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Opinião | Prisão de Braga Netto revela erro de cálculo de risco comum em tentativas de golpe

Os conspiradores de 2022 superestimaram o contexto para um golpe e erraram no cálculo do risco de punição

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Foto do author Diogo Schelp

A prisão preventiva do general Braga Netto, acusado de interferir na investigação sobre uma tentativa de golpe de estado em 2022, na qual ele figura como um dos principais suspeitos, é uma demonstração de que a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal não estão dispostos a pegar leve com quem conspirou contra a ordem democrática. A detenção é inédita pela patente de Braga Netto, pela influência que ele tem (ou tinha) nas Forças Armadas e pelo alto grau de participação política que ele teve ao longo do mandato de Jair Bolsonaro.

Caberá à Justiça concluir se ele e outros indiciados pela tentativa de golpe, inclusive o ex-presidente, são culpados e, se sim, como deverão ser punidos. A historiadores e cientistas políticos, porém, já é permitido se perguntar por que um grupo de militares, 36 anos depois da redemocratização do País, se sentiram no direito — ou mesmo no dever — de arquitetar um golpe e o que os fez acreditar que poderiam ser bem-sucedidos.

General Braga Netto , preso na Polícia Federal, zona central do Rio de Janeiro. Foto: Pedro Kirilos/Estadão Foto: Pedro Kirilos

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O estudo das centenas de golpes de estado, fracassados ou não, ocorridos nos últimos 100 anos, permite identificar um padrão na disposição de militares de romper com a ordem estabelecida e assumir o poder. Os cientistas políticos Malcom Easton e Randolph Siverson, da Universidade da Califórnia, resumiram esse padrão na seguinte frase: “Os golpistas tipicamente pensam em dar um golpe após avaliar sua satisfação com o status quo e a oportunidade de ter sucesso.” Satisfação e oportunidade, esses são os elementos que determinam a propensão de militares, protagonistas da maioria das tentativas de golpe registrados na história mundial recente, a seguir adiante com uma conspiração.

Os riscos são sempre altos para os golpistas. No século passado, aproximadamente metade das tentativas de golpe de estado falhou e as consequências para os conspiradores foram quase sempre duríssimas. Aliás, nesse ponto, a literatura especializada faz uma distinção interessante quando o alvo da tentativa de ruptura institucional é um governo autoritário ou democrático.

Quando se trata do primeiro, as punições são mais pesadas, podendo chegar à pena de morte, e os expurgos mais amplos, de modo a favorecer a duração do regime por mais tempo. Quando a vítima do golpe fracassado é um líder democrático, por sua vez, não há ganho político e as punições costumam ser mais leves. São raros, porém, os casos em que os golpistas não são sequer presos.

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O Brasil, com seu histórico de anistias e perdões a pretexto de buscar uma acomodação com as elites militares, é um caso à parte. Isso pode ter levado os conspiradores de 2022, principalmente os de mais alta patente, a avaliar que o risco de serem punidos com prisão era relativamente baixo.

Voltando à questão da satisfação e da oportunidade. Os militares que, segundo a PF, planejaram um golpe em 2022 estavam insatisfeitos com o status quo? Também aqui o caso brasileiro se revela uma exceção. Os militares certamente estavam satisfeitos com o novo status quo que Bolsonaro lhes havia presenteado, distribuindo a eles milhares de cargos na administração federal, incluindo um bom naco do poder político.

Mas eles não estavam completamente satisfeitos com o status quo institucional do País, tendo que lidar com um Poder Legislativo com crescente apetite por atribuições do Executivo (como na destinação do orçamento via emendas) e com um Judiciário combativo. E, acima de tudo, eles estavam insatisfeitos com a perspectiva de perder o status quo quando Lula tomasse posse.

Os conspiradores erraram na avaliação da oportunidade para o golpe. Se tivessem estudado um pouco mais os exemplos de outros países, saberiam que o fator determinante para uma tomada de poder bem-sucedida é a existência de um contexto de instabilidade política e de um líder com legitimidade abalada. Não era o caso em 2022. Havia um clima de polarização política extrema, mas não uma situação de instabilidade.

O líder que eles pretendiam impedir de assumir o poder havia sido eleito com a maioria dos votos, ainda que por uma margem apertada. Mesmo que os golpistas acreditassem de fato nas teorias que contavam sobre uma suposta fraude eleitoral, não havia na sociedade brasileira uma impressão generalizada de que faltava legitimidade a Lula. Os conspiradores de 2022 superestimaram o contexto para um golpe e erraram no cálculo do risco de punição.

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Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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