Dois anos de governo Lula: o que foi feito e o que ainda não saiu do papel?

Reforma tributária e valorização do salário mínimo estão entre as conquistas do governo, enquanto acabar com o orçamento secreto e retirar o Brasil do Mapa da Fome seguem como desafios; governo diz que declarar que promessas foram descumpridas é prematuro

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Foto do author Bianca Gomes
Foto do author Pedro Augusto Figueiredo

Prestes a completar dois anos de mandato, chegando à metade de seu terceiro governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu tirar do papel algumas de suas principais promessas de campanha, como a política de valorização do salário mínimo, a reforma tributária e a ampliação do Bolsa Família. Diversas outras, porém, não foram adiante, como a criação de uma nova legislação trabalhista, o compromisso de zerar o desmatamento na Amazônia e a promessa de acabar com o Orçamento Secreto.

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Procurado, o governo federal afirmou que declarar que promessas foram descumpridas é prematuro e que ao longo da gestão tem adotado uma abordagem de recuperação e expansão de programas sociais. “O governo procura integrar diversas ações, articulando diferentes áreas políticas para garantir que seus impactos sejam duradouros e tenham efeitos diretos na vida dos brasileiros, especialmente nas populações mais vulneráveis”, disse a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República, por meio de nota.

“Essa abordagem visa, portanto, não apenas uma resposta às urgências imediatas, mas também o estabelecimento de bases sólidas para o desenvolvimento futuro, com um compromisso claro em melhorar as condições de vida das pessoas de maneira ampla e sustentável”, acrescenta a Secom.

Na lista do que o governo conseguiu de fato entregar estão o Programa Desenrola Brasil, plataforma de renegociação de dívidas negativas; o reajuste do salário mínimo acima da inflação; a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança; a criação de uma bolsa para quem completar o Ensino Médio; e o programa Voa Brasil, com passagens aéreas de R$ 200 para aposentados. O programa tem tido adesão tímida.

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Lula também conseguiu aprovar a reforma tributária do consumo, alteração que era consenso entre os especialistas há décadas, mas que diversos governos não conseguiram levar a cabo — inclusive o próprio petista em sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)  Foto: Wilton Junior/WILTON JUNIOR/Estadão

Depois de promulgar no final de 2023 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que simplifica o sistema e unifica os tributos, o Congresso aprovou em 17 de dezembro o primeiro projeto de regulamentação com as principais regras de funcionamento do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será dual.

A isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês, uma das principais promessas de campanha do petista, foi anunciada no mês passado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), causando fuzuê no mercado. A proposta integra a reforma tributária da renda e será encaminhada ao Congresso Nacional de forma separada, mas só no ano que vem.

A proposta de uma nova legislação trabalhista permanece no campo das ideias. Em março, o governo encaminhou ao Congresso um projeto para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativos, mas o texto está parado na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços (CICS). Resultado das discussões de um Grupo de Trabalho (GT), a proposta estabelece um piso de R$ 32,10 por hora e limita a jornada a 12 horas diárias.

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“Existia um compromisso do presidente Arthur Lira de votar com o governo, mas o projeto ficou contaminado pela eleição municipal e não foi colocado em votação”, disse o relator Augusto Coutinho (Republicanos-PE). “Pelo que sei, o presidente Lula está muito incomodado e tem pressionado muito a própria Casa Civil nesse sentido”, acrescentou.

Segundo o deputado, há possibilidade de transformar os motoristas em microempreendedores individuais (MEIs), o que facilitaria a aprovação do texto porque é o desejo da categoria, mas há uma discussão no governo, pois isso prejudicaria as contas da Previdência Social.

