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Deputados na Alesp homenageiam Arautos do Evangelho, grupo acusado de abusos contra adolescentes

Gil Diniz diz que maior parte das denúncias foram arquivadas; entidade afirma ser vítima de perseguição religiosa

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Foto do author Pedro Augusto Figueiredo
Atualização:

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) homenageou na segunda-feira, 23, o grupo católico Arautos do Evangelho, acusado pela Defensoria Pública de violar direitos de crianças e adolescentes que estudam em regime de internato na entidade. Segundo o órgão, há relatos de tortura física e psicológica contra os alunos. A homenagem foi feita a pedido do deputado bolsonarista Gil Diniz (PL-SP). Deputados estaduais, entre eles o presidente André do Prado (PL), e duas secretárias do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) fizeram discursos elogiosos ao grupo.

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O fundador da entidade, João Clá Dias, foi agraciado com o Colar de Honra ao Mérito, maior honraria da Alesp. Ele não estava presente e a condecoração foi entregue a outros representantes. Ele renunciou ao cargo de superior geral dos Arautos em 2017 após um jornal italiano noticiar que a instituição seria investigada pelo Vaticano.

Após questionamento do Estadão, Gil Diniz usou a tribuna do Legislativo paulista para defender o trabalho religioso e social feito pelos Arautos do Evangelho. “A maioria das denúncias (foi) arquivada por falta de provas. (Foram feitas) Por adversários hoje desta obra, por ex-integrantes que não dizem quem cometeu algo ilícito, onde e quando. Várias denúncias infundadas, inclusive com denunciantes sendo condenados e outros fazendo acordo em juízo e pedindo pelo amor de Deus para não serem processados e voltando atrás das denúncias”, disse ele, afirmando estar fazendo o discurso após ser procurado pela reportagem.

Deputado Gil Diniz (PL-SP) discursa durante homenagem da Alesp aos Arautos do Evangelho Foto: Bruna Sampaio / Alesp

A reportagem procurou os Arautos do Evangelho no número de telefone disponível no site da instituição. Uma funcionária atendeu e orientou que demandas de imprensa deveriam ser feitas por e-mail. Além do endereço fornecido, o Estadão enviou a demanda também em outros dois endereços. No entanto, não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Em manifestações anteriores à imprensa, a entidade negou as denúncias e se disse vítima de perseguição religiosa e de uma campanha de difamação perpetrada por desafetos. “Sobre as demais ilações acerca de outros crimes hipotéticos, é possível atestar que até o presente momento nenhum tribunal civil ou eclesiástico, pátrio ou estrangeiro, veio a declarar que a associação ou qualquer um de seus membros tenha praticado qualquer tipo de delito”, diz a entidade em nota divulgada em seu site em abril de 2022.

Os Arautos do Evangelho são uma associação de direito pontifício reconhecida pelo Vaticano desde 2001 e presente em 78 países. No Brasil, a sede fica no município paulista de Caieiras e há 15 escolas espalhadas pelo país. Em 2019, reportagens veiculadas pelo portal Metrópoles e depois pelo Fantástico revelaram denúncias contra a associação. Vídeos veiculados na TV Globo mostram o fundador, João Clá Dias, batendo com uma folha de papel no rosto de uma garota enquanto exige que ela faça votos de castidade, obediência e pobreza.

Em outra gravação exibida no programa, um integrante do grupo lê um suposto interrogatório de um demônio que afirma ter controle sobre o papa Francisco. A divulgação do vídeo levou à abertura de investigação pelo Vaticano, a renúncia de Clá Dias e a nomeação, em 2019, do cardeal Raymundo Damasceno Assis, como uma espécie de interventor na entidade.

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Defensor público: falta efetividade ao Estado para proteger crianças e adolescentes

No Brasil, a Defensoria Pública de São Paulo ajuizou uma ação em 2022 contra os Arautos do Evangelho. O processo, que tramita em segredo de justiça no Tribunal de Justiça de São Paulo, reúne depoimentos de cerca de 50 vítimas, além de vídeos e documentos. De acordo com o defensor público Daniel Palotti Secco, o material aponta a violação de direitos de crianças e adolescentes.

