BRASÍLIA – Ao tomar posse em janeiro de 2023, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se juntará a uma leva de lideranças no continente americano que venceram candidatos de direita por margens estreitas e se depararam com o desafio de governar um país polarizado. Gustavo Petro na Colômbia, Pedro Castillo no Peru e Gabriel Boric no Chile enfrentam, agora, baixa popularidade e mau desempenho da economia. Lula também começará sob contexto desfavorável, mas o tamanho e a relativa estabilidade do Brasil jogam a favor do petista, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão.
Em muitos aspectos, a situação não é diferente nos Estados Unidos. O Partido Democrata, do presidente Joe Biden, acabou conseguindo a maioria no Senado após as eleições legislativas de meio de mandato, as chamadas “midterms”, realizadas na terça-feira, 8. O cenário era considerado improvável em razão das dificuldades enfrentadas por Biden, principalmente por causa da alta do custo de vida. Os republicanos, por sua vez, se aproximaram do controle da Câmara, mas por uma margem menor do que a esperada. Caso aliados do ex-presidente Donald Trump confirmem a retirada da Câmara das mãos dos democratas, a tendência é que projetos de Biden sofram ainda mais resistência.
No último dia 30, Biden foi um dos primeiros chefes de Estado a cumprimentar Lula pela vitória, apenas 38 minutos depois do anúncio oficial. Apesar das boas-vindas, porém, o contexto internacional que espera o presidente brasileiro não é fácil: no rescaldo da pandemia de Covid-19, o mundo convive com a diminuição do comércio internacional, juros elevados nos Estados Unidos, desaceleração do crescimento chinês e uma recessão a caminho da Zona do Euro.
Antes mesmo de assumir o poder na esteira de uma nova “onda rosa”, presidentes de países vizinhos já enfrentavam a ameaça de impeachment por não terem maioria no Parlamento. Lula também chega ao Palácio do Planalto com a necessidade de construir uma frente de apoio no Congresso, mas começa o governo ao lado de antigos oponentes, como o próprio vice Geraldo Alckmin (PSB), a senadora Simone Tebet (MDB), e após se reconciliar com a deputada eleita Marina Silva (Rede-SP), que foi ministra do Meio Ambiente em seu primeiro mandato. Contará, ainda, com o apoio de nomes influentes no mercado financeiro e com o interesse do Centrão de ficar onde sempre esteve: no sistema do “toma lá dá cá” com o Planalto.
Ministro das Relações Exteriores no governo de Michel Temer (MDB), o ex-senador Aloysio Nunes (PSDB) afirma que o País tem mais mecanismos para resolver impasses do que os vizinhos, apesar das semelhanças. “O Brasil tem um desenvolvimento institucional mais sofisticado”, observou Aloysio. “Nós temos tribunais independentes, órgãos de controle, uma profusão de meios de comunicação. Tudo isso torna a política brasileira mais sofisticada e com mais recursos para enfrentar e resolver os impasses.”
O tamanho da economia é outro diferencial em relação aos vizinhos. “O Brasil é muito grande. É difícil até de comparar com esses três outros países”, argumentou o professor de Política Internacional Tanguy Baghdadi, numa referência a Colômbia, Peru e Chile.
Criador do podcast Petit Journal, Baghdadi disse que qualquer movimento que se consiga fazer no Brasil, de distribuição de renda, por exemplo, tem um impacto muito grande. “O Brasil tem como vantagem o fato de ser uma potência regional, a economia mais dinâmica da região”, destacou.
Especialista em Política Internacional, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes avalia que a América Latina não vive uma virada à esquerda, mas, sim, uma reação à má gestão da pandemia de Covid por parte de governantes de direita. “Mesmo nesses países onde a esquerda venceu, algum nível de composição foi necessária. No Chile e no Brasil, claramente (com a vitória de Lula)”, constatou Lopes. “Como esse arco de aliança é muito amplo, acho difícil até falar em predomínio da esquerda. São (governos) do centro para a esquerda. É algo mais diluído do que no começo do século XXI”, completou.
Impeachment
Ao contrário de alguns de seus pares na América Latina, e de Joe Biden, Lula indica desde antes da vitória que buscará montar um governo amplo de coalizão. Não foi o que ocorreu no Peru.
