Dono da Odebrecht diz que conflito com filho Marcelo foi instigado por Sergio Moro

Emílio Odebrecht revela em livro ligação que recebeu do filho quando herdeiro foi preso pela Lava Jato: “Não se preocupe, meu pai, tudo vai ser resolvido”

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Foto do author Julia Affonso
Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - No tempo da Lava Jato, o empresário Emílio Odebrecht e o filho Marcelo, preso em 2015, entraram em rota de colisão. Marcelo, que chefiava o grupo desde 2009, se opôs aos termos do acordo de delação costurado pelo pai. Na guerra familiar, ele discordou ainda do tratamento que recebia da família, disse que era um “bode expiatório” e chegou a acusar o pai e o irmão, Maurício, de extorsão e tentativa de tirar empresas dele.

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Agora, no livro, Emílio avalia que o comportamento de Marcelo ocorreu numa situação de “perseguição” e “maus tratos” por parte da força-tarefa da operação. Por isso, diz o empresário, o filho não teria tido a “visão do todo” em relação ao comportamento da família diante do avanço da Lava Jato no grupo empresarial.

O autor não se estende no livro sobre os desdobramentos do conflito com Marcelo – Maurício segue sucessor de Emílio na representação no grupo Novonor, como a Odebrecht foi rebatizada, e na família. Ficam nas entrelinhas a tensão e as fragilidades de uma relação entre pai e filho. A reportagem procurou o empresário para comentar a situação familiar. “Este é um assunto de família, que só diz respeito à família e nela deve ser tratado”, disse Emílio.

No livro, empresário Emílio Odebrecht diz que Lava Jato não queria justiça, queria escândalo Foto: Reprodução

No livro, ele relata que só alguns anos depois conseguiu entender o comportamento da Lava Jato de manter Marcelo preso por tanto tempo. O empresário conta que o filho mergulhou no sofrimento a partir do momento em que Sergio Moro e a força-tarefa da operação teriam tentado extrair dele informações sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Emílio argumenta que o filho não tinha condições de atender aos anseios do juiz porque passou a chefiar a empresa apenas em 2009, no penúltimo ano do segundo mandato de Lula. E, mesmo nesses dois anos, a interlocução da construtora com o presidente manteve sob a responsabilidade de Emílio. “Marcelo os deixou terrivelmente frustrados ao demonstrar que não poderia ajudá-los na temporada de caça ao ex-presidente Lula, cuja relação sempre foi minha.”

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Procurado, o senador Moro disse que não comentaria o teor do livro.

“Marcelo os deixou terrivelmente frustrados ao demonstrar que não poderia ajudá-los na temporada de caça ao ex-presidente Lula, cuja relação sempre foi minha.”

Emílio Odebrecht em seu livro de memórias

O empresário conta ter sido apresentado ao petista há 30 anos por Mário Covas, ex-governador de São Paulo. Era uma “relação de confiança”. “O ex-presidente Lula, ao longo desses anos todos, jamais pediu ou tratou comigo de qualquer assunto de interesse pessoal ou privado.”

Telefonema ‘doloroso’

Emílio Odebrecht conta que estava na Fazenda Baviera, em Itagibá, no Sul da Bahia, quando o telefone tocou. Era manhã da sexta-feira 19 de junho de 2015. A mulher, Regina, atendeu e logo passou para ele. Do outro lado da linha, o filho mais velho, Marcelo, que tomava conta da construtora da família, informava aos pais que tinha sido retirado de casa em São Paulo por nove policiais federais, no âmbito de uma nova fase da Lava Jato. Quatro diretores da empresa também foram presos.

A festa de São João que o fundador da Odebrecht preparava para os netos foi cancelada. Era o menor dos impactos na vida de um empresário de 70 anos, na época, e afastado havia dez do comando do império da construção pesada. Foi, segundo ele, um dos telefonemas mais “dolorosos” que recebeu na vida. “Não se preocupe, meu pai, tudo vai ser resolvido”, disse Marcelo ao telefone.

