Disputa entre Lira e Pacheco expõe curto-circuito na articulação política do Planalto com Congresso

Guimarães acha que análise de medidas provisórias por comissões mistas é “terror”; Wagner afirma não haver espaço para barganha e defende Senado

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Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – A disputa entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para definir quem dá a última palavra sobre o destino das medidas provisórias (MPs) expôs o curto circuito na articulação do Palácio do Planalto com o Congresso. Até mesmo os líderes do governo batem cabeça e se dividem sobre o melhor caminho a seguir para superar a crise que paralisa as votações de interesse do Planalto.

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“Não podemos ficar nesse impasse”, disse ao Estadão o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). “Matéria para fazer qualquer tipo de barganha existe de sobra. Não tem sentido não deixar o processo andar”, afirmou o senador, ao ser questionado se o objetivo de Lira era esticar a corda para pressionar o Executivo por cargos e mais influência na distribuição de emendas.

Wagner defendeu Pacheco ao argumentar que a queda de braço no Congresso atrasa votações importantes para o País, como a do aumento do salário mínimo e de programas sociais, a exemplo do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida. A nova configuração da Esplanada sob Lula, agora com 37 ministérios, também precisa passar pelo crivo do Legislativo.

Jaques Wagner, líder do governo no Senado, defende Pacheco e diz que só votando para saber o tamanho da base do governo. Foto: Wilton Junior/Estadão  

Todas essas iniciativas fazem parte do pacote de 13 MPs que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou para o Congresso desde que tomou posse, em janeiro. Caso não sejam votadas, as medidas provisórias perdem a validade em 120 dias.

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No fim do ano passado, durante a transição de governo, Lula conseguiu que o Congresso aprovasse uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com o objetivo de destravar recursos no Orçamento para tirar do papel alguns desses projetos. Agora, porém, tudo está emperrado por causa do duelo entre Lira e Pacheco.

Ao contrário de Jaques Wagner, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que quem está certo no confronto é Lira, e não Pacheco. “O que está acontecendo é gravíssimo”, resumiu Guimarães. “Precisamos de uma solução política para essa crise. Do contrário, não se vota nada aqui e tudo vai piorar”, previu o deputado.

Lira e Pacheco praticamente não se falam. Os dois já conversaram com Lula sobre a crise e o Planalto tenta mediar uma saída para o impasse. A partir desta segunda-feira, 27, a Câmara começará a votar 13 medidas provisórias do governo Jair Bolsonaro, mas as outras 13 encaminhadas por Lula ainda ficarão à espera da definição sobre o modelo a ser adotado.

Cartas

A briga de poder tem como pano de fundo quem dá as cartas para a tramitação das medidas provisórias no Congresso. Motivo: o rito original foi abreviado durante a pandemia de covid-19, quando as votações eram feitas por sistema remoto.

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A Constituição prevê que as MPs devem ser analisadas em comissões mistas, formadas por 12 deputados e 12 senadores, antes de passar pelos plenários das duas Casas. Desde 2020, porém, esses colegiados – que podem apresentar emendas às propostas – foram abolidos. Com isso, Lira indica sozinho o relator das MPs e todas as medidas seguem direto para os plenários.

Sem acordo para retomar o modelo anterior, vigente antes da pandemia, Pacheco aceitou, na semana passada, a questão de ordem encaminhada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), com apoio de outros líderes dos partidos, e decidiu instalar as comissões mistas para votar as MPs. “O rito anterior era excepcionalíssimo. Eu confio no bom senso”, disse Pacheco.

Adversário de Lira, Renan afirmou que o presidente da Câmara precisa cumprir a Constituição, sob pena de cometer crime de responsabilidade. “A Constituição não se presta a chantagens e Arthur está criando a primeira crise institucional desse governo”, atacou Renan. “Ele quer usurpar o poder do Senado.”

Para Guimarães, porém, o melhor modelo de tramitação das MPs ainda é o estabelecido durante a pandemia, pois “agiliza” o processo. “As comissões mistas são constitucionais, mas são o verdadeiro terror. Muitas vezes, são usadas como instrumento de pressão contra o governo e não acho isso bom”, destacou o petista.

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Lira definiu a decisão de Pacheco como “draconiana” e, numa referência às críticas de Renan, afirmou que questões de Alagoas não podem interferir no Brasil. “O maior interessado na vigência das MPs é o Senado”, reagiu o presidente da Câmara. “Eles que indicaram ministros, eles que têm ministérios. Eu não tenho ministérios indicados”, provocou.

Na tentativa de manter o poder sobre a pauta, Lira ameaça não indicar integrantes para compor as comissões mistas de análise das MPs. Como mostrou o Estadão, se não conseguir o que quer, o líder do Centrão pretende forçar o Planalto a trocar as MPs por projetos de lei. Até agora, Lula só enviou medidas provisórias ao Congresso, mas em breve pretende encaminhar projeto que estabelece a nova âncora fiscal do País e a proposta de reforma tributária.

Do outro lado do Congresso, no Salão Azul, Jaques Wagner advertiu que, se a Câmara não indicar os nomes para as comissões mistas, Pacheco fará isso. O presidente do Senado também comanda o Congresso e tem essa prerrogativa. “As Medidas Provisórias precisam rodar”, disse Wagner.

Apesar de ter acelerado a distribuição de cargos no segundo escalão, Lula ainda conta com dificuldades para formar sua base de sustentação no Congresso. Mesmo com três ministérios e outras repartições no governo, o União Brasil se declara “independente” e não promete fidelidade ao Planalto nas votações. Na prática, o governo não sabe o tamanho de seu arco de aliados.

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“Eu acho que só votando para saber. Nessas coisas a gente não pode ficar no ‘se’ isso, ‘se’ aquilo”, argumentou Wagner. “Eu prefiro que a gente comece a votar tudo em comissão, antes de qualquer decisão da Justiça. Essa é uma disputa desnecessária.”

Judiciário

A briga foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) porque o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) apresentou mandado de segurança para obrigar Lira a designar as comissões mistas para análise das MPs. “Se continuar assim, vamos ter de chamar Arthur de rei”, criticou Vieira.

Em manifestação enviada ao Supremo, na sexta-feira, 24, Lira respondeu que “o acionamento temerário do Poder Judiciário atenta contra a dignidade da Justiça, constituindo-se em litigância de má fé”. Afirmou, ainda, que o assunto está sendo discutido no âmbito do Congresso, não cabendo decisão judicial sobre o tema.

Responsável pela articulação política do Planalto com o Congresso, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse estar confiante no acordo, pois as medidas provisórias vencem a partir de junho. “Nesta semana, vamos ter na Câmara um ritmo concentrado de votação das 13 MPs que estão lá (do governo Bolsonaro) e construir um ambiente que, acredito, será de muito compromisso tanto da Câmara como do Senado”, observou Padilha.

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Na tentativa de amenizar a crise, Padilha afirmou que pretende manter um ambiente positivo no Congresso, perto da chegada do marco fiscal para apreciação de deputados e senadores. “E não vamos debater só com os partidos da base, mas também com os da oposição. Os projetos prioritários no Congresso não são do governo. São propostas fundamentais para o Brasil”, insistiu, em tom conciliador.

Até hoje, no entanto, não há acordo à vista e o duelo entre Lira e Pacheco acende o sinal amarelo no Planalto, às vésperas de o governo Lula completar cem dias, em um momento crucial para a economia do País.

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