Dos governantes da vizinhança, nenhum enfrenta uma oposição mais agressiva do que Pedro Castillo: atualmente, ele é desafiado pelo terceiro pedido de impeachment, apresentado em agosto. A alegação, levantada pela Comissão de Acusações Constitucionais, é a de que o presidente teria cometido crime de traição ao considerar a possibilidade de referendo para dar à Bolívia uma saída para o mar. Em outra frente, o Judiciário investiga a mulher de Castillo e dois de seus irmãos. Em meados de abril, um juiz chegou a proibir a primeira-dama de sair do país.
Castillo conquistou a presidência do Peru em julho. No segundo turno, derrotou a política conservadora Keiko Fujimori, filha do ex-ditador peruano Alberto Fujimori, por menos de 0,2% dos votos – ele obteve 50,13% e Keiko, que concorria pelo partido Força Popular, 49,87%. Em números absolutos, Castillo ficou com apenas 44,2 mil votos a mais do que Keiko num país com 33 milhões de habitantes, aproximadamente.
Nos Estados Unidos, Biden chega ao meio do mandato com a popularidade em baixa. Segundo pesquisa do instituto Ipsos divulgada no fim de outubro, apenas 39% dos americanos aprovam o seu governo. Números como este preocupam o comando do partido porque, se perder maioria na Câmara, Biden pode se transformar num “pato manco”: um presidente que segue no cargo, mas sem governar de fato.
Ex-presidente do Parlamento do Mercosul e da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP) diz que Lula deverá lançar mão de ferramentas tradicionais da política externa, como a pauta ambiental. O presidente eleito viaja para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 27), no Egito, nesta segunda-feira, 14.
“Ele já anunciou compromissos nessa área. Países como a Noruega já disseram que voltarão a fazer investimentos no Fundo Amazônia”, disse Chinaglia. “Alguns não perceberam ainda, mas o desenvolvimento sustentável é hoje uma bandeira que até os americanos levantam, sob Joe Biden.”
Turbulências
Na Colômbia, o economista e ex-guerrilheiro Gustavo Petro, 62, foi escolhido candidato de uma coalizão de partidos em março. Foi eleito em 19 de junho pelo partido Colombia Humana, depois de vencer um segundo turno apertado contra o candidato da direita, o empresário Rodolfo Hernández, que concorria pela Liga de Governantes Anticorrupção.
No segundo turno, Petro recebeu 50,4% dos votos e o adversário ficou com 47,3%. Em 7 de agosto, ele se tornou o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, um país tradicionalmente governado por conservadores e alinhado aos EUA no plano internacional.
Empossado em 7 de agosto, Petro enfrenta um começo de governo turbulento: hoje, 40% da população desaprova o governo, embora sua gestão conte com a simpatia de 46%. No Legislativo há má vontade com o projeto de reforma tributária apresentada por Petro e, recentemente, o dólar atingiu valor recorde frente ao peso colombiano.
No Chile, Gabriel Boric, com apenas 36 anos, tomou posse em março como o presidente mais jovem da história do país. Antes dele, o presidente mais novo no continente americano havia sido o brasileiro Fernando Collor, que foi empossado aos 40 anos e sofreu impeachment com 42.
Boric chegou ao poder após derrotar o candidato de extrema-direita, José Antonio Kast. No segundo turno, em 19 de dezembro de 2021, Boric teve 55,87% dos votos e Cast, 44,13%. Ao assumir o governo, o jovem presidente herdou uma crise econômica do antecessor – o conservador Sebastián Piñera – , um conflito com o povo indígena Mapuche, no sul do país, e uma concentração de imigrantes ilegais, vindos da Bolívia ao norte. O país vizinho é governado por outro presidente esquerdista, o economista Luís Arce.
Em setembro, Boric viu a maioria dos chilenos rejeitar o projeto da nova Constituição do país, no qual seu partido, chamado Convergência Social, havia apostado. Diante das dificuldades, o governo está se tornando impopular rapidamente: no fim de outubro, 68% dos chilenos rejeitavam a gestão Boric – apenas 26% aprovam sua administração. Nada menos do que 52% dos chilenos estão pessimistas com o futuro do país – o nível mais alto desde janeiro de 2015 – e 92% acreditam que a economia está parada ou retrocedendo, segundo o Instituto Cadem.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.