Os primeiros dias após o fim da CPI da Covid oferecem um vislumbre de receios.
Senadores do denominado G7, partidos de oposição e entidades civis não conseguiram até o momento encorajar promessa de resposta jurídica entusiasmada ao relatório.
Augusto Aras, enigmático, disse que poderá "avançar" na apuração.
No STF, ministros têm confidenciado a jornalistas que será difícil punir Bolsonaro a partir de um relatório que consideram "fraco" para esse fim.
Outro destinatário, o presidente da Câmara, Arthur Lira, apontou para a gaveta, declarou ser "motivo de grande indignação" o pretendido indiciamento de Ricardo Barros, Eduardo Bolsonaro e mais quatro deputados da base do governo.
Sobram, para eventualmente investigar fatos e nomes sem foro privilegiado, polícia, tribunais de contas, defensorias, ministério público dos Estados e Tribunal Penal Internacional.
No fatiamento do relatório, uma parte é reservada ao próprio Senado Federal. Em 121 páginas, que ocupam menos de 10% do volume, são apresentadas ações legislativas chanceladas pela CPI.
O relatório detalha 16 projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição, para melhorar a gestão da saúde, combater corrupção e notícias falsas, homenagear e ampliar a proteção social de vítimas da covid.
A CPI nos convenceu da existência de pessoas e empresas que precisam pagar pela produção de doença, sofrimento e mortes.
Contribuiu, ainda, para resgatar o SUS essencial, sempre que senadores lembravam do heroísmo dos profissionais da saúde, da assistência hospitalar em condições adversas, e da capacidade de vacinação desperdiçada com o atraso das vacinas.
Três verdades incontornáveis sobre a saúde no Brasil passaram pela CPI: a rede pública é subfinanciada, o setor privado é predador e há disparidades sociais que fazem a vida de uns valer menos que a vida de outros.
A estimativa de 20 mil pessoas que morreram em UPAS por falta de leitos de UTI, o escândalo da Prevent Senior e a maior taxa de mortalidade por covid entre indígenas e negros, não são fatos expurgáveis com julgamento ou prisão de indiciados.
Ao debruçar-se sobre eventos de exceção, a CPI fez o Legislativo sentir a dor nacional e praticar a política de proximidade, um dos seus maiores legados.
Contudo, a pandemia não acabou, a sombra da covid será projetada nos próximos anos e novas urgências sanitárias poderão surgir.
Por isso, esperava-se mais das propostas da CPI para o "aprimoramento dos meios de gestão da saúde no País".
Os seis projetos assim anunciados, ao contrário, contém inadequações técnicas e baixa viabilidade.
Passam distante do compromisso com o maior financiamento do SUS, da regulamentação civilizatória do setor privado e da redução das desigualdades em saúde.
Um deles, que trata da "responsabilidade sanitária" da União , Estados e municípios, vem sendo reapresentado por mandatos e legislaturas distintas desde 2004 e, em grande parte, já foi contemplado por decreto de 2011.
Outro, já previsto na Constituição, quer a "gratuidade" do SUS e o embasamento científico das políticas de saúde.
Planos de saúde
Pretende-se evitar a má prática dos planos de saúde que têm hospitais e serviços próprios. Isso se resolveria não com uma lei nova, mas, sim, com o fim da omissão e da captura da ANS pelas operadoras que ela devia regular.
Os demais são reiterações sobre planos de carreiras e salários de médicos e enfermeiros do SUS, projetos que costumam vincular parlamentares a reivindicações corporativas.
O Congresso Nacional, desde a urgência sanitária decretada, atuou na liberação de recursos, programas e permissões emergenciais, buscando dar ao governo federal meios para agir, e que foram mal utilizados.
Do auxílio emergencial à telemedicina, do orçamento de guerra à compra de vacinas pelo setor privado, as deliberações foram reativas, nem sempre coadunadas com os interesses públicos e a saúde da população.
No Senado, as sugestões da CPI não terão precedência sobre 734 medidas e projetos de lei referentes à pandemia ainda em tramitação.
Juntamente com outras 236 matérias sobre covid já aprovadas, apresentam soluções em pedaços para a saúde, o oposto de um sistema único e universal que o Brasil escolheu desde 1988.
A pandemia da covid, assim como os agentes que desgraçadamente a amplificaram no Brasil, podem ser fenômenos transitórios.
Que a democracia, que pariu a CPI, e a solidariedade, que fundamentou o SUS, sejam perenes.
Obs: O Blog Diário da CPI acompanhou e comentou os trabalhos da comissão de inquérito desde sua instalação. Com um agradecimento aos leitores, encerra-se, com o fim da CPI, essa cobertura. Até breve!
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