O governo federal inicia este semestre a elaboração de um plano para orientar as políticas públicas de longo prazo para o Brasil. Com o nome de Estratégia Brasil 2050, o documento receberá contribuições de todos os ministérios, do BNDES, de Estados e municípios e da sociedade civil, sob coordenação do Ministério do Planejamento, com foco em temas como clima, infraestrutura, macroeconomia e transição demográfica. A intenção é ótima. Como bem disse a ministra Simone Tebet no mês passado, ao dar o pontapé na iniciativa em reunião com representantes das outras pastas, “o Brasil não tem tradição de planejar a longo prazo”.
A incapacidade de planejar o futuro explica em parte o fato de o País ter tanto potencial desperdiçado. Perdemos a janela demográfica, fase propícia a um salto no crescimento econômico graças à existência de uma parcela da população economicamente ativa maior do que as de crianças e idosos; falhamos em construir uma educação básica de qualidade, apesar de recursos garantidos na área; seguimos permitindo a destruição dos nossos biomas, apesar de há anos vigorar o consenso de que sua exploração econômica imediata não paga pelos prejuízos futuros em termos de impacto no clima, na agricultura e nas populações; fracassamos em aumentar de forma significativa o índice de produtividade do trabalho, ainda ocupando uma das piores colocações nesse quesito dentre os países com renda média; e, apesar de possuirmos todas as condições naturais para ser uma potência energética, temos uma das tarifas de eletricidade mais caras do mundo em proporção à renda da população.
Governos após governos provam-se incapazes até mesmo de se ater a projetos de médio prazo, como o Plano Plurianual, instrumento previsto na Constituição que define metas de quatro anos. Objetivos mais distantes caem no esquecimento com ainda mais facilidade. Um exemplo disso é o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), criado em 2018 com o compromisso de reduzir pela metade os óbitos nas ruas e estradas do país até 2030. Muitas das premissas do Pnatrans encontraram resistência no governo de Jair Bolsonaro e foram abandonadas. Como resultado, o total de mortes no trânsito voltou a crescer depois de vários anos de quedas graduais.
O governo Lula não é muito diferente em sua dificuldade em enxergar para além da duração do próprio mandato – motivo suficiente para não ser muito otimista com o que será feito do plano que está sendo elaborado sob a batuta de Tebet com resultados a serem colhidos em 2050, quando Lula terá 105 anos. Basta ver alguns exemplos de sua gestão até aqui.
O setor elétrico vive um paradoxo de ter abundância de geração mas conviver com tarifas elevadas e riscos de apagão. Praticamente todas as empresas geradoras, transmissoras e distribuidores concordam que é necessário fazer com urgência uma reforma no setor, mirando em redução de tarifas, liberdade de consumo, segurança no sistema e transição energética para as próximas décadas. Mas o governo só consegue agir quando é para aprovar medidas pontuais, com benefícios momentâneos nas contas de luz, mas trazendo ainda mais insegurança e jogando os custos para o futuro. Ou seja, quando mexe nas regras, aumenta o caos.
A regulação das apostas online segue a mesma lógica. Como mostrou o Estadão, a preocupação sempre esteve centrada na busca por uma nova forma de arrecadação, sem um estudo aprofundado de impacto na economia, no combate à lavagem de dinheiro, nas finanças familiares e na saúde pública. Resultado: em poucos meses os problemas já começaram a aparecer e o governo e o Congresso correm para remendá-los. A miopia do governo aparece mesmo em áreas para as quais já existem metas ambiciosas, como as de redução de queimadas, ou em políticas que já deram errado no passado, como a ideia de abrir os cofres do Tesouro Nacional para turbinar a disponibilidade de crédito do BNDES para aquecer o PIB. Nesses e em outros casos, Lula não enxerga além de 2026, quando se submeterá a uma eleição com caráter plebiscitário, ou seja, na qual os eleitores dirão se o presidente melhorou ou não sua vida nos quatro anos anteriores. 2050? Quem nos dera.
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