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Análises sobre o estado geral da nação

Opinião | Se Bolsonaro for preso, qual é o risco de o Brasil enfrentar uma convulsão social?

O ex-presidente e seu entorno querem fazer crer que o Brasil é um barril de pólvora e que sua prisão seria a faísca capaz de levar tudo pelos ares

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Foto do author Diogo Schelp

As digitais de Jair Bolsonaro estão por toda a parte nas evidências levantadas pela investigação da Polícia Federal que embasou seu indiciamento, nesta quinta-feira, 21, junto com outras 36 pessoas, por suspeita de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado, em 2022. O relatório da PF precisa ser analisado pela Procuradoria-Geral da República, que decide se apresenta denúncia.

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Se sim, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) transformar Bolsonaro em réu, se avaliar que há elementos para isso. Até que se obtenha uma eventual condenação e, aí sim, a detenção do ex-presidente, podem-se passar muitos meses. Antes disso, só se houver o entendimento de que ele está interferindo no processo ou se houver risco de fuga, entre outras razões que justificam, na lei, uma prisão preventiva.

Não há, portanto, sinais, por ora, de que uma prisão de Bolsonaro seja iminente. Mas é essa possibilidade que está na cabeça de todos os brasileiros – e, certamente, na de Bolsonaro, pois ele próprio já mencionou esse risco em alguns instantes cruciais das investigações que se desenrolaram contra ele nos últimos dois anos. Nessas horas, Bolsonaro e seus aliados sempre tratam de difundir a ideia de que enfiá-lo na cadeia levará o País a um estado de caos social.

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal. Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO  Foto: Dida Sampaio

Mesmo antes das eleições de 2022, Bolsonaro recorria a um manjado espantalho contra uma eventual vitória de Lula: o de que isso jogaria o País em uma guerra civil. Mal sabíamos que logo depois disso, supostamente, ele tramou para que militares colocassem em prática um plano violento para impedir a troca de governo.

A tal guerra civil não aconteceu, ainda que as mentiras de Bolsonaro a respeito da lisura do processo eleitoral tenham tido a capacidade de mobilizar bloqueios em estradas e acampamentos diante de quartéis, com pequenas multidões ansiosas por uma reviravolta armada. Aliados de Bolsonaro as classificavam essas iniciativas como “manifestações pacíficas e democráticas”, mas fato é que desembocaram no ato de vandalismo de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, com claro intuito de provocar uma intervenção militar que resultasse na deposição de Lula, recém-empossado.

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Em meio às detenções que ocorreram nas semanas seguintes ao fracassado levante golpista, falava-se também na possibilidade de Bolsonaro acabar preso. Seus apoiadores mais próximos passaram a pintar com tintas fortes um cenário de convulsão social generalizado no país, caso isso acontecesse. A quebradeira de 8 de janeiro seria brincadeira de criança perto do que poderia acontecer se Bolsonaro fosse parar atrás das grades. O senador Flávio Bolsonaro chegou a dizer, em fevereiro de 2023, que a prisão de seu pai seria “burrice” e que o transformaria em um “mártir” da direita.

Quase dois anos, dois indiciamentos (pelas suspeitas de fraude de cartão de vacinação e de venda de joias da Presidência) e duas condenações na Justiça Eleitoral depois, a probabilidade de que a prisão de Bolsonaro, se e quando ocorrer, resulte em uma guerra civil ou até mesmo em uma grande convulsão social é muito remota.

É possível que ele consiga produzir imagens de milhares de apoiadores indo às ruas em protesto ou carregando-o nos braços antes de se entregar à polícia, como fez Lula em abril de 2018. Mas isso não será capaz de mudar seu destino carcerário, como não mudou o de Lula, que ficou 580 dias preso.

Há pelo menos três motivos pelos quais é baixo o risco de convulsão social caso Bolsonaro seja preso. O primeiro é que seu capital político e sua capacidade de mobilizar multidões se desgastou nos últimos dois anos. Mesmo os bolsonaristas mais arraigados podem ter sentido sua fé no mito abalada em alguns momentos ao serem confrontados com detalhes sórdidos sobre as suspeitas que resultaram nos seus dois primeiros indiciamentos e, agora, sobre o suposto envolvimento em um complô que incluía matar três figuras importantes da República.

Inelegível, Bolsonaro se tornou um líder sem perspectiva de poder. A adesão aos atos públicos convocados por ele está em queda. A última manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, no dia 7 de setembro, teve 45,4 mil pessoas no auge, em comparação com o público de 185 mil pessoas registrado em fevereiro deste ano, convocado após a operação da PF que expôs a hipótese de uma possível participação dele e de pessoas próximas em uma tentativa de golpe. Se ele for preso, Bolsonaro até pode ver revigorada sua capacidade de reunir multidões. Mas daí a uma guerra civil, vai uma grande distância.

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Nesse ponto, vem o segundo motivo para considerar que os alertas de um possível caos social são exagerados. Trata-se do fato de que há um forte desestímulo para que os protestos contra a prisão, se ocorrerem, se tornem violentos: a mão pesada com que o STF vem condenando os réus envolvidos no ato golpista de 8 de janeiro, com penas que ultrapassam os 16 anos de prisão.

O terceiro motivo é o precedente histórico. Há episódios na história mundial de rebeliões ou mesmo guerras civis desencadeadas pela prisão de um líder político, mas eles não são tão comuns e sempre – sempre – ocorrem em contextos de tensões sociais, econômicas, raciais ou religiosas mais profundas. Não é o caso do Brasil, que não enfrenta uma grave crise econômica ou social, nem divisões étnicas ou religiosas insustentáveis. A polarização política que se acirrou em 2022 continua latente, mas há indícios de que a disposição para levá-la aos extremos da ação violenta, como fez o homem-bomba de Brasília na semana passada, é a exceção, não a regra.

Bolsonaro e seu entorno querem fazer crer que o Brasil é um barril de pólvora e que sua prisão seria a faísca capaz de levar tudo pelos ares. Mas é só um fósforo molhado.

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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