BRASÍLIA – A disputa pela Prefeitura de Fortaleza na eleição municipal de outubro ampliou o racha entre PT e PDT no Estado, em um movimento que começou em 2022 quando uma briga entre os Ferreiras Gomes – os irmãos Ciro e Cid – pôs fim a uma aliança local entre as legendas que durava 16 anos.
Para enfrentar o prefeito e pré-candidato à reeleição, José Sarto, do PDT e apoiado por Ciro, o PT tirou da sigla agora adversária o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, deputado Evandro Leitão.
Leitão, que se lançou pré-candidato, já é apontado como favorito dentro do PT para concorrer ao pleito, apesar de outros nomes na sigla, como o da deputada federal e ex-prefeita Luizianne Lins, pleitearem a indicação. Em sinal de prestígio, o ato de filiação de Leitão ao PT, em novembro, contou com a presença do ex-governador e ministro da Educação, Camilo Santana (PT).
Em 2020, o PDT garantiu o maior número de prefeituras no Ceará. Foram 66 de 184 municípios, incluindo a capital, Fortaleza, o que fez do Estado o mais valioso para o partido. Agora, a legenda tem a missão de preservar o controle da prefeitura.
Já o PT, como mostrou o Estadão, deve ter candidatos em 11 capitais e quer usar o pleito para consolidar novos quadros, sob o risco de repetir o fiasco de 2020, quando a legenda não elegeu prefeitos para nenhuma das 26 capitais brasileiras.
Licenciado da presidência nacional do PDT, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, afirmou em evento em Fortaleza que Sarto é “prioridade nacional do PDT nas eleições de 2024″ e criticou, sem citar nomes, o que chamou de “oportunistas”.
“Você é a prioridade nacional do PDT nas eleições de 2024 e você está fazendo a continuidade com lealdade, com correção de caráter e com competência. Isso mostra a sua correção de caráter. Só um bom-caráter é leal. Mau-caráter jamais será leal. Mau-caráter é um oportunista”, disse Lupi.
Segundo a Coluna do Estadão, o PDT vai priorizar capitais que rivalizam com o PT e garante que as questões locais não afetam a aliança nacional.
“Fortaleza é a joia da coroa para o PDT não só como partido, mas especialmente algo que está em disputa desse grupo político, que são os Ferreira Gomes e aliados, que compõem a sigla”, afirma Monalisa Soares Lopes, professora e pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Para o grupo alinhado a Ciro Gomes e ao próprio PDT nacional, a vitória em Fortaleza é de uma extrema relevância para manter a sua relevância política. Seria muito negativo perder”, diz.
Dentro do PT, disputam com Leitão outros quatro nomes: Luizianne Lins, o presidente do PT na capital cearense, Guilherme Sampaio, a deputada estadual Larissa Gaspar e o ex-deputado federal Artur Bruno.
O principal nome da oposição é o ex-deputado Capitão Wagner (União Brasil). Mas a eleição pode ter outros dois candidatos. O deputado federal André Fernandes (PL) e o senador Eduardo Girão (Novo) – ambos vão disputar o voto dos bolsonaristas.
Entenda o que está em jogo na eleição da capital cearense:
Divisão entre família Ferreira Gomes no PDT provoca migração de membros para PSB e PT
Em 2022, um desacerto sobre a indicação ao governo do Estado ruiu a aliança entre PDT e PT e a relação entre os irmãos Ferreira Gomes.
Então governador do Estado, Camilo Santana licenciou-se para disputar o Senado, o que abriu espaço para a então vice-governadora Izolda Cela, àquele momento filiada ao PDT, ser a candidata da coalizão ao governo. Só que isso não aconteceu.
Um grupo capitaneado por Ciro Gomes preferiu apoiar a candidatura do ex-prefeito Roberto Cláudio ante Izolda, que era apoiada por Camilo, pelo senador Cid Gomes (PDT) e pelo prefeito de Sobral, Ivo Gomes.
O PT, então, lançou Elmano de Freitas, que venceu o governo no primeiro turno. Camilo foi eleito senador e virou ministro da Educação, e Izolda Cela hoje é secretária executiva da pasta.