“Muitas vítimas relatam tortura física e psicológica, há relato de abuso sexual e de uma atuação deliberada da instituição com a finalidade de romper os vínculos familiares e comunitários e impedir a comunicação dos adolescentes com suas famílias”, disse ele ao Estadão. Na nota divulgada em abril do ano passado, os Arautos afirmam que a denúncia de estupro foi arquivada após a Polícia Civil e o Ministério Público atestarem “a absoluta inconsistência da alegação”.

Sem comentar especificamente a homenagem feita pela Alesp, o defensor público disse que é preocupante a “falta de efetividade” do poder público para lidar com o caso. “Infelizmente, o que a gente percebe é que o Estado falhou e continua falhando na proteção de crianças e adolescentes”, disse Secco.

Deputados, autoridades e membros dos Arautos do Evangelho lotaram plenário e galerias da Alesp Foto: Bruna Sampaio / Alesp

Secretária de Tarcísio parabeniza grupo religioso

A solenidade na Alesp contou com a presença de outros deputados bolsonaristas, como Major Mecca (PL), Lucas Bove (PL) e Tomé Abduch (Republicanos). Rogério Santos (MDB) e Delegado Olim (PP) também compareceram. Secretária de Políticas para Mulheres no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), Sonaira Fernandes também participou da homenagem e disse que conheceu os Arautos do Evangelho por meio de Gil Diniz. Os dois trabalharam como assessores do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ela parabenizou o grupo católico pelas ações desenvolvidas e pela disciplina.

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“As perseguições não podem parar iniciativas como essas, tampouco interromper trabalhos missionários, de resgate’, discursou Sonaira. A assessoria de imprensa da secretária disse que ela não fez qualquer avaliação sobre a ação que segue em tramitação na Justiça contra os Arautos do Evangelho. “As falas da titular da pasta durante o evento dizem respeito apenas à defesa da liberdade à crença e manifestação religiosa”, diz a nota.

A secretária de Cultura do governo paulista, Marilia Marton, também elogiou o grupo fundado por João Clá Dias. “A missão do Arautos, que é o grande mensageiro da palavra de Deus, que é importante para que os nossos jovens tenham esse contato e aprendam a ter mais fé numa vida que a gente sabe que está cada vez mais difícil”, discursou ela.

Secretárias estaduais, Marilia Marton e Sonaira Fernandes (de azul) estiveram presentes na homenagem na Alesp Foto: Bruna Sampaio/Alesp

Ao Estadão, Marton disse que o que pesam contra os Arautos “são denúncias, não condenações” e que como secretária defende a liberdade de expressão cultural. Ela destacou que o grupo religioso também promove atividades culturais para os jovens, como orquestra, banda e coro.

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A secretária disse que tenta participar de eventos das mais diversas manifestações culturais, inclusive de diferentes religiões. “Eu tenho denúncia aqui de museu todos os dias. Vem aqui na Ouvidoria que você vai ouvir várias. A gente apura as denúncias. Às vezes elas têm fundamento, outras não”, disse Marilia Marton.

“Houve, inclusive, uma decisão do Vaticano que não era mais para ter escolas e agora essa decisão já foi revogada. Isso significa que os Arautos hoje já podem desenvolver as atividades educacionais que eles já desenvolviam. Eu não conheço o assunto, estou falando pelas mesmas informações que você tem, (mas isso) significa que de uma certa forma o próprio Vaticano deve ter feito alguma apuração para ter voltado atrás”, continuou a secretária de Cultura.

Presidente da Alesp, André do Prado afirmou durante o evento que era uma honra receber os membros dos Arautos no Legislativo paulista. “Monsenhor João Clá Dias tem sido um farol de sabedoria, compaixão e liderança espiritual. Seu compromisso com a fé, sua dedicação incansável ao serviço da igreja e sua capacidade de unir as pessoas são verdadeiramente inspiradores”, disse.

Em nota, a assessoria de imprensa de Prado disse que ele participou como convidado da homenagem e que coube a Gil Diniz presidir a sessão solene. “Sobre as denúncias envolvendo a instituição, o presidente tem conhecimento apenas das notícias divulgadas pela imprensa. Ele não tem vínculo com a instituição. Na medida do possível, o presidente tem participado das sessões solenes propostas pelos parlamentares como aconteceu em outras ocasiões recentemente”, continuou o texto.

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