À primeira vista, o bom desempenho da direita na eleições municipais deste ano, confirmado pelos resultados do segundo turno, deveriam fortalecer o capital político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas há um elemento que o impede de aproveitar todo o potencial dessas vitórias: o fato de ter tratado essas eleições como um trampolim para o seu projeto de retornar à presidência em 2027, confiante em uma duvidosa anistia via Congresso, a ponto de sabotar candidatos apoiados por lideranças de direita que podem ocupar o seu lugar nas próximas eleições.
Talvez Bolsonaro não tenha, mesmo, outra saída. Como todo líder personalista, sua sobrevivência política depende de ser visto como única alternativa de um movimento político. Ele não funciona como uma referência partidária que estimula e inspira pelo exemplo outras lideranças do mesmo campo ideológico, como conseguiu ser durante muitos anos o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no PSDB, partido hoje em declínio.
Bolsonaro sem a perspectiva de voltar ao poder está fadado à irrelevância. Ademais, a expectativa de poder, no caso dele, é indissociável da sua estratégia para se manter longe da cadeia, pela necessidade de gerar um custo político alto para uma eventual condenação em um dos inquéritos que enfrenta no STF. Por tudo isso, a atuação de Bolsonaro nas eleições municipais foi semelhante ao esforço de uma pessoa para sair de uma areia movediça: quanto mais ele se movimentou para alcançar seu objetivo, mais ele se afundou.
Vamos aos fatos. Na disputa para a prefeitura de São Paulo, por exemplo, o grande vitorioso em nível nacional não foi Bolsonaro, que só entrou na campanha nos cinco minutos finais do segundo tempo, mas o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que aceitou correr o risco de apostar em Ricardo Nunes (MDB) desde o começo. De quebra, a corrida em São Paulo, graças ao desempenho surpreendente de Pablo Marçal (PRTB), revelou a todos os aspirantes presidenciais da direita que é possível angariar os votos bolsonaristas sem a benção explícita de Bolsonaro. Essa é uma informação que certamente pautará a movimentação política na direita até as eleições de 2026.
Em Curitiba, Bolsonaro tinha o compromisso de apoiar Eduardo Pimentel (PSD), cujo vice, como em São Paulo, foi indicado por seu partido, o PL. Mas a ida para o segundo turno da bolsonarista de carteirinha Cristina Graeml (PMB) fez Bolsonaro sumir dos palanques na cidade. Nos bastidores, ele não escondia sua preferência pela candidata, na prática se colocando como obstáculo aos planos do governador Ratinho Júnior (PSD), padrinho político de Pimentel e outro nome em ascensão da direita que Bolsonaro deveria ver como aliado, mas que cada vez mais trata como ameaça. Pimentel, no final, derrotou Graeml.
Em Goiânia, o enfrentamento com um potencial herdeiro do seu eleitorado em 2026 foi escancarado. Bolsonaro apoiou Fred Rodrigues (PL), enquanto Ronaldo Caiado (União), validou Sandro Mabel, do seu partido, que venceu a disputa. Até aí, tudo bem, afinal cada qual estava dando respaldo a candidatos de seu próprio partido. No entanto, as alfinetadas em Caiado dadas por Bolsonaro, que esteve pessoalmente em Goiânia para acompanhar Rodrigues na votação nesse domingo, são bastante representativas. Bolsonaro disse que nunca ouviu falar em “caiadismo” e deixou claro que considera Caiado forte politicamente só em Goiás. “Esse mimimi aí eu vou responder depois das 18h”, comentou o governador.
Uma exceção nessa postura de confronto ou ambiguidade entre Bolsonaro e outros nomes fortes da direita foi Belo Horizonte, onde o ex-presidente e o governador Romeu Zema (Novo) apoiaram o mesmo candidato, Bruno Engler (PL), que acabou derrotado pelo atual prefeito, Fuad Noman (PSD). O resultado das eleições municipais fortaleceu a direita e preparou o terreno para que esse campo político avance ainda mais no Congresso em 2026. Mas Bolsonaro terá dificuldade de capitalizar esse desempenho para o seu projeto pessoal.
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