BRASÍLIA - O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, admitiu neste domingo, dia 8, que houve erros e falhas das forças de segurança, subordinadas ao governo federal e ao governo de Brasília, na reação aos ataques extremistas às sedes dos três poderes. Dino culpou uma “infiltração ideológica” nas instituições para explicar a agressão de golpistas não impedida pelo aparato armado do Estado. Ele disse o governo Luiz Inácio Lula da Silva vai solicitar apoio de militares das Forças Armadas, sob comando do interventor nomeado por Lula, para atuar em reforço à manutenção da ordem em Brasília até o fim de janeiro.
Dino disse que existe infiltração, em âmbito nacional, em parte das instituições de segurança de Estado. Essa “contaminação”, segundo ele, permitiu omissões criminosas e conivências que explicam a concretização dos ataques. Segundo o ministro, preferências eleitorais levaram agentes públicos a se omitir ou prevaricar. Ele diz que o problema é estrutural.
“Enxergamos omissão no aparato de segurança pública e a resposta jurídica foi a intervenção. Há, sim, objetivamente, preferências ideológicas nas instituições atrapalhando o cumprimento de deveres funcionais. Mais uma vez vimos essa infiltração perversa de ideologias exóticas e inaceitáveis em instituições do Estado brasileiro. Isto explica essas cenas, e as providências que tomamos como a intervenção. Que todos os funcionários públicos civis e militares cumpram seus deveres. Porque se não cumprem, acontece o que nós vimos, por isso estamos reagindo”, afirmou o ministro. “Essa tentativa de golpe de Estado servirá para unir a sociedade em torno da lei e isolar ainda mais extremistas e sinalizar que precisamos agir de modo continuado com firmeza.”
Dino admitiu que uma “crise de autoridade” durou algumas horas neste domingo, mas garantiu ter sido superada e que os poderes funcionarão nesta segunda-feira, dia 9.
O titular da Justiça classificou os atos como uma tentativa depor o governo e restringir os poderes constitucionais. As penas, estimou, podem superar 20 anos de prisão. “Tivemos hoje uma tentativa muito grave de destruição do Estado Democrático de Direito”, disse Dino. “Não se trata de continuidade do processo eleitoral. É terrorismo, golpismo, e temos certeza que a maioria da população não quer a implantação desse tipo espectro ou de trevas na vida pública brasileira.”
O ministro afirmou que o presidente Jair Bolsonaro tem “responsabilidade política inequívoca” sobre os atos cometidos por seus apoiadores, mas que eventual responsabilização jurídica deve ser objeto de investigação. “Líderes políticos devem ser cobrados em relação ao que ocorreu hoje”, afirmou Dino. “Há emulação política que levou a este desvario e isto infiltrou em instituições. Uma pequena parte foi contaminada pela ideia de vale tudo.”
O ministro disse que a intervenção federal na segurança do Distrito Federal era a medida “mais leve” que o governo Lula cogitou e que avalia não ser necessário uma escalada para Garantia da Leia e da Ordem (GLO) ou Estado de Defesa, como chegou a ser sugerido ao presidente. Para Dino, a resposta da intervenção era adequada porque havia uma “assimetria escandalosa entre o tamanho da agressão e o contingente policial disposto”.
O ministro disse ter acertado com oficiais-generais no Ministério da Defesa a cessão de militares para reforçarem a segurança pública. Um documento formalizando o pedido será encaminhado nesta segunda-feira, dia 9, pelo interventor federal Ricardo Capelli. Os militares deverão atuar na proteção de prédios públicos e servidores na Esplanada dos Ministérios. Normas operacionais já foram editadas internamente na Defesa.
Fim do acampamento e prisões no QG
O ministro afirmou que não há mais divergências na equipe de governo sobre como tratar os manifestantes que rejeitam o resultado das eleições e cobram intervenção militar. Ele indicou que os acampamentos no entorno de quartéis serão desmobilizados por determinação de Lula. O ato deve ser anunciado pelo ministro da Defesa, José Múcio, que se reuniu nesta noite com os comandantes das Forças Armadas. A expectativa, afirmou, era que o acampamento no QG do Exército em Brasília se encerraria neste fim de semana, mas que agora há um fato novo.