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Emílio e Regina pegaram um pequeno avião rumo a São Paulo, onde acompanhariam os desdobramentos da operação. Com o filho e outros quatro executivos da Odebrecht alvos de mandados de prisão, ele voltava forçado a participar do comando do grupo que atuava em 21 países da América Latina e da África. “De uma hora para outra, clientes a quem servíamos durante décadas dispensavam nossos serviços”, conta.

Naquele ano a empresa faturou R$ 132 bilhões, o segundo maior entre os grupos privados do País, e empregou 180 mil pessoas diretamente, nas contas de Emílio. Em 2019, o conglomerado de empresas entrou na Justiça com pedido de recuperação judicial e ainda hoje tenta sair da grande dívida. A holding continua líder do segmento, mas com números bem mais modestos. No ano passado, o faturamento da OEC, braço de engenharia da holding, somou R$ 4,2 bilhões. O grupo emprega agora na construção civil 35 mil pessoas.

No mesmo dia da prisão dos executivos da Odebrecht, foi expedida ordem de prisão para o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques. “A acusação foi a de sempre: participação de ambas as empresas em esquemas de corrupção e fraudes de licitações da Petrobrás”, relata Emílio. “O que havia agora de diferente era que, segundo a PF e o Ministério Público Federal – que compunha a força tarefa criada para conduzir a Lava Jato – essas empresas tinham feito depósito de dinheiro para diretores da estatal através de contas bancárias no exterior”, ressalta. “A acusação que justificava a ação da polícia não era acompanhada de nenhuma prova. Nada, zero.”

Permanece, até hoje, como um dos mais dolorosos telefonemas que recebi em minha vida.

Emílio Odebrecht, empresário, em livro de memórias, sobre telefonema no qual foi informado da prisão do filho

‘Estardalhaço’

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O empresário lista como primeiro “erro” de Sergio Moro a decisão de decretar a prisão de Marcelo. Ele observa que a medida judicial só se aplicaria se o acusado estava se recusando a prestar esclarecimentos à Justiça. “Era preciso fazer estardalhaço”, afirma. “A ilegalidade desse procedimento só foi reconhecida na fase final da Lava Jato.”

Emílio conta que passou sete anos rascunhando as memórias para transformá-las em livro. Nem mesmo o dia da semana em que Marcelo foi preso deixou de ser analisada. Eram nas sextas-feiras, registrou, que as prisões geralmente ocorriam. “Com os tribunais fechados nos fins de semana, era seguro que os presos passariam sábado e domingo no cárcere.” Não faltam também críticas – muitas a empresas de comunicação e jornalistas ao longo da narrativa.

EMÍLIO ODEBRECHT. FOTO: PAULO GIANDALIA/ESTADÃO 

O patriarca dos Odebrecht observou que na ordem de prisão de Marcelo, o juiz afirmou “parecer inviável” que ele e o então presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, outro alvo da operação naquela sexta-feira, não soubessem da suposta corrupção. “O lapso verbal expunha, a quem a quem quisesse ver, um pré-julgamento, decorrente do conluio entre o juiz Moro e os procuradores.”

Emílio questiona o motivo de Moro não ter interpelados os dois antes de encarcerá-los. “Existiam provas naquele momento específico, para privá-los de liberdade?”, pergunta no livro. “Alguém pode argumentar que ‘provas’ surgiram posteriormente, via delação premiada feita pelos executivos”, ressaltou. “Sim, após muito tempo encarcerados, e sofrendo com as pressões da força tarefa sobre seus familiares, alguns capitularam e confessaram o que não fizeram, fornecendo informações falsas ou distorcidas que se transformaram em ‘provas’”, escreveu. O instrumento da delação passou a valer com a Lei 12.850, promulgada pela então presidente Dilma Rousseff, em 2013.

Em março, o PSOL, o PCdoB e o Solidariedade entraram com pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) de suspensão das multas estabelecidas nos acordos de leniência entre o Estado e as empresas atingidas pela Lava Jato. Emílio evita falar sobre a ação. “O que eu tenho para dizer está no livro.”

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