Lula também não conseguiu pôr fim ao orçamento secreto. A prática foi transferida das emendas de relator para as emendas de comissão, até que em agosto o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, suspendeu o pagamento delas exigindo mais transparência. O ministro liberou a execução das emendas após o Congresso aprovar um projeto de lei complementar com novas regras. Dino, porém, reiterou que é preciso identificar nominalmente os parlamentares autores das emendas de comissão e dos chamados “restos a pagar” das emendas de relator. O governo tentou flexibilizar as determinações, mas o magistrado negou os pedidos feitos pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Após a novela, os líderes da Câmara descumpriram a decisão de Dino e indicaram R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão. No ofício, lideranças de 17 partidos assumem a autoria coletiva das indicações e não detalham quem são os autores individuais de cada emenda. Dino voltou a bloquear os recursos e determinou que a Polícia Federal abrisse uma investigação sobre o novo mecanismo criado.

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Outra promessa ainda pendente é a de zerar o desmatamento na Amazônia — embora números recentes tragam resultados positivos para o governo. De acordo com o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o desmatamento na região caiu 30,6% em relação a 2023, atingindo o menor patamar em nove anos. Com o desmatamento em queda, a pedra no sapato do governo passou a ser queimadas na região. De janeiro a novembro deste ano, foram registrados 123.361 focos de incêndio no bioma, segundo dados do Inpe, aumento de 48% na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Lula também não conseguiu implementar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), espécie de Sistema Único de Saúde (SUS) da segurança. o presidente apresentou a governadores uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca incluir o SUSP na Constituição. No entanto, a iniciativa enfrentou críticas tanto de governadores quanto de diversos setores.

“O SUSP é uma forma fundamental de articular os diferentes esforços realizados entre o governo federal, os estados e os municípios. Mas, infelizmente, o governo federal não conseguiu tirá-lo do papel. A PEC da Segurança foi apresentada de uma forma um tanto atabalhoada, sem muita discussão. Infelizmente, o governo tem enfrentado dificuldades no Congresso, e isso também impactou o SUSP”, afirma Rafael Alcadipani, professor da FGV-SP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

No plano de governo enviado por Lula ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), consta ainda o combate à inflação e o controle do dólar, metas que saíram dos trilhos no fim deste ano. Em dezembro, a moeda americana atingiu patamar recorde, enquanto as projeções de inflação do Banco Central subiram.

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A retirada do Brasil do Mapa da Fome foi uma das principais promessas de Lula durante a campanha eleitoral, mas ainda não se concretizou. Um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), divulgado em julho, indicou uma redução no índice de fome no país. Apesar disso, o Brasil segue no Mapa da Fome global, com 8,4 milhões de pessoas enfrentando a fome e 20% da população sem acesso adequado à alimentação nos últimos 3 anos.

A promessa de uma reforma política que fortaleça as instituições da democracia representativa e, ao mesmo tempo, amplie os instrumentos da democracia participativa permanece apenas no plano de governo do petista, sem que nenhum projeto tenha sido enviado ao Congresso até agora.

Na área da educação, Lula cumpriu a promessa de reajustar os valores per capita do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e de criar a bolsa estudante para quem concluir o Ensino Médio, materializada no programa Pé-de-Meia. Já em relação à implantação do Ensino em Tempo Integral, mencionada na carta de Lula divulgada às vésperas da eleição, o governo lançou o Programa de Escolas em Tempo Integral.

No entanto, segundo Olavo Nogueira Filho, Diretor Executivo do Todos Pela Educação, apesar de a formulação original da política ter sido positiva, o pacote fiscal deixou o cenário nebuloso. “A PEC estabelece mudanças na gestão dos recursos voltados para o Tempo Integral. O estranho é que essa medida foi proposta pelo próprio governo, e não fosse a atenuação que o Congresso fez, o impacto seria bastante relevante. Ainda assim, há uma incógnita no ar, pois não está claro se a lógica da política definida em 2023 será mantida e qual o grau de prioridade que o tema terá daqui em diante”

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Segundo Olavo, Lula também prometeu fazer um mutirão da recuperação da aprendizagem, o que se traduziu no Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens. “A política, ainda que muito meritória e com um desenho interessante, veio de forma muito tardia (junho/24) e praticamente não tem orçamento atrelado. Ou seja, zero prioridade. Considerando os efeitos persistentes da pandemia na aprendizagem, uma decisão que deveria ser revista.”

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