BRASÍLIA - O senador eleito e futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, declarou que o governo eleito entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 27, para suspender o porte de armas (autorização para levar para espaços fora da residência) no Distrito Federal nos próximos dias. A ideia é que a suspensão só deixe de valer após a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com Dino, se aprovado o requerimento, os efeitos valem a partir desta quarta-feira, 28, até o dia 2 de janeiro. Ele disse ainda a ação é endereçada ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre atos antidemocráticos.
“O pedido que nós fizemos foi que essa suspensão judicial do porte de arma no Distrito Federal se estenda entre o dia 28, no caso amanhã (quarta-feira), e o dia 2 de janeiro, que é o dia subsequente à posse. Estamos na expectativa de que hoje ou amanhã o ministro Alexandre (de Moraes) aprecie o pedido e isso permitirá uma camada a mais de proteção em relação a posse presidencial”, declarou em entrevista coletiva no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde a equipe do futuro governo tem despachado.
“Nós fizemos uma reflexão sobre toda a segurança da posse presidencial, tanto com o governo do Distrito Federal como agora aqui no CCBB com a equipe da Polícia Federal”, afirmou o futuro ministro.
Segundo o ex-governador do Maranhão, a ação foi apresentada pelo delegado Andrei Passos Rodrigues, coordenador da segurança de Lula e futuro diretor-geral da Polícia Federal. Dino disse que a ideia de suspender o porte visa acrescentar uma “camada” a mais à segurança do evento. “Se houver o atendimento do Supremo do nosso pleito, quem eventualmente portar arma estará não só sujeito a apreensão da arma, mas também a prisão em flagrante”, afirmou.
“O objetivo é que mesmo as pessoas que sejam eventualmente detentoras de autorizações de portes, por exemplo, CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), tenham essa suspensão por ordem judicial, para que fique configurada que qualquer posse, porte de arma, nesse período, será considerada crime”, afirmou o futuro chefe da Justiça e Segurança Pública do governo federal. O acesso aos armamentos de fogo foi facilitado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e é uma das principais bandeiras do governo dele.
A equipe do petista está preocupada com possíveis episódios de violência no dia posse. Nas duas últimas semanas, bolsonaristas organizaram dois atos de grande repercussão para chamar a atenção para suas manifestações, que têm pregado um golpe militar contra a eleição de Lula.
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No dia 12 de dezembro, apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que perdeu a reeleição para o petista, queimaram carros, ônibus e destruíram prédios públicos e privados na região central de Brasília. No outro caso, no dia 24, na véspera de Natal, George Washington Oliveira, um apoiador do presidente, tentou explodir uma bomba nas imediações do aeroporto de Brasília. Em ambos os episódios, os autores dos ataques são ligados a um acampamento bolsonarista instalado no Quartel General do Exército, em Brasília.
Os dois casos estão sendo acompanhados pelas forças de segurança do DF e suspeitos de participarem das duas ações são procurados para eventuais responsabilizações criminais. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do DF, as medidas de segurança da posse de Lula estão a todo momento sendo reavaliadas conforme novos ataques bolsonaristas acontecem.
O futuro chefe da PF, Andrei Passos, e Dino tem acompanhado de forma quase diária o trabalho do governo do DF para garantir a segurança da posse de Lula. Toda semana é feita uma reunião geral de avaliação da segurança e reuniões pontuais temáticas também acontecem ao longos dos dias.
A posse vai contar com 100% do efetivo da Polícia Militar. Para entrar na Esplanada dos Ministérios será necessário passar por revistas e, além disso, o trânsito será fechado e haverá barreira antidrone, com o fechamento do espaço aéreo no local, e a presença de snipers. É esperado um público de cerca de 300 mil pessoas, de acordo com a equipe de transição de governo.
Dino, o futuro ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), se reuniram na manhã desta terça para debater a segurança da posse. Depois do encontro, Dino e Múcio afirmaram ter a expectativa de que o acampamento seja desmontado antes da posse de Lula. A meta é que eles sejam desmobilizados voluntariamente, mas o futuro chefe da Justiça não descarta retirá-los compulsoriamente.