“Há uma diretriz do comandante em chefe das Forças Armadas, que é o presidente da República, e claro que essa diretriz vai ser cumprida nas próximas horas, acerca dessa condição de haver uma sede para esses atos. Múcio com certeza vai anunciar as providências”, afirmou o titular da Justiça. “As pessoas que participaram desses eventos, estejam onde estiverem, serão presas. Se estão na frente do quartel, perto ou ao lado do quartel, pouco importa, porque tecnicamente estão em flagrante. A determinação dada por mim foi continuar as prisões, inclusive em frente ao QG do Exército.”
Segundo Dino, ao todo, 200 pessoas foram detidas em flagrante. Já o governador do DF, Ibaneis Rocha, falou que foram 400 prisões. Dino disse que nas próximas horas continuarão a ser efetuadas, com prioridade, prisões preventivas, já que as forças policiais têm identificados donos, financiados e passageiros de 40 ônibus que chegaram à capital federal nos últimos dias.
Segundo ele, o indicativo que o governo tinha como um todo até então era de desmobilização dos acampamentos. Como mostrou o Estadão, no intervalo de um mês a quantidade de pessoas acampadas em todo o País caiu de 43 mil para 5 mil. Eram cerca de 200 em Brasília.
Falhas
Entre os erros apontados por Dino e que devem ser motivo de apuração estão: inação do Batalhão de Guarda Presidencial, vinculado ao Exército, e de militares do Gabinete de Segurança Institucional na proteção do Palácio do Planalto; a decisão de desbloquear a Esplanada dos Ministérios ao trânsito de pedestres; insuficiência no reforço de segurança da Força Nacional e Polícia Federal para suprir a demanda; demora na resposta, porque os acampamentos estavam sendo desmontados.
O ministro afirmou que os fatos devem ser apurados tanto pelo governo federal, no Gabinete de Segurança Institucional e Ministério da Defesa, quando pelo governador Ibaneis Rocha. O ministro disse que nunca se cogitou culpar o governador e decretar intervenção sobre todo o governo distrital.
“Existe um contingente dedicado à proteção da sede da Presidência, e os fatos mostram que esse contingente não atuou. Por que não atuou é objeto de uma apuração específica do GSI e do Ministério da Justiça. Quero quer que essa apuração ocorrerá”, cobrou Dino.
Ele queixou-se que não houve comunicação formal da “mudança de planejamento” de última hora, que levou à abertura da Esplanada. Antes, afirmou, a ordem era manter o acesso bloqueado. Ele relatou ter questionado o governador Ibaneis, mas que acredita que ele tenha sido levado a uma “decisão desastrosa” por ter sido mal assessorado e não por má fé. O governador teria dito que a situação estaria sob controle.
“Não há nenhum ato de afastamento de governador Ibaneis, a intervenção somente de segurança seria suficiente”, disse Dino. “Ao pedir desculpas públicas aos chefes dos poderes da União, o governador está reconhecendo que algo deu errado no planejamento e quero crer que ele vai apurar as responsabilidades em relação àqueles que não cumpriram seus deveres constitucionais. O governador vai responder com certeza se alguém se omitiu, se alguém o enganou e por quê.”
Dino afirmou que Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e homem de confiança de Ibaneis até então, era um “obstáculo removido”. Torres deixou o ministério e voltou a ser secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, nomeado por Ibaneis. O governador o demitiu após a eclosão dos ataques.
Bombas
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que, por meio de informações de inteligência, detectou a intenção de manifestantes de depositarem artefatos explosivos nos prédios públicos. Ele afirmou que está sendo feita uma varredura no Palácio do Planalto e que recomentou ao presidente Lula não realizar uma vistoria imediatamente, como planejava, no edifício sede da Presidência, bem como a sede do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
“Lula tem o desejo de visitar o Planalto e o Congresso o mais rápido possível. Estou recomendando que isso só aconteça depois que a perícia estabeleça total segurança para entrar nos prédios. É uma perícia criminal para identificar provas, imagens e registrar todo o ataque ao patrimônio público. Uma das coisas identificadas no monitoramento era que vários tinham como intençao deixar artefatos de bomba nos prédios para que a gravidade dos atos afetasse ainda mais pessoas, de ter uma destruição ainda maior.
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