‘Dívida poderá ser paga em terra para reforma agrária’, diz ministro de Lula

Após MST invadir área produtiva no sul da Bahia, Paulo Teixeira afirma que agronegócio é ‘importantíssimo’ para o Brasil

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Foto: Wilton Junior
Entrevista comPaulo TeixeiraMinistro do Desenvolvimento Agrário

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, afirmou que o governo não vai admitir ocupações de terra fora da lei. Às vésperas do “Abril Vermelho”, quando o Movimento dos Sem-Terra (MST) lembrará o 27.º ano do massacre de Eldorado do Carajás, Teixeira destacou que sua prioridade no cargo será mediar conflitos e acelerar a reforma agrária.

‘‘Protestos fora da lei não terão apoio do governo”, disse ele, em entrevista ao Estadão. “Quando os movimentos souberem de alguma terra improdutiva, basta indicá-la para o Incra.”

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, tem no gabinete produtos de várias cooperativas mantidas por agricultura familiar. Foto: Wilton Junior/Estadão

A equipe econômica avalia uma proposta para que devedores da União paguem parte de suas dívidas em terras. A ideia é que essas propriedades sejam destinadas à reforma agrária. A sugestão também será oferecida à Suzano Celulose, que teve três fazendas invadidas pelo MST, no sul da Bahia, caso a empresa tenha débitos com a União. O MST deixou as áreas na terça-feira, 7.

A mesa e uma estante do gabinete de Teixeira exibem produtos de cooperativas de várias regiões do País, vindos da agricultura familiar. Na noite do mesmo dia em que o MST saiu das propriedades da Suzano, o ministro compareceu à posse da diretoria da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Acompanhado pelo titular da Agricultura, Carlos Fávaro, ele fez um discurso em tom conciliador. “Para nós, a agricultura familiar e o agronegócio não são contraditórios”, insistiu Teixeira, que é filiado ao PT desde a fundação do partido, em 1980.

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A Suzano alega que foi o Incra quem desrespeitou o acordo feito em 2015 sobre a destinação das terras para o MST. Por que o Incra não cumpriu o acerto?

Se a Suzano fez um acordo com o Incra em 2015, caberia à empresa ter exigido o cumprimento, nesses sete anos. O descumprimento se deu nos governo Temer e Bolsonaro.

Mas em 2015 o governo era comandado pela presidente Dilma Rousseff.

Em 2016, caiu o governo Dilma. Quando um termo de intenção é celebrado, há um tempo para se executar. E esse tempo foi o da derrubada da presidente Dilma. Houve uma interrupção do diálogo. Agora, quando aconteceram essas ocupações, a Suzano nos pediu para fazer esse diálogo. Eu chamei o MST e criamos uma mesa de negociação. Estamos nos debruçando sobre o que efetivamente foi assinado e a quem cabem as responsabilidades.

A dotação orçamentária do Incra para aquisição de terras é de R$ 2,4 milhões neste ano. Mas, para que fosse feita a desapropriação de 4 mil hectares da Suzano, o Incra teria de dispor de R$ 50 milhões. É uma conta que não fecha.

Esse orçamento que nós recebemos no Incra é muito insignificante para enfrentar qualquer situação de aquisição de terras. Eu também coloquei na mesa, no debate com a Suzano, se a empresa poderia fazer doação em pagamento de alguma terra para resolver esse conflito na Bahia, caso tenha dívida com o governo federal. Isso tudo está em estudo.

O agronegócio teme que, após esse episódio, a prática de invadir para depois negociar vire rotina. Como combinar a solução dos problemas sociais no campo com o respeito à propriedade produtiva?

Nós vamos cumprir a Constituição e a legislação brasileira e respeitá-las. Protestos fora da lei não terão apoio do governo. O que nós queremos é acelerar o processo de reforma agrária, que está represado desde 2015. Há sete anos que não se desapropria um centímetro de terra no Brasil. O governo passado cometeu um crime em relação à determinação constitucional de fazer a reforma agrária.

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Mas o sr. mesmo disse que não há recursos...

