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Desembargadores são denunciados por falsidade ideológica para esconder nepotismo

Tribunal de Justiça de Minas Gerais disse não ter conhecimento da denúncia; acusados não se manifestaram

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Foto do author Pedro Augusto Figueiredo

A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou três desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) pelo crime de falsidade ideológica. Eles são acusados de falsificarem avaliações de desempenho para esconder que a servidora Caroline Coelho, também denunciada, trabalhou no gabinete do pai dela, o desembargador Geraldo Coelho, por mais de seis anos, entre outubro de 2014 e novembro de 2020, o que configura nepotismo. Todos os quatro fecharam acordo de não persecução na esfera cível no ano passado e agora se defenderão no âmbito criminal.

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Os desembargadores e a servidora foram procurados por meio do TJ-MG, mas não se manifestaram sobre as acusações. Já o tribunal afirmou que não tem conhecimento da denúncia e que todo processo “deve seguir sob o rito do contraditório e da ampla defesa”. A íntegra da nota enviada ao Estadão está no final do texto.

A denúncia foi apresentada no final de junho, mas não há registro público de decisão sobre o caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O tribunal informou que o processo pode tramitar em segredo de justiça.

Segundo denúncia, o desembargador Geraldo Domingos Coelho permitiu que a filha, Caroline Coelho, atuasse em seu gabinete; ele é acusado de falsificar avaliações de desempenho para esconder o nepotismo Foto: TJ-MG/Divulgação

Servidora concursada do tribunal, Caroline Coelho foi nomeada para o cargo comissionado de assessora jurídica no gabinete do desembargador José Geraldo da Fonseca. Ele assinou avaliações de desempenho dela em cinco ocasiões. O então juiz e hoje desembargador Octávio Neves substituiu temporariamente Fonseca entre 2018 e 2020 e também assinou duas avaliações de desempenho de Caroline.

A PGR sustenta, porém, que os dois desembargadores inseriram informações falsas em documentos públicos porque não tinham competência para avaliar o desempenho da servidora, já que na prática ela trabalhava no gabinete do pai.

Ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador Octávio Neves disse que as avaliações de desempenho de Caroline Coelho assinadas por ele “foram fruto de um esforço de cognição, pautado na leitura de peças produzidas pela servidora, de sua assiduidade ao trabalho (também aferida) e outros aspectos comportamentais de seu dia-a-dia”.

Servidora não ‘logou’ nos computadores do gabinete que estava lotada

Ainda de acordo com a acusação, as avaliações foram preenchidas pela própria Caroline e apenas assinadas pelos desembargadores. Os documentos foram encontrados em seu computador, dentro do gabinete do pai. Conforme os documentos, a servidora era “pontual e preparada”, elaborava “votos, decisões e despachos em processos judiciais” e atendia “de forma cortês” os usuários dos serviços do TJ-MG.

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“Essas favoráveis foram atestadas sem que a servidora tenha sequer ‘logado’ ou ingressado nos computadores do Sistema Themis no gabinete de José Geraldo Saldanha da Fonseca”, escreveu o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, autor da denúncia.

Para compensar a cessão da filha, o desembargador Geraldo Coelho cedeu informalmente uma assessora de seu gabinete para atuar junto ao desembargador José Geraldo da Fonseca. Apesar disso, continuou assinando as avaliações de desempenho dela e, por isso, também foi acusado de falsificar documentos públicos. A servidora não foi denunciada.

Todos os acusados continuam atuando normalmente no TJ-MG. A exceção é José Geraldo da Fonseca, que se aposentou em janeiro. Caroline Coelho deixou o cargo comissionado em novembro de 2020 após investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O último salário líquido dela no posto foi R$ 22 mil. Desde então, atua na Gerência do Cartório da 20ª Câmara Cível do TJ-MG. Ela recebeu R$ 8,8 mil líquidos no contracheque de setembro.

Desembargador José Geraldo da Fonseca assinou cinco avaliações de desempenho de Caroline Coelho mesmo ela atuando no gabinete do pai. Foto: TJ-MG/Divulgação

Perda dos cargos e indenização de R$ 1 milhão

A PGR pede que o STJ aceite a denúncia, afaste os três desembargadores e Caroline Coelho e, ao final do processo, decrete a perda dos respectivos cargos. Além disso, quer que os quatro paguem indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão.

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A pena pelo crime de falsidade ideológica cometido por funcionários públicos vai de 1 ano e 2 meses a até 5 anos e 10 meses de prisão. O Ministério Público pede que as penas dos desembargadores acumulem conforme o número de vezes que o crime teria sido cometido: duas vezes no caso de Geraldo Coelho e Octávio Neves e cinco vezes por José Geraldo da Fonseca. A pena máxima da servidora Caroline Coelho, acusada sete vezes, poderia ultrapassar 40 anos.

Desembargador admitiu prática de nepotismo

A denúncia da PGR corre no âmbito criminal. Na esfera cível, os quatro acusados fecharam acordo de não persecução com o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) no ano passado. Geraldo Coelho admitiu ter cometido improbidade ao permitir que a filha atuasse em seu gabinete e concordou em pagar multa de R$ 35 mil. Caroline Coelho também foi multada em R$ 14 mil e ficou dois anos, contados de quando foi exonerada do cargo de assessora jurídica, sem poder assumir função de confiança ou cargo de comissão em qualquer gabinete. A proibição já terminou.

Segundo o MP-MG, documentos juntados ao inquérito indicam que ela não era servidora fantasma e que trabalhou efetivamente no gabinete do pai. Por isso, o órgão considerou que não houve dano aos cofres públicos. Já os desembargadores José Geraldo da Fonseca e Octávio Neves concordaram em pagar multas de R$ 17 mil e R$ 8 mil, respectivamente. Os processos neste âmbito foram arquivados.

O que diz o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) informa que não tem conhecimento da referida denúncia supostamente feita pelo Ministério Público Federal; provavelmente o processo segue em segredo de justiça sendo que, assim, conforme o novo Código de Processo Civil, os atos processuais ficam “restritos a conhecimento das partes e a seus procuradores”.

Contudo, o TJ-MG ressalta que todo processo deve seguir sob o rito do contraditório e da ampla defesa.

Destaca-se que é imperiosa a proteção das informações que possuem segredo de justiça em processo judicial. Portanto, romper o sigilo processual tem implicações em responsabilidade civil.

Conforme prevê os artigos 186 e 927 do Código Civil “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e fica obrigado a repará-lo”.

Acrescenta-se, inclusive, que conforme o artigo 5º, inciso X, da Constituição, “são invioláveis à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Assim, o TJ-MG deixa de se manifestar mais profundamente sobre assuntos amparados por segredo de justiça.”

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