Diretores do FNDE compraram carros que custam até 30 vezes seus salários

Indicados do Centrão adquiriram veículos após assumirem seus cargos; órgão fez pregão com suspeita de sobrepreço

PUBLICIDADE

Foto do author André Shalders
Foto do author Julia Affonso

Dois diretores do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão envolvido nas denúncias de compra de ônibus a preços inflados e intermediação de verbas por pastores, adquiriram carros de luxo após assumirem os cargos. Mesmo recebendo salários de pouco mais de R$ 10 mil, os diretores Garigham Amarante e Gabriel Vilar compraram veículos utilitários esportivos (SUVs, na sigla em inglês) zero quilômetro avaliados em R$ 330 mil e R$ 250 mil, respectivamente.

Amarante chegou ao cargo por indicação do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. O PL é o partido do presidente Jair Bolsonaro. O diretor foi responsável por organizar o pregão eletrônico que tinha indicação de sobrepreço de R$ 700 milhões, como revelou o Estadão. A licitação está embargada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). 

Os veículos luxuosos de ambos chamaram a atenção de servidores do FNDE; carros foram adquiridos em concessionárias de Brasília pouco depois do primeiro pregão eletrônico de ônibus do FNDE, em meados de 2021 Foto: FNDE/Divulgação

PUBLICIDADE

Amarante comprou um SUV Mercedes-Benz GLB 200 Progressive, avaliado em R$ 330 mil. Adquirido por meio de financiamento, o veículo pode ter prestações equivalentes ao salário do diretor no órgão público, de acordo com a estimativa de um simulador online da fabricante. No último contracheque, disponível no Portal da Transparência, ele recebeu R$ 10.302,16 líquidos. A prestação mensal do veículo, em condições similares às usadas por Amarante, é de R$ 10.299,35. O que significa um comprometimento de 99,97% de sua renda. Além disso, o IPVA tem um custo de R$ 9.748 por ano.

Os veículos luxuosos de ambos chamaram a atenção de servidores do FNDE. Os carros foram adquiridos em concessionárias de Brasília pouco depois do primeiro pregão eletrônico de ônibus do FNDE, em meados de 2021. 

Publicidade

Garigham Amarante e Gabriel Vilar comandam as diretorias de Ações Educacionais (Dirae) e de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais (Digap) do FNDE, respectivamente. Ambos chegaram aos cargos por indicação de partidos do Centrão. Amarante foi chefe de gabinete da Liderança do PL na Câmara. Já Vilar trabalhava no Ministério da Educação, apadrinhado pelo Republicanos.

Os dois adquiriram os veículos em datas próximas. Vilar licenciou um Volkswagen Tiguan Allspace R-Line 2021 de cor branca, avaliado em R$ 250 mil, em 19 de julho de 2021. O IPVA desse carro custa R$ 7.930. Já Amarante emplacou o SUV da Mercedes-Benz em 10 de agosto de 2021. 

Além da Mercedes-Benz, Garigham possui outro SUV registrado em seu CPF: um Hyundai Tucson GLS 1.6, ano 2020, avaliado em R$ 150 mil. A reportagem obteve ainda o registro dos veículos autorizados a estacionar na garagem do FNDE, no Setor Bancário Sul. No caso de Amarante, estão autorizados a entrar no local o Hyundai e um segundo SUV, de modelo Honda HR-V, embora este último automóvel não esteja em nome dele. 

Procurados, tanto Amarante quanto Vilar disseram que compraram os veículos dando de entrada valores referentes à venda de carros que já possuíam. Eles, no entanto, não quiseram mostrar à reportagem documentos para confirmar as declarações. A reportagem também não encontrou registros de outros veículos anteriores registrados no CPF dos dois. 

Publicidade

“Comprei do mesmo jeito que toda a população brasileira compra um bem de alto valor: financiado junto ao banco”, afirmou Amarante. A reportagem também procurou o FNDE para comentários, mas não houve resposta. 

No último sábado, o Estadão mostrou que Amarante e o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, avalizaram o Pregão 2/2022, para a compra de ônibus escolares rurais, com preços inflados. O preço máximo admitido para a compra dos 3.850 ônibus era R$ 732 milhões maior que o estimado pela área técnica do FNDE. 

Após a reportagem, o governo recuou e reduziu o limite máximo para R$ 1,5 bilhão. Ao fim do pregão, o valor final oferecido pelos fornecedores ficou dentro deste limite.

Para lembrar: Fundo é controlado por indicados do Centrão

Publicidade

Indicação política Lideranças do Centrão dominam o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão concentra o dinheiro do Ministério da Educação.

Progressistas O presidente do maior fundo controlado pelo MEC – com orçamento de R$ 45,6 bilhões em 2022 – é Marcelo Ponte, indicado do ministro da Casa Civil e líder do Progressistas, Ciro Nogueira.

Partido Liberal Além do PP, o FNDE tem no seu quadro de dirigentes nomes ligados ao PL. O diretor de Ações Educacionais, Garigham Amarante, é apadrinhado do presidente do partido, Valdemar Costa Neto.

Republicanos Já a diretoria de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais é chefiada por Gabriel Vilar. Ele é sustentado no cargo pelo Republicanos, legenda comandada pelo deputado e pastor Marcos Pereira (SP).

Publicidade

Licitação suspeita Em caso revelado pelo Estadão, Ponte e Amarante deram aval a uma licitação bilionária do FNDE que previa a compra de ônibus rurais escolares com preços inflados. Após a repercussão negativa e pedidos de investigação, o governo recuou e reduziu os valores iniciais do pregão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.