Apoiado por Ciro, Roberto Cláudio foi o terceiro colocado, atrás de Capitão Wagner. Ciro, que disputou a Presidência e seguiu caminho oposto ao dos irmãos, disse à época que foi “apunhalado pelas costas”.
A divisão persiste. Em outubro do ano passado, a Executiva nacional do PDT abriu processo de intervenção no diretório estadual da sigla no Ceará após uma reunião acalorada. Houve bate-boca e troca de ofensas entre Cid e Ciro Gomes.
Cid tenta assumir o controle do PDT no Estado contra o deputado federal André Figueiredo, mas enfrenta resistência de uma ala do partido que defende oposição ao PT e da qual Ciro faz parte.
A tentativa de Cid fracassou. André Figueiredo é o atual presidente em exercício do PDT, enquanto Carlos Lupi exerce a função de ministro da Previdência, e indicou um aliado para ocupar o diretório estadual.
Com isso, como mostrou o Estadão, Cid Gomes migrará para o PSB. O PDT ainda planeja que o PSB possa apoiar a sigla em 2024. Mas há um obstáculo: Eudoro Santana, pai de Camilo, é o presidente da sigla no Estado. Como resultado do conflito entre a família Ferreira Gomes, outros quadros deverão ir para o PSB.
PT tem divergência entre nomes; ex-pedetista é favorito
No último dia 15, Evandro Leitão anunciou a pré-candidatura à Prefeitura de Fortaleza. Mas ele disputa a indicação com outros quatro nomes: o ex-deputado federal Artur Bruno, o presidente do PT na capital cearense, Guilherme Sampaio, a deputada estadual Larissa Gaspar e a deputada federal Luizianne Lins.
A principal contenda está entre Leitão e Luizianne. O primeiro é o favorito por contar com o apoio de Camilo, principal figura política cearense neste momento, enquanto Luizianne é um quadro histórico do partido. Ela já foi prefeita de Fortaleza por dois mandatos e tem apoio na base petista.
Internamente, petistas mais ligados aos movimentos de base têm mais resistência de Leitão, um petista neófito. Uma visita de Lula ao Ceará no último dia 19 reacendeu a rivalidade. Lula visitou o Estado para assinar o decreto que cria o primeiro campus do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o primeiro fora de São Paulo.
Leitão foi o único pré-candidato que esteve no palco do evento com o presidente. Por meio da assessoria, Luizianne disse ter sido barrada de subir no palco em um evento “coordenado pelo ministro da Educação” e disse que foi vítima de “violência política”.
“A deputada não irá se submeter a isto novamente, pois já basta de tanta violência política contra ela, que sempre foi apoiadora do presidente Lula, mesmo quando ele estava encarcerado na PF de Curitiba”, publicou, em nota, a assessoria de Luizianne. Larissa Gaspar e Guilherme Sampaio acompanharam Lula na plateia.
O Planalto negou, em nota, que Luizianne tenha sido barrada e disse que os deputados federais do Estado foram convidados.
O impasse pode ser resolvido ou por um inesperado consenso entre os indicados ou até março. Caso ainda haja discordância até o prazo final, há dois mecanismos de seleção interna no partido. O primeiro é a escolha de um nome por 2/3 do diretório ou por prévias.
“Luizianne tem uma base eleitoral muito sólida em Fortaleza e isso pode ter um peso”, afirma Monalisa Soares, pesquisadora da UFC. “Resta saber se a força de Camilo será suficiente para passar por cima da dimensão da discussão interna. Não vejo que seja possível fazer uma campanha petista de êxito tão expressivo sem haver uma ponderação da candidatura de Luizianne.”
“Essa é uma eleição muito singular. Há quatro candidaturas com potencial de disputar o segundo turno”, analisa Guilherme Sampaio, presidente do PT em Fortaleza e um dos pré-candidatos. “Mas, para além disso, temos a eleição de Lula, de Elmano, a liderança de Camilo. Tudo isso favorece o PT a vencer as eleições em Fortaleza.”