Primeiro, vamos ver quais são os processos para os quais já havia até recursos destinados e, mesmo assim, o governo desistiu deles. Aí é concluir a aquisição dessas áreas porque eram desapropriações judiciais. Em segundo lugar, quando a terra não cumpre a função social, você pode desapropriar por meio de pagamentos de Título da Dívida Agrária (TDA). Não é preciso dinheiro em cash para pagar. Nós também vamos fazer o levantamento de áreas públicas disponíveis para reforma agrária no Brasil. E, ainda, estabelecemos diálogo com o Ministério da Fazenda e com a Advocacia-Geral da União para adjudicar áreas de devedores do Estado brasileiro. Uma empresa que é grande devedora do INSS, por exemplo, pode pagar parte da dívida com terra e, com isso, destiná-la à reforma agrária. Se ela é uma devedora de impostos, pode pagar dessa forma. É compensar a dívida com terra.

Quem são esses grandes devedores?

Esse não é um debate em que você indica um ou outro devedor. Nem acho correto fazê-lo. Isso requer uma avaliação técnica da AGU e do Ministério da Fazenda de quais desses devedores também estão dispostos a pagar seus impostos entregando áreas para fim de reforma agrária. É uma proposta em discussão dentro do governo.

E como o governo se prepara para o “Abril Vermelho”, quando há uma onda de invasões promovidas pelo MST para lembrar o massacre de Eldorado do Carajás, em 1996?

Esses protestos todos devem ocorrer dentro da lei. Quando os movimentos souberem de alguma terra improdutiva, basta indicá-la para o Incra. Esse ministério estará aberto para receber todos os movimentos, para indicar as suas demandas e para fazer com que nós aceleremos os programas de reforma agrária. Nós vamos respeitar a propriedade privada. Vamos buscar o cumprimento de sua função social.

O “Abril Vermelho” é sempre marcado por invasões e o governo Lula 3 está começando. O presidente disse que o MST não invadia área produtiva, mas invadiu. Esses protestos não desgastam o governo?

Eu não sei como será o “Abril Vermelho”. Todas as audiências que os movimentos nos pedirem serão marcadas.

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Eu não estou falando de audiências, mas de invasões. Isso não aumenta o clima de polarização no País?

O que está dentro da lei será recepcionado. O que estiver fora da lei, não. Essa ocupação na Bahia foi um caso isolado. Não é uma política nacional de nenhum movimento a ocupação de áreas produtivas.

Só que o próprio governo foi surpreendido nesse caso.

Nós constituímos uma comissão de mediação de conflitos, com a presença de gente especializada. Localizamos áreas de conflito no Paraná, em São Paulo, em Minas Gerais e no sul do Pará. Estamos dedicados a evitar a ampliação desses episódios e a ter um clima de paz no campo. Para nós, o agronegócio e a agricultura familiar não são contraditórios. O que precisamos ter é uma interação entre eles e uma boa relação. É isso que nós vamos promover aqui.

O sr. compareceu à posse da diretoria da Frente Parlamentar da Agropecuária, na terça-feira. Como pretende se aproximar da bancada ruralista, que é forte no Congresso?

Eu conto com a bancada associada ao agronegócio para fortalecimento da agricultura familiar, programa de reforma agrária, combate à pobreza na zona rural, produção de alimentos e também para fazer uma transição ecológica na agricultura. O agronegócio tem papel importantíssimo para o Brasil, para a balança comercial.

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O Ministério do Desenvolvimento Agrário ficou com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Incra. Deputados ligados ao agro se queixam de que o Ministério da Agricultura foi esvaziado e vão tentar derrubar essa medida. É possível alguma negociação?

É uma ofensa dizer que o Ministério da Agricultura está esvaziado tendo a Embrapa na mão e toda a estrutura que tem. A Embrapa é uma potência. O Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) da Conab será lançado no próximo dia 22, no Recife. E a Conab vai comprar agora, via PPA, R$ 500 milhões do agricultor familiar. Esse recurso é para ajudar o agricultor familiar a organizar a sua produção. Quando você precisar fazer estoque regulador, vai ser ser do agro. Então, nós estamos fazendo uma gestão híbrida. Certas diretorias mais relacionadas com agricultura familiar serão ocupadas por pessoas que já foram da Conab nos governos Lula e Dilma. E as diretorias relacionadas ao agronegócio vão ser indicadas pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. O Fávaro é um achado, uma benção de Deus. Minha relação com ele é muito fraterna. O Incra também é um órgão íntimo desse ministério. Não há conflito.

