BRASÍLIA - A ordem do Palácio do Planalto é “desmilitarizar” a Esplanada dos Ministérios. Nos primeiros dias de governo, a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a retirar militares da ativa e da reserva de cargos políticos. O processo atinge integrantes das Forças Armadas, policiais e mulheres e filhos de oficiais nomeados em postos-chave pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que serão repassados a apadrinhados de partidos aliados.
Bolsonaro foi o presidente que mais nomeou militares no primeiro escalão, até mesmo na comparação com governos da ditadura, como Castelo Branco (1964-1967), primeiro presidente do ciclo militar. O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou 6.157 oficiais ocupando cargos comissionados em funções civis em 2020 – o dado mais recente representa mais que o dobro da quantidade verificada em 2016 (2.957), quando o PT deixou o poder com o impeachment de Dilma Rousseff.
A presença de militares em cargos políticos foi mais perceptível nas áreas social e ambiental, além de postos diretamente subordinados à Presidência da República.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou ao Estadão que militar só permanecerá em cargo civil a pedido direto de algum ministro. “Temos todos os nomes. Todos (os militares) que estavam em cargos de natureza civil, em funções não militares, de nível 5 para cima, inclusive, já saíram.”
Um dos exonerados no primeiro dia de governo foi o tenente-coronel do Exército Reginaldo Ramos Machado, nomeado por Bolsonaro para a Secretaria Especial de Saúde Indígena, órgão do Ministério da Saúde. O substituto será o advogado Weibe Tapeba, vereador do PT em Caucaia (CE), o primeiro indígena a comandar a secretaria.
Também foi demitido o tenente-coronel Samuel Vieira de Souza, que era assessor especial no Ministério do Meio Ambiente e havia ocupado uma diretoria no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Agora, as funções deverão ser entregues prioritariamente a ambientalistas e políticos.
Outra exonerada no primeiro dia do governo Lula foi a mulher do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha no governo Bolsonaro. Selma de Pinho ocupava um cargo de confiança na Secretaria-Geral da Presidência da República.
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Pente-fino
A troca é comandada por Costa. A ex-ministra do Planejamento e atual secretária executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, foi escalada para fazer o pente-fino em todos os cargos comissionados do governo, incluindo os militares. A maioria dos despachos é assinada por Costa, mas outros ministros também têm participado do processo.
Na primeira semana, o governo se concentrou em substituir os cargos de comando, no primeiro e no segundo escalões. A partir desta semana, até o fim do mês, a meta é definir os demais cargos.
Diante da disputa por vagas e da resistência de militares a deixar os cargos, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, foi encarregado de acalmar as Forças Armadas. Em seu discurso de posse, ele sinalizou para uma tentativa de tentar conciliar os interesses do novo governo. “Juntos, de forma harmoniosa, fraterna e leal, poderemos dar continuidade, enaltecer e aprimorar os inestimáveis serviços que as Forças Armadas têm prestado ao Estado e à sociedade”, afirmou.
Farda
A “desmilitarização” do governo foi alardeada pelo próprio Lula antes mesmo do início oficial da campanha eleitoral. Em abril do ano passado, durante um evento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), ele prometeu tirar militares dos cargos políticos.
“Vamos começar o governo sabendo que temos que tirar quase oito mil militares que estão em cargos de pessoas que não prestaram concurso. Vamos ter que tirar”, afirmou. O número citado pelo presidente na ocasião não é preciso.
Agora no governo, as exonerações são justificadas com o argumento de que a farda não é mais critério de nomeação. A avaliação política é a de que alardear essa operação passaria uma mensagem de que os militares estão sendo desprestigiados, o que, estrategicamente, não é interessante para o petista num momento de composição, quando ele mesmo tenta pacificar a relação nas Forças Armadas.
A militarização no governo Bolsonaro
A exoneração de militares abre espaço para partidos que ainda não conseguiram cargos significativos no novo governo, como o Cidadania, o PV e o Avante. A criação de ministérios, com redistribuição de cargos, e os acenos de Lula para outros partidos aumentaram a pressão por nomeações, que passarão a ser coordenadas pela Casa Civil.
“As conversas estão rolando em vários cantos”, disse o ministro da Integração Nacional, Waldez Góes, ao falar da negociação das vagas com as legendas. “Sobre os militares, aí é com o presidente.”
Aliança
O PT e os demais partidos que fecharam uma aliança política com Lula para dar uma base de apoio inicial ao novo governo querem as vagas loteadas por militares. Um exemplo é a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), comandada até dezembro pelo general Algacir Polsin. O militar deixou o cargo junto com Bolsonaro. O posto é cobiçado pela bancada do Amazonas.
“A mudança é da água para o vinho”, afirmou o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP). Ele foi convidado para compor a equipe da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. “O problema não são os militares, mas a necessidade de ter gente que entenda do tema”, disse.
A troca também é realidade no primeiro escalão. Lula terá apenas um militar como ministro: o general Marco Gonçalves Dias, no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Quando assumiu, em 2019, Bolsonaro levou sete militares para despachar no Planalto, entre eles os generais Augusto Heleno (GSI), Luiz Eduardo Ramos (Relações Institucionais) e Walter Braga Netto (Casa Civil), que foi candidato a vice de Bolsonaro neste ano. Os três deixaram o governo alinhados ao discurso de Bolsonaro de não reconhecer o resultado da eleição.
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