BRASÍLIA - Após revelar uma trama golpista envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e contar versões divergentes sobre o caso, o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) alegou que fez isso para chamar a atenção. Em dois dias, o parlamentar capixaba fabricou pelo menos cinco versões diferentes do plano elaborado no Palácio da Alvorada para impedir a diplomação e posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesta sexta-feira, dia 3, Do Val soltou a mais recente variação de sua “denúncia”: disse que tudo o que falou foi de caso pensado. Agiu para “ludibriar o inimigo”, declarou numa entrevista. E explicou o motivo: quer pedir o afastamento de Alexandre de Moraes da função de relator de inquérito sobre atos antidemocráticos que tramita no do Supremo Tribunal Federal (STF). Do Val disse que o ex-presidente está sendo comunicado de seus passos e agradeceu o apoio dos filhos parlamentares dele, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a quem chamou de “parceiraços”.
Na madrugada de quinta-feira, o senador lançou na redes sua primeira versão. Contou que a revista Veja publicaria reportagem contando plano de Jair Bolsonaro para dar um golpe. Do Val postou um vídeo dizendo que foi coagido pelo então presidente em dezembro do ano passado a gravar o ministro do STF Alexandre de Moraes para obter dele uma declaração comprometedora que servisse para anular as eleições e impedir a posse de Lula.
Procurado pelos filhos de Bolsonaro, Do Val deu início a segunda versão. Atendeu a imprensa em seu gabinete e começou a dizer que Bolsonaro não tinha bolado o tal plano. A ideia era do deputado Daniel Silveira, que participara da conversa no Alvorada. Uma terceira versão foi apresentada em seguida na Globonews, dizendo que só foi se reunir com o então presidente depois de consultar o ministro Alexandre de Moraes que teria dito que era importante ir lá “porque todas as informações são importantes”.
A quarta versão apresentou à Polícia Federal. Ao prestar depoimento na noite de quinta-feira, Do Val alegou que só tinha gravado vídeo relatando coação de Bolsonaro porque estava com raiva de ataques que sofridos nas redes sociais de bolsonaristas.
Nesta sexta-feira, o senador apresentou a quinta versão. Alegou que faz uso de técnicas de contrainteligência, dando declarações antagônicas, e admitiu que mentiu ao dizer que renunciaria ao cargo apenas chamar atenção. Ele afirmou que estava propositalmente divulgando informações confusas para tumultuar a narrativa e reclamou de comentários de que estaria com “distúrbios mentais”.
“Quem trabalha no setor de inteligência sabe que a gente não faz um histórico de começo, meio e fim. Nós soltamos informações em cada emissora de uma forma exatamente para ludibriar o inimigo. Estou deixando todo mundo tonto, eu solto uma informação para um, uma informação para outra...”, afirmou Do Val, que atua na área policial, a seus seguidores no Instagram.
“Estou usando de artimanhas estratégicas, de todo o meu histórico de conhecimento e lidando com o mundo estratégico. Tem repórter dizendo que ‘o senador está se contradizendo, está tendo desequilíbrio emocional’. Tudo isso é proposital. Falei para vocês do bad cop, good cop (mau policial, bom policial). Tem várias técnicas que são utilizadas e estou fazendo uso de todas elas. Ontem vocês viram eu dizendo que ia renunciar. E a imprensa veio sedenta por esta questão. Não vai acontecer isso. Isso foi uma jogada para eu conseguir fazer com que a imprensa pudesse vier em peso, para que pudesse dar início à nossa estratégia.”
Também na live mais recente, o senador afirmou que foi muito bem tratado na PF e negou que possa ser preso. O parlamentar de fato falou na condição de testemunha. Segundo conta, não permitiu que nenhum agente ou delegado consultasse mensagens trocadas com o clã Bolsonaro. Mas entregou extratos de diálogos privados com Moraes e Silveira. “A PF me atendeu melhor que na minha casa”, disse Marcos Do Val. ”Sorte por causa do meu passado de lidar e treinar policiais, encontrei muitos amigos, não foi nem um depoimento como testemunha normal, foi uma reunião de amigos, onde conseguimos colocar tudo passo a passo. Mostrei toda a conversa minha e do ministro e do Daniel. Não autorizei e não mostrei nenhuma conversa do presidente Bolsonaro, não mostrei e não permiti nenhuma conversa minha com Flávio Bolsonaro, não mostrei e não permiti ninguém visualizar minha conversa com o Eduardo Bolsonaro.”
Do Val disse em vídeo publicado em sua conta no Instagram que os filhos do ex-presidente são “parceiraços”, e relatou que Bolsonaro já foi comunicado e que estão atuando de forma “estratégica”. “Bolsonaro está sendo comunicado, gentilmente disponibilizou o ministro da Comunicação dele. Então, Flávio Bolsonaro, parceiraço, Eduardo Bolsonaro, parceiraço. Fiquem tranquilos que estamos trabalhando de forma estratégica”, disse.
O senador disse que foi convidado para se filiar ao PL pelo presidente da legenda, Valdemar Costa Neto. Ele se disse de direita, negou que tenha traído o bolsonarismo e disse ter como objetivo provocar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os atos extremistas de 8 de janeiro.
“Não tem movimento nenhum de tentar descredibilizar o presidente, não tem absolutamente nada nesse sentido”, conta. “O próprio Flavio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, o (ex-) presidente (Jair Bolsonaro), os ministros, eu quero aqui agradecer o apoio de todos, do Flavio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, dos ex-ministros que estão dando nos bastidores. Prefiro estar nessa batalha sozinho, para não incluir o partido, como se tivesse se formado um grupo contra o presidente ou contra a democracia”, afirmou. “Estamos entrando em rota de colisão com ele (Lula) e com o ministro da Justiça (Flávio Dino). Não vou recuar. Daqui para a frente vai ser uma batalha cada fez maior. Meu objetivo é tornar claro o crime de prevaricação dos ministros e do atual presidente da República.”
“Não vou dizer agora o que está planejado para acontecer. Vai ser realizado um desejo de todos os brasileiros. Vocês sempre me diziam que não estavam aguentando mais o movimento de uma certa pessoa com totais poderes, vamos conseguir fazer com que ele recue”, disse o parlamentar capixaba, que anunciaria em entrevista à CNN na sequência o pedido de afastamento de Alexandre de Moraes. “Hoje vou dar uma única exclusiva para uma repórter que eu confio, ela vai transmitir isso e vamos dar o start na segunda fase da nossa estratégia.”
Ao canal de TV, o senador afirmou que irá solicitar à Procuradoria Geral da República o afastamento de Alexandre de Moraes da relatoria referente aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Do Val afirma que teria como provar que ao comunicar o ministro sobre o que estava acontecendo em relação ao plano de golpe que foi convidado a participar, não recebeu, em nenhum momento, orientações para realizar a formalização. “Não fui orientado para formalizar absolutamente nada, nem por respostas às mensagens que enviei, nem pessoalmente durante o encontro que tivemos”, relatou ao ler o documento.
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