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Opinião|Em projeto contra delação premiada, Lira mira impunidade a pares e presenteia milícia e traficantes

Projeto defendido por Lira pode não servir para livrar Bolsonaro, mas tiraria de investigadores um instrumento essencial para combater organizações criminosas de todo tipo

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Foto do author Diogo Schelp

Atribuiu-se a um suposto arranjo entre a base bolsonarista na Câmara dos Deputados e o presidente da casa Arthur Lira (PP-AL) a iniciativa para acelerar a tramitação de um projeto de lei que limita o expediente da colaboração premiada, que serve de estímulo para que criminosos confessos entreguem seus comparsas e ajudem as autoridades a reunir provas para embasar as condenações. O texto de autoria do deputado Luciano Amaral (PV-AL), apensado em 2023 a um projeto de 2016 de Wadih Damous (PT-RJ), basicamente veda que se concedam acordos de delação a indivíduos presos, sob o argumento de que a privação de liberdade viola o caráter “voluntário” das informações prestadas.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, incluiu na pauta o requerimento de urgência para um projeto de lei que impede a homologação judicial de delações premiadas de quem estiver preso Foto: Wilton Júnior/Estadão

Isso equivale a matar o instrumento da colaboração premiada nos casos mais complexos, pois é óbvio que o réu precisa ver vantagem em confessar um crime e apontar seus parceiros, caso contrário não verá motivos para fechar um acordo com o Estado. Essa vantagem pode ser uma promessa de redução da pena, mas ganhar o direito de responder a um processo em liberdade ou em condições de detenção menos rígidas costuma funcionar ainda melhor, pois são benefícios imediatos.

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Um colaborador coloca na balança os custos e os benefícios de fazer uma delação – e o fato de os benefícios valerem a pena ou não é o que garante que o acordo seja “voluntário”.

A Justiça precisa respeitar mecanismos para evitar que prisões injustificadas sejam decretadas com o objetivo único de obter delações. Mas a necessidade de combater eventuais abusos não pode servir de justificativa para acabar com um instrumento que tem se provado muito útil no Brasil para combater não apenas episódios de corrupção, mas também para punir milicianos e chefes do narcotráfico.

Ao longo de quase seis anos, o Brasil conviveu com a possibilidade vergonhosa de que nunca se saberia quem mandou matar a vereadora Marielle Franco em 2018. O ex-PM Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle e de seu motorista Anderson Gomes, só decidiu entregar o nome dos mandantes (segundo ele, o deputado Chiquinho Brazão e o seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro do TCE-RJ) e o rastro das provas materiais para a polícia porque estava detido em um presídio federal. Na sexta-feira, 7, o ministro do STF Alexandre de Moraes autorizou a transferência de Lessa para o penitenciária de Tremembé (SP), onde as condições são menos rígidas, como parte dos benefícios previstos no seu acordo de delação.

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Regulamentado em 2013, no governo de Dilma Rousseff, o instrumento da colaboração premiada foi amplamente utilizado para respaldar as investigações da Operação Lava Jato, a partir do ano seguinte. Logo começou a ser utilizado para permitir que as mãos da Justiça começassem a alcançar também escalões mais altos da hierarquia de facções criminosas com atuação internacional em tráfico de drogas e armas e com penetração em instâncias do Estado. Em 2017, por exemplo, a delação premiada de um traficante resultou na prisão de 66 policiais militares do Rio de Janeiro acusados de envolvimento com o crime organizado.

Outros países, como Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Japão, se utilizam há muitas décadas das colaborações premiadas para combater organizações criminosas – contra as quais, justamente por sua sofisticação, por sua capacidade de se infiltrar em negócios legais e no poder público e por seu poder econômico, costuma ser muito difícil reunir provas sem que alguém de dentro aponte o caminho e os nomes a serem investigados.

Se há aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso esperançosos de que a mudança nas regras das delações premiadas sirva para ele escapar das consequências das informações comprometedoras prestadas à Polícia Federal por Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, provavelmente vão dar com os burros n’água. Mesmo que venha a ser aprovado, o projeto que veda delações de pessoas presas dificilmente teria efeito retroativo.

Trata-se de uma iniciativa que, mesmo que não sirva para livrar Bolsonaro nos três inquéritos que em tese podem levá-lo à prisão (o das joias, o da falsificação do cartão de vacinação e o da tentativa de golpe de Estado), ajudará a trazer impunidade a políticos corruptos no futuro.

É o tipo de lei, aliás, que Lira tem se empenhado em aprovar. Entram nesse pacote o Novo Código Eleitoral, com regras mais brandas para prestação de contas em campanha e para candidatos encrencados com a Justiça, a mudança na Lei de Improbidade Administrativa, que dificulta a punição a maus gestores públicos, a lei que pretende tornar crime criticar políticos eleitos e outras autoridades e a tentativa de aprovar uma PEC que reduzia o poder investigativo do Ministério Público.

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No caso do esforço para votar em regime de urgência o projeto contra as delações premiadas, Lira dá o laço de fita no pacote de impunidade para os seus pares, mas pode acabar presenteando também milicianos e traficantes.

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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