Hoje, cerca de 90 mil pessoas vivem em acampamentos, em condições precárias. A maior parte dos assentamentos está abandonada por falta de estrutura. De que forma o sr. vai resolver esse problema?

Aos atuais assentamentos nós vamos destinar crédito, assistência técnica, financiamento para compra de equipamentos e para instituição de agroindústria e cooperativa. Já temos R$ 270 milhões para assistência técnica e estamos fechando um projeto com a ONU. Para os novos assentamentos, nós vamos testar uma outra modalidade, por meio de agrovilas e de cooperativas para exploração dessas terras. A agrovila se organiza em torno da escola, do posto de saúde... Tem internet, tem uma área de esporte para as crianças. E assim você promove o desenvolvimento no campo.

As igrejas pentecostais e o bolsonarismo entraram nos assentamentos. O ex-presidente Jair Bolsonaro deu internet 5G para assentados e distribuiu títulos de propriedade de terra. Há uma preocupação com essa aliança numa área até agora sob influência exclusiva da esquerda?

Os evangélicos são bem-vindos, todas as religiões são bem-vindas em todos os cantos do Brasil porque realmente querem fazer o bem. O campo brasileiro, principalmente a agricultura familiar, votou no Lula. Bolsonaro abandonou a agricultura familiar.

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O sr. disse que títulos de propriedade concedidos pelo governo Bolsonaro são “papel de pão”. Por quê?

Porque são títulos que as pessoas não conseguem registrar em cartório. Ele (Bolsonaro) não aprovou a lei no Congresso. Mesmo assim, fez um programa sem respaldo legal. É um programa no qual você automaticamente consegue a titulação da sua área sem que alguém vá lá verificar se você está na área. A nossa preocupação é que essa titulação automática possa legalizar áreas de grilagem. Há decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) apontando que certas áreas foram concedidas a pessoas que não poderiam receber esses títulos. Esse programa requer uma revisão.

O governo vai tirar quem já está morando nessas áreas?

Não. A vida é olhar para frente. Doravante, nós vamos destinar terra conforme critérios sociais e ambientais. Terra pública não é um bem infinito.

E quem vai decidir isso?

É a Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária. Antes, nós ficamos sete anos ao “deus-dará”.

Líderes do campo reclamam que boa parte das 27 superintendências do Incra ainda está nas mãos de aliados de Bolsonaro. Por que a demora nas substituições?

Quinze das 27 superintendências já foram nomeadas e outras 12 serão na semana que vem.

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O presidente Lula quer medir a fidelidade da base aliada em votações no Congresso antes de distribuir os cargos que faltam?

O Incra não entra nessa conta. É que, principalmente hoje, para alguém ser nomeado, a vida dele tem que passar por um pente-fino. Então, isso tudo demora.

Por falar em pente-fino, parece que isso não houve com o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. O sr. ia assumir Comunicações, mas Juscelino entrou na última hora. O ‘Estadão’ mostrou irregularidades praticadas por ele, como uso de avião da FAB para participar de leilão de cavalos. Lula errou?

Em primeiro lugar, eu estou muito feliz aqui. Em segundo, ele (Juscelino) dialogou com o presidente Lula. O presidente disse que as explicações que ele deu foram satisfatórias. Foi uma nomeação que significou a necessidade de alianças com o Congresso (Juscelino Filho é filiado ao União Brasil) e, portanto, necessária.

Essas críticas que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, fez à reoneração dos combustíveis, às indicações do Ministério de Minas e Energia para o Conselho da Petrobrás e a cobrança dela pelo afastamento de Juscelino atrapalham o governo?

Há temas sobre os quais eu acho legítimo e necessário que o PT se pronuncie e o governo possa concordar ou discordar. Na minha opinião, foi corretíssimo fazer a reoneração dos combustíveis. E também se tocou no tema do PPI (Preço de Paridade de Importação). O que nós temos de ver? Um governo nosso não pode ter um partido que seja subalterno.

Mesmo que isso cause desconfiança e desgaste com o mercado?

Desgaste não se causa por declarações, mas, sim, por políticas. Nesse caso, Gleisi teve uma opinião sobre a desoneração e o governo tinha outra. O PT tem que expressar as suas opiniões e nem sempre a opinião do partido terá razão no governo. É novo porque você vê que nos outros governos não existe partido, não é? Não tem opinião a ser dada. E, no nosso partido, isso é da vida. É proibido proibir no PT.

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