Evandro tem esperança que o grupo possa chegar a um consenso. “Penso que temos que construir uma unidade. É importante que todos saiamos unidos para essa disputa”, diz. “Não podemos ter uma desunião interna. Nossos adversários estão do lado de fora. São os bolsonaristas.”
Oposição à direita terá três candidatos e tem bolsonarismo como novidade
Derrotado no segundo turno nas últimas duas eleições para a Prefeitura de Fortaleza e no primeiro turno para o governo do Estado em 2022, o ex-deputado Capitão Wagner tenta finalmente assumir um posto no Executivo. Seu nome despontou depois de liderar um motim da Polícia Militar do Ceará entre 2011 e 2012.
A carreira dele na política foi de rápido crescimento: foi eleito vereador em 2012, eleito deputado estadual em 2014, chegou ao segundo turno do Executivo da capital em 2016, eleito deputado federal em 2018 e, por fim, foi derrotado três vezes: duas para a prefeitura e uma para o governo.
Sem mandato, Wagner assumiu a Secretaria de Saúde de Maracanaú, que tem a segunda maior arrecadação no Estado. Muitas das críticas feitas a ele nos pleitos aos Executivo no Ceará passavam pela falta de experiência dele no setor.
Na última campanha para o governo, mesmo com identificações sobretudo no campo da segurança pública, Wagner apostou em esconder o nome de Bolsonaro, temendo a rejeição do ex-presidente no Estado.
Monalisa Soares, pesquisadora da UFC, crê que ele chega com o cenário eleitoral mais complexo. “Ele vai enfrentar duas máquinas expressivas: a da prefeitura (PDT) e a do governo do Estado (PT)”, diz. “A não ser que ele construa pactos de não-agressão com essas forças políticas ou consiga conquistar outros partidos, para ele está mais complexo. Ele ainda perde braço político de aliados, que seria o grupo ideológico do bolsonarismo. É mais difícil ter viabilidade.”
Isso porque o bolsonarismo terá dois de seus principais nomes. André Fernandes (PL) e Eduardo Girão (Novo). Fernandes, de apenas 26 anos, já tem uma carreira de vitórias eleitorais.
Ex-youtuber, ele se tornou um dos principais bolsonaristas do Ceará. Foi eleito deputado estadual em 2018 e deputado federal em 2022. No primeiro ano de mandato em Brasília, ele foi o autor e principal mobilizador da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, um tiro que, no fim, saiu pela culatra. Bolsonaro foi um dos nomes com pedido de indiciamento no relatório final.
Como mostrou o Estadão, a Polícia Federal concluiu que o deputado incitou a prática de crimes no dia 8 de janeiro. Em relatório enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a PF destacou uma publicação em que ele chama manifestantes para participarem do “primeiro ato contra o governo Lula”, dois dias antes.
Ele também publicou uma foto de um golpista com uma porta vandalizada com o nome de Alexandre de Moraes. “Quem rir, vai preso”, escreveu.
André Fernandes foi um dos articuladores pela saída de Yury do Paredão (CE) – um deputado da mesma sigla que apoiava Lula e fez o “L” – da legenda. Agora, ele tenta apostar na força do ex-presidente para assumir a Prefeitura de Fortaleza.
Há, porém, outro nome em jogo: Eduardo Girão, senador, que também defende pautas bolsonaristas, foi membro da CPMI e aposta no capital político para vencer o pleito. Ele foi presidente do Fortaleza Esporte Clube e será uma candidatura alternativa do bolsonarismo. No ato de lançamento de sua pré-candidatura, em novembro do ano passado, o próprio André Fernandes esteve presente.
“O cidadão fortalezense está vendo, nos últimos anos, uma sucessão de nomes de uma oligarquia, do PT e do PDT. Agora, estão posicionando propostas diferentes. Isso não entra na cabeça de ninguém”, diz Girão. “Acredito que o cidadão vai apostar em algo novo. Por isso estou colocando o meu nome.”
Ele acredita que a divisão entre candidatos de direita não deve causar danos a nenhum deles. “Acredito que quanto mais pré-candidaturas, melhor. Quem quer renovar, é um desses candidatos, de espectro mais à direita, conservador. Estamos sempre conversando, eu, Capitão Wagner, André Fernandes”, afirma.
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