a possibilidade de o voto popular ser jogado no lixo por conta de interpretações”, disse o especialista.

Publicidade

Heitor Freire (União-CE) atribuiu a declaração de branco em 2018 ao PSL, partido no qual concorreu naquela eleição, e afirmou que se declarou como pardo em 2022 e em outras eleições por assumir e ter orgulho de sua descendência. “Não é uma questão de cota, mas de descendência, e me orgulho disso”, afirmou.

José Rocha (PL-BA) também afirmou que a declaração da campanha atual diz respeito à sua característica. “Sou pardo mesmo, meu avô materno é descendente de escravo”. Professor Israel declarou, por meio da assessoria, que “é filho de mãe preta e pai branco, e por isso se classifica e se autodeclara como pardo”.

De uma eleição a outra, o deputado Luís Miranda mudou de “cor”, de partido e até de estado pelo qual se candidata à reeleição. Eleito pelo DEM do DF, agora concorre pelo Republicanos de São Paulo. Havia se autodeclarado branco e mudou para pardo. “Eu tenho o cabelo pretinho, me considero moreno. Moreno claro, mas moreno. Eu preenchi a ficha e coloquei pardo. Agora que você veio me perguntar que eu descobri que na outra vez foi ‘branco’. Eu não preenchi nada daquela época, eu morava nos Estados Unidos. Quem preencheu foi um procurador que eu contratei para registrar minha candidatura”, alegou.

Deputado Luís Miranda mudou de cor de uma eleição para outra. Em 2018, declarou-se branco. Este ano, pardo; ele também mudou o domicílio eleitoral e o partido. Foto: Reprodução

Durante a pandemia, Miranda foi o parlarmentar que, junto com um irmão servidor do Ministério da Saúde, prestou depoimento na CPI da Covid denunciando ter relatado ao presidente Jair Bolsonaro suspeitas de fraude em compras do governo, mas a denúncia foi ignorada.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.