O senador eleito pelo PSB do Maranhão declarou que a equipe de Lula vai esperar até a próxima quinta-feira, 29, para que o acampamento bolsonarista seja desmontado por iniciativa dos próprios apoiadores do presidente. Caso isso não aconteça, o governo do Distrito Federal, o Exército e o Poder Judiciário serão acionados para tentar desmobiliza-los.
“Nós estamos muito confiantes de que, inclusive com o anúncio de uma provável viagem do atual presidente da República (aos Estados Unidos), isso seja mais um elemento desestimulador da continuidade desses acampamentos. Estamos realmente com todos os sinais no sentido de que, no Distrito Federal, até aqui quinta-feira, haverá uma solução para este problema”, declarou o futuro ministro em tom otimista.
“Não havendo, é claro que na quinta vamos fazer uma reavaliação para ver a lesividade da eventual continuidade desses acampamentos e verificar quais seriam as medidas administrativas, uma vez que o Governo do Distrito Federal pode agir. Nós temos o próprio Exército que eventualmente pode agir e nós temos sempre o território das medidas judiciais. Tudo isso, contudo, só vai ser examinado a partir da quinta-feira”, explicou Flávio Dino.
O futuro ministro da Justiça também disse que até agora não recebeu nenhum auxílio do atual chefe da pasta, Anderson Torres. Ligado a Bolsonaro, tendo inclusive encapado a tese falsa de questionar as urnas eletrônicas, o atual chefe da Justiça irá voltar ao cargo de secretário de Segurança Pública do DF, mas só vai assumir o posto no dia 2, após a posse de Lula.
Indicado por Lula, o general Julio Cesar de Arruda assumirá o comando do Exército na próxima sexta-feira, 30, dois dias antes da posse. A definição da data coincide com o aumento da pressão de autoridades responsáveis pela segurança pública para acabar com a aglomeração de bolsonaristas no entorno do QG. A expectativa no entorno de Lula é que, com a troca no comando, mude o tratamento dado aos manifestantes extremistas, já que o acampamento, em área militar, passou a ser classificado por futuros ministros já indicados como “incubadora” de terroristas e de atos violentos.
O futuro ministro da Defesa, José Múcio, foi convidado pelo atual ministro da pasta, Paulo Sérgio, e vai participar do evento de posse do novo comandante. O escolhido para compor a equipe de Lula tem mantido contato com o auxiliar de Bolsonaro. A última vez que dois se encontraram foi no domingo, 25, um dia depois do bolsonarista que tentou armar a bomba foi preso. O Estadão apurou que o ministro de Bolsonaro lamentou o caso, mas evitou fazer comentários mais contundentes e disse que vai aguardar as investigações. O futuro chefe das Forças Armadas ainda vai se reunir com Paulo Sérgio no final dessa semana para ajustar os detalhes finais da passagem do cargo.
Múcio, que tem tentado atuar como mediador entre os apoiadores de Bolsonaro e o governo eleito, tem evitado tratar o movimento como terrorista. Ele avaliou que isso existe, mas é exceção dentro do grupo. “O movimento terrorista é isolado, é uma coisa dele (de George Washington, preso por armar a bomba), talvez de mais um, mais dois. O que tem acontecido nesses movimentos em frente ao quartel são pessoas vestidas de verde amarelo e cantando o hino nacional”, declarou após reunião com o governador do DF.
Apesar disso, ele criticou a tentativa de explodir a bomba perto do aeroporto e, assim como Dino, chamou o ato de terrorismo. “Esses movimentos têm sido pacíficos. Enquanto você está lidando com dois grupos que criticam e que querem discutir política, fica no campo político, mas na hora que um cidadão coloca uma bomba debaixo de um caminhão de querosene entrando no aeroporto que pode explodir um avião com 200 pessoas, nós entramos no campo do terrorismo em vez de estarmos discutindo política”, declarou.
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