BRASÍLIA – Os ex-ministros Gilson Machado (Turismo) e Osmar Terra (Cidadania), além do ex-presidente da ApexBrasil, o contra-almirante Sergio Segovia, ainda não devolveram os relógios de luxo que ganharam de presente durante uma comitiva oficial ao Catar realizada em outubro de 2019.
Em março de 2023 o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que o recebimento dos bens por sete autoridades do governo Bolsonaro “extrapolou os limites da razoabilidade”. Em seguida, a Comissão de Ética Pública (CEP) e a Casa Civil da Presidência da República enviaram ofícios determinando a devolução dos relógios. No entanto, somente quatro dos sete notificados devolveram os itens de luxo.
Gilson Machado, que, na época da viagem oficial, era presidente da Embratur, informou ter contestado o pedido da CEP para devolver o relógio, alegando que houve cerceamento do direito de defesa e um ataque à ampla defesa e ao contraditório. Ele também solicitou uma perícia técnica sobre o bem. Sergio Segovia explicou que está disposto a devolver o relógio, mas acrescentou que nunca soube como proceder. Osmar Terra não respondeu.
As autoridades receberam do Catar relógios das marcas Cartier, Chopard, Hublot e Rolex, cujos valores chegam a R$ 100 mil, segundo estimativa do TCU com base no site das lojas. A devolução foi feita pelos ex-ministros Ernesto Araújo (Itamaraty), Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Augusto Heleno (GSI) e pelo ex-assessor do Ministério da Economia Caio Megale, após a decisão do TCU.
Inicialmente, a CEP, durante a gestão de Jair Bolsonaro, entendeu que os relógios não precisariam ser devolvidos, indicando a inexistência de “infringência ao Codigo de Conduta da Alta Administracao Federal e de situação objetiva configuradora de conflito de interesses”. O caso, no entanto, foi parar no TCU após representação do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP). Em março de 2023, o ministro Antonio Anastasia apontou que os presentes extrapolaram “os limites da razoabilidade”.
“Em suma, com base nos argumentos aqui esposados, o recebimento de presentes de uso pessoal com elevado valor comercial extrapola os limites de razoabilidade aplicáveis à hipótese de exceção prevista no art. 9º do Código de Conduta da Alta Administração Federal e no art. 2º, II, da Resolução CEP 3/2000 (troca protocolar e simbólica de presentes entre membros de missões diplomáticas), em desacordo com o princípio da moralidade pública, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal”, assinalou.
Contrariando a área técnica do TCU, Anastasia, contudo, não determinou a devolução dos bens. O ministro achou “mais adequado” informar seu entendimento à Comissão de Ética, “em reforço ao caráter pedagógico da presente ação de controle”, o que não impediu a adoção das providências administrativas cabíveis para a entrega dos bens à União.
Assim, a partir da decisão do Tribunal de Contas, a Casa Civil e a CEP notificaram as autoridades sobre o acórdão e solicitaram que os relógios fossem devolvidos.
Procurado, Gilson Machado ressaltou que aguarda uma decisão definitiva na Comissão de Ética Pública e que o pedido de devolução do item configura um pré-julgamento da demanda, além do cerceamento do direito de defesa e um ataque à ampla defesa e ao contraditório.
“Não é demais dizer que não integrei a lide da qual se originou o Acórdão TCU nº 236/2023. Ademais, naquele feito, o colendo Tribunal de Contas da União adotou decisão paradigmática que exige, sem qualquer dúvida, uma análise de cada caso em que possivelmente tenha havido mácula aos princípios da administração pública pela percepção de presente de alto valor”, assinalou, em manifestação enviada à Comissão de Ética Pública obtida pelo Estadão.
Ele acrescentou na manifestação que todos seus atos sempre estiveram permeados pela mais completa e absoluta boa-fé, transparência e legalidade e que o recebimento do relógio se deu em um “ambiente de reciprocidade diplomática, sem qualquer pretensão de influência em qualquer decisão a ser adotada por mim enquanto autoridade pública”.
Por fim, o ex-ministro do Turismo solicitou a realização de uma perícia técnica sobre o relógio. “Realizada essa perícia e constatado que o valor do item recebido é vultoso, aí sim será cabível a adoção das medidas necessárias para eventual devolução e incorporação desse item ao patrimônio da União.”
Ao Estadão, Gilson Machado disse que o relógio que ganhou de presente é da Chopard, mas negou usá-lo. “Faz 15 anos que uso esse aqui”, disse, ao enviar uma foto com um relógio da Aqua, encontrado por R$ 65.
Por telefone, Sergio Segovia explicou que, após ter sido notificado, perguntou à Comissão de Ética como deveria proceder para devolver o relógio, mas nunca recebeu resposta. “Estou esperando há mais de um ano para saber como entregar”, disse, acrescentando que tem total interesse em devolver o item.
Nos ofícios, a Casa Civil e a Comissão de Ética explicam que o item deveria ser entregue à Caixa Econômica Federal. Segovia considerou a informação insuficiente. “E eu não vou correr atrás [disso], da mesma maneira que isso foi surpresa pra mim, pois eu nem sabia inicialmente que eu tinha ganhado, não quero ter trabalho nenhum para devolver isso”, disse ao Estadão. Segovia explicou que recebeu o relógio cerca de três meses depois da viagem ao Catar, quando um tenente e um sargento entregaram o presente.
A assessoria de Osmar Terra não se manifestou.
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