A diplomacia presidencial é essencialmente política. Essa constatação, por si, já deveria bastar para economizar a tinta e a energia na forma de bytes despendidas para se espantar com o fato de Javier Milei, presidente da Argentina, ter usado sua primeira visita ao Brasil não para um encontro com Lula, seu homólogo brasileiro, mas para participar de um evento com o duplamente indiciado ex-presidente Jair Bolsonaro. Milei foi eleito como um candidato da antipolítica e agora está preso no paradoxo do outsider que chega ao poder: ele precisa continuar agindo como se estivesse em campanha contra a política e contra as regras do sistema, das quais depende para governar, se não quiser perder o apoio daqueles que o elegeram. É mais fácil fazer isso nas relações exteriores, em que existe uma diplomacia profissional que, longe dos holofotes, coloca panos quentes nos estragos causados pela diplomacia presidencial.
Ausentar-se de uma cúpula do Mercosul e deixar de se encontrar com Lula e outros presidentes de países vizinhos, perdendo a oportunidade de aprofundar relações e de estar presente em debates de grande relevância para a região, são decisões que não deixam de ter seu preço para a Argentina. Mas, no cálculo pessoal de Milei, os ganhos imediatos compensam... e para os pampas com os interesses de longo prazo de seu país.
Bolsonaro fazia algo parecido em sua política externa: rechaçava o multilateralismo, para o qual é preciso ter vocação para o diálogo, e aproximava-se de líderes que pudessem funcionar como espelhos da imagem que queria reforçar internamente, para os apoiadores brasileiros. Na prática, Bolsonaro se tornou o espalha-rodinhas das cúpulas mundiais, diplomaticamente isolado mas satisfeito com o clubinho que formou em torno de figuras como Viktor Orbán, da Hungria, e Matteo Salvini, da Itália.
Eis a utilidade que a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês), evento realizado neste fim de semana em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, tem para Milei. Trata-se de uma casa dos espelhos da direita identitária, em que Milei pode se mirar na imagem de Bolsonaro, ainda que um pouco distorcida, assim como nas do ministro do governo linha-dura de El Salvador, do representante do partido Chega!, de Portugal, e do favorito para a eleição presidencial do ano que vem no Chile, José Antônio Kast.
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O verdadeiro objetivo não era discutir ideias políticas ou soluções para os problemas dos países da região, nem mesmo, como anunciado, estabelecer parcerias com alguns estados brasileiros (cujos governadores só estavam lá para se deixar fotografar ao lado de Milei e Bolsonaro e incrementar suas credenciais de direita conservadora). Como em todo movimento identitário, o real propósito era reforçar a negação da política.
Milei fez isso em seu discurso ao demonizar qualquer um que não faça parte do joguinho de espelhos da direita identitária como “socialista”, ao explorar ressentimentos e preconceitos por meio de palavras de ordem contra “minorias ruidosas” e ao encampar teorias vitimistas, quando sugeriu que Bolsonaro é alvo de “perseguição judicial”. Boa parte da identidade da direita reunida na CPAC foi construída a partir da crença de que existe uma conspiração da esquerda latino-americana, organizada em torno do Foro de São Paulo, para instituir o comunismo em toda a região. Quem já foi em uma reunião desse agrupamento de partidos sabe que o que se escuta por lá são apenas velhos chavões de esquerda e intermináveis discussões inócuas que não levam a nada. A CPAC acaba tendo o mesmo efeito, mas com o sinal contrário. É uma espécie de evento motivacional de identitarismo político, em que a plateia se sente inspirada por escutar aquilo em que já acredita, mas com palavras de efeito.
É a lógica do TikTok, em que o que faz sucesso é a imitação de passos de dança ou a reutilização de áudios virais. Em que a tosquice milimetricamente calculada dá à audiência uma falsa sensação de autenticidade. Trata-se da infantilização da política, cujo exemplo máximo foi a cena de Bolsonaro presenteando Milei com uma medalha com referência aos seus três “is”: “imorrível, imbrochável e incomível”. E infantilizado.
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