BRASÍLIA – Deputados decidiram ir à Justiça pedir a nulidade de um ato da Fundação Nacional do Índio (Funai) que alterou o processo de certificação de imóveis rurais, permitindo que esses sejam reconhecidos mesmo quando estiverem em conflito com áreas de terras indígenas em processo de reconhecimento, mas sem a homologação presidencial.
A mudança polêmica fragiliza o reconhecimento de 237 processos de demarcação de terras indígenas pendentes de homologação por decreto, última fase que precede de estudos técnicos. Na Funai, há registro de processos iniciados na década de 80 que ainda não foram finalizados ou casos de demarcações em que os processos sequer foram abertos.
O pedido de nulidade ou a suspensão dos efeitos da instrução normativa 9/2020 foi feito por meio de uma ação popular assinada pelos deputados Enio José Verri (PT-PR), Nilto Tatto (PT-SP), Rosa Neide (PT-MT), João Daniel (PT-CE) e Paulo Pimenta (PT-RS). O alvo da ação é o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier.
Na ação, os deputados afirmam que há “prática de conduta lesiva aos direitos indígenas”, uma vez que a instrução estabelece que apenas as terras homologadas poderão constar no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), a base de dados eletrônicos do Incra que reúne as informações oficiais sobre limites dos imóveis rurais.
Quando os imóveis não estão sobrepostos às áreas privadas, às unidades de conservação ou terras indígenas, a propriedade é cadastrada no sistema e o interessado obtém uma certidão, expedida eletronicamente e automática. Sem essa certidão, o dono da terra pode sofrer restrições para desmembrar, alienar, transigir ou dar a terra em garantia de eventuais empréstimos pessoais junto às instituições de crédito, por exemplo. Ocorre que agora esse registro está liberado e pode afetar diretamente as terras já reconhecidas pela própria Funai, mas que aguardam homologação presidencial.
O presidente Jair Bolsonaro já disse reiteradas vezes que, em seu mandato, não haverá nenhuma nova demarcação de terra indígena. O que a instrução normativa pode fazer, na prática, é inviabilizar, inclusive, direitos já reconhecidos pelo próprio governo anteriormente.
”Pretensos ocupantes de terras poderão licenciar qualquer tipo de obra ou atividade, como, por exemplo, atividades que importe em desmatamento e venda ilegal de madeira. Tudo isso completamente dissociado dos direitos e interesses coletivos dos povos indígenas”, afirmam os deputação na ação.
A mudança, afirmam, “constitui verdadeiro retrocesso a permitir que se escancare a grilagem de terras em áreas indígenas, vulnerabilizando ainda mais essas comunidades e acentuando de forma significativa os conflitos já existentes”.
O mentor da medida é o secretário de política fundiária do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia. Dez dias atrás, quando a mudança foi anunciada, Nabhan foi às redes sociais, ao lado de Marcelo Xavier, da Funai, para afirmar que “o governo Bolsonaro fez justiça a milhares de proprietários rurais, excluindo-os da chamada “lista suja” do Sigef. Propriedades que não são terras indígenas não podem restringir seus proprietários! Promover justiça no levar a pacificação no